04 abr, 2020 - 07:37 • José Alberto Lemos, correspondente nos EUA
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Robert Samuelson é um homem prudente. Há cerca de 20 anos escutei-o com atenção numa conferência internacional, onde veio falar daquilo que sabe — economia.
A mulher veio com ele dos EUA para a Europa, mas não no mesmo voo. Com três filhos, quando viajavam acreditavam sempre que era preciso muito azar para cair um avião, mas dois no mesmo dia era quase impossível. A prudência dava-lhes quase a garantia de que os filhos nunca ficariam órfãos.
Imaginem onde foi a conferência? Próximo de Milão, em plena Lombardia, justamente a região onde o coronavírus irrompeu na Europa em toda a sua dimensão trágica.
Colunista do "Washington Post", depois de muitos anos a escrever na "Newsweek", entre outras publicações, Samuelson analisa desde os anos 1970 a economia americana e mundial e, como homem prudente que é, prometeu a si mesmo que nunca usaria a palavra "depressão" para descrever o estado da economia.
Em seu entender, os economistas e políticos que ocasionalmente o faziam exageravam porque pretendiam assustar as pessoas para que pensassem que o fim do mundo estava ao virar da esquina ou fazer com que elas pressionassem o Congresso para aprovar alguma lei do seu agrado.
E era também, naturalmente, porque sempre viu na Grande Depressão de 1929 características que nunca se repetiram durante a sua longa vida de colunista. Nos anos 1930, o desemprego nos Estados Unidos atingiu os 25% e manteve-se nos dois dígitos durante toda a década. Enquanto o produto interno bruto (PIB) contraía 25% entre 1929 e 1933, as falências quer na agricultura, quer na indústria, atingiram uma dimensão nunca mais vista.
Esta semana, Robert Samuelson quebrou a promessa. Não porque pense que o mundo mergulhou já numa depressão, mas porque pela primeira vez na vida pensa que uma depressão é concebível.
E porquê? Porque os ciclos económicos são cada vez mais imprevisíveis e a instabilidade é tamanha que as soluções adotadas parecem não resolver as dificuldades.
Refere-se concretamente às tradicionais descidas dos juros e aos aumentos dos défices orçamentais, políticas que “estão a perder poder terapêutico” porque “não nos têm protegido de surtos cada vez maiores de instabilidade”. A grande recessão de 2008 foi mais violenta do que todas as que houve no pós-guerra — e foram dez, entre 1945 e 1990. Foi combatida com um pacote de 1 bilião de dólares.
A atual crise provocada pelo coronavírus vai ser combatida por um pacote de 2,2 biliões. Mas como se baseia essencialmente nas mesmas terapias, Samuelson tem dúvidas sobre a sua eficácia.
Nem na depressão de 1929, nem na recessão de 2008,(...)
“Não sei, provavelmente ninguém sabe. Mas a confiança que tínhamos para imaginar e controlar o futuro desvanece-se. A situação assemelha-se crescentemente à dos anos 1930, quando certezas do passado não serviram para as realidades do presente. A linha que separa uma depressão de uma recessão severa é obscura. Se ainda não estamos lá, estamos mais próximos do que em qualquer outro momento desde a II Guerra Mundial”, conclui.
É uma conclusão prudente tirada por um homem prudente. É mais a expressão de uma convicção do que de uma certeza. Mas suficiente para o fazer quebrar a promessa de não usar o termo depressão para caraterizar a conjuntura económica.
O artigo citado foi publicado na quarta-feira. Na quinta-feira os números vieram dar-lhe razão. Pela segunda semana consecutiva as inscrições nos centros de emprego dispararam como não se via desde a… Grande Depressão justamente.
Nas duas primeiras semanas de março desapareceram 700 mil empregos, na terceira semana 3,3 milhões e na última 6,6 milhões. Números redondos, em apenas um mês a América perdeu mais de 10 milhões de empregos. Este número, só por si, já ultrapassa o número de empregos perdidos durante o pico da grande recessão de 2008 — que foi de 8,7 milhões entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2010.
E ultrapassa o número de empregos que foi criado desde novembro de 2016, data da eleição de Trump, e fevereiro passado — 7,2 milhões. Ou seja, todo o crescimento do mercado laboral e, em certo sentido, da economia, dos últimos quatro anos pulverizou-se num mês. E era um crescimento que já vinha de anos anteriores. Desde o segundo mandato de Obama (2012-2016) que o mercado de trabalho foi crescendo consistentemente. Todos esses ganhos se eclipsaram agora.
O número total de mortes desde o início da pandemi(...)
São, por isso, números que não têm equivalência no pós-guerra. A pior semana de sempre desde 1945 em termos de mercado de trabalho tinha sido em 1982 com 695 mil pedidos de emprego. O mês de março de 2020 fica assim na história como o recordista de pedidos de emprego na América após a Grande Depressão de 1929.
Mas não faltam vozes a alertar para que isto é apenas o início de uma crise cuja profundidade e dimensão ainda não se vislumbram e que os próximos meses poderão bater ainda outros recordes.
Uma sondagem da Kaiser Foundation confirma que dois terços dos americanos estão convencidos de que o pior ainda está para vir. E o índice de confiança dos consumidores publicado pela Bloomberg desceu para os 56,3 pontos numa escala de 0 a 100, o que traduz uma queda de 6,7 pontos, a maior desde 1985. Nos últimos dois meses, desceu 11 pontos, caindo da posição mais favorável (67 pontos) dos últimos 20 anos.
A onda de pessimismo está, pois, instalada e nem o pacote de incentivos financeiros aprovado pelo Congresso na semana passada parece tê-la mitigado. Segundo os democratas, os incentivos ficam aquém do necessário e já começaram a falar em aprovar um segundo pacote. Os republicanos, porém, já disseram não estar pelos ajustes.
Há na América seis milhões de empresas, 99,7% das quais com menos de 500 trabalhadores. O pacote destina-lhes 370 mil milhões de dólares, mas vários economistas argumentam que a verba é insuficiente e que seriam necessários 600 mil milhões para garantir o pagamento de 12 semanas de inatividade. Como alguém afirmou, trata-se de congelar a economia durante três meses e pagar às pessoas para não trabalhar, garantindo que os postos de trabalho não se perdem no fim desse período de suspensão.
E neste aspeto, a medida mais inovadora aprovada — enviar diretamente cheques de 1.200 dólares aos que têm menores rendimentos, naquilo que é um ensaio limitado no tempo do chamado rendimento básico incondicional — poderá não ser a mais eficaz, segundo alguns estudiosos. Poderá resolver o problema do pagamento de contas básicas, mas não incentiva o consumo e a economia num momento em que praticamente não há nada para comprar exceto bens essenciais.
Por outro lado, não garante a manutenção dos empregos porque não vincula os empresários. Neste aspeto há quem prefira a abordagem dinamarquesa de canalizar o dinheiro para as empresas para que elas assegurem o pagamento dos salários aos funcionários como se eles estivessem a trabalhar normalmente. Um esquema que garantiria a manutenção dos postos de trabalho durante e no pós-crise.
Todavia, parece ser demasiado tarde para o aplicar, tendo em conta que há já mais de dez milhões de empregados em "lay-off", que a esta hora só ambicionarão ter dinheiro para pagar as contas básicas e pôr comida na mesa, sem qualquer esperança de retomar o emprego que tinham.
Gente que também não estará seguramente preocupada em saber se esta crise se pode classificar como uma depressão ou uma recessão. Para eles, a questão coloca-se de forma bem mais pragmática e terra-a-terra. Como disse um dia o Presidente Truman: “Recessão é quando o teu vizinho perde o emprego; depressão é quando tu perdes o emprego.”