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Biden vence "Super Terça-feira" e torna-se o favorito para a nomeação democrática

04 mar, 2020 - 09:00 • José Alberto Lemos, correspondente nos EUA

Em pouco mais de 48 horas, Joe Biden passou de virtual morto politicamente para favorito na corrida democrática à Casa Branca. Voto moderado convergiu no “comeback kid" e Bernie Sanders sofreu grande derrota. Foi uma viragem de 180 graus.

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"Esta campanha vai obrigar Donald Trump a fazer as malas". Biden vence super terça-feira
"Esta campanha vai obrigar Donald Trump a fazer as malas". Biden vence super terça-feira

Andrew Yang, um dos três milionários que concorreram a estas primárias democráticas e que desistiu há 10 dias, disse no sábado à noite depois da votação na Carolina do Sul que Joe Biden era o “comeback kid” destas eleições.

A metáfora é certeira. Joe Biden esteve quase morto nestas primárias, mas em quatro dias mostrou uma capacidade excecional de dar a volta à situação e ei-lo que sai desta Super Terça-Feira como o mais provável nomeado do partido para defrontar Donald Trump em novembro próximo.

A sua candidatura foi brindada com vários epítetos: frágil, sem entusiasmo, mal organizada, falida, frustrante, incapaz de mobilizar os eleitores, morta. Até sábado passado estes eram os adjetivos que se iam alinhando sobre ela. No sábado, porém, nas primárias da Carolina do Sul, o ex-vice-presidente renasceu das cinzas e a partir daí tudo foi diferente.

A dinâmica (“momentum”) criada pela vitória confortável que teve na Carolina do Sul foi arrasadora. Logo no dia seguinte os dois outros candidatos moderados na corrida — Pete Buttigieg e Amy Klobuchar — desistiram e anunciaram o seu apoio a Biden. Várias figuras nacionais do partido vieram a público apoiá-lo, o establishment deu sinais do seu empenhamento e, last but not the least, o dinheiro começou a pingar com profusão — 10 milhões de dólares em dois dias.

Foi uma espécie de toque a rebate. De repente, toda a gente na ala moderada do Partido Democrático se rendeu a Biden e viu nele a única hipótese de travar o progressista Bernie Sanders. Não só a única, mas também a derradeira. Era agora ou nunca. As sondagens davam vantagens confortáveis a Sanders em vários dos 14 estados que iam a votos, sobretudo nos dois grandes prémios da noite eleitoral: Califórnia e Texas.

Mas a mobilização em torno da candidatura de Biden começou a inverter essa tendência e mesmo a perceção pública das hipóteses do candidato, ao ponto de as apostas terem voltado a colocar Biden como o mais provável nomeado do partido. Tudo isto em 48 horas.

Os resultados estão aí e são impressionantes. Dos 14 estados que foram a votos, Biden venceu pelo menos em nove (no Maine subsistia um quase empate), deixando quatro vitórias para Sanders, das quais apenas uma é significativa — a Califórnia. No mais liberal de todos os estados americanos, o velho senador tinha garantida há muito uma vitória inequívoca. Mas ao vencer surpreendentemente no Texas, Biden mitigou a derrota da Califórnia porque arrebatou o segundo grande prémio da noite e equilibrou as contas nos delegados eleitos.

E isso é, sem dúvida, o mais importante desta maratona eleitoral, porque tudo desemboca no número de delegados que cada um dos candidatos consegue eleger para a convenção do partido que se realiza em julho e que formalizará a escolha do candidato à Casa Branca. Ora, este era justamente o ponto em que a situação estava sombria para Biden e para a ala moderada do partido. Se Bernie Sanders elegesse muitos delegados nesta noite aproximava-se da maioria necessária para vencer (1991 delegados) e criaria uma dinâmica que nas próximas primárias certamente o levaria muito perto desse número.

Foi esse objetivo que o progressista senador falhou esta noite. E essa foi a grande vitória de Joe Biden, o “comeback kid”. Ao ganhar em nove (ou dez) estados, mesmo perdendo no maior deles, Biden arrecadou entre 41% e 48% dos delegados em disputa, impedindo uma hegemonia de Sanders. Mais, ao travar aquilo que já parecia a muitos a caminhada vitoriosa de Sanders, o ex-vice-presidente criou uma dinâmica política que o coloca neste momento como o mais provável vencedor desta corrida.

Por várias razões. Primeiro, pela própria dinâmica de vitória em si mesmo, que já vimos nestas eleições quão poderosa pode ser. Segundo, porque agora mais do que nunca todo o establishment democrático, todos os moderados, muitos doadores do partido e muitos independentes vão convergir para a sua candidatura, afastando o espetro da descrença e da derrota do candidato. Terceiro, porque pelo caminho liquidou também a candidatura de Mike Bloomberg, que se apresentou pela primeira vez às urnas e teve resultados dececionantes.

O ex-mayor de Nova Iorque gastou cerca de 500 milhões de dólares nesta campanha em que correu por fora e apostou sobretudo nos anúncios televisivos, mas não conseguiu melhor do que alguns terceiros lugares e, por vezes, quartos em certos estados. Humilhante!

Bloomberg candidatou-se por estar convencido de que seria a alternativa moderada, sensata, competente, para congregar o voto dos que não acreditavam na capacidade de Biden para bater Sanders. O sucesso da sua candidatura dependia do insucesso de Biden. Mas esta Super Terça-Feira mostrou que era o multimilionário que estava a mais na campanha. Ele foi uma espécie de cometa que sobrevoou, já tardiamente, esta campanha democrática para se desvanecer na atmosfera no primeiro embate.

Durante a noite correram especulações sobre a sua iminente desistência, que poderia ser anunciada já esta quarta-feira. Mas concretize-se ou não, a questão deixou de ter relevância. Se Bloomberg insistir em manter-se na corrida, as próximas disputas eleitorais vão trazer-lhe resultados ainda mais humilhantes. Para Biden esta é uma notícia duplamente positiva: Bloomberg deixou de ser uma ameaça e os delegados que tiver arrecadado reforçarão certamente a ala moderada contra Sanders. Logo, aos delegados eleitos por Biden esta noite, juntar-se-ão, mais dia ou menos dia, os de Bloomberg.

É por isso que esta Super Terça-Feira marca uma viragem decisiva nesta campanha. O tempo que corria a favor de Sanders, sobretudo por causa da divisão do campo moderado no partido, passou a correr a favor de Biden. Aliás, nesta noite foi já nítido o recuo de Sanders em termos de votos. No seu estado natal, o Vermont, onde em 2016 tinha batido Hillary Clinton com 85% dos votos, ficou agora pelos 50%. No Colorado que tinha ganho com 60%, ficou agora pelos 40%. No Minnesota, era o favorito e perdeu para Biden. No Oklahoma bateu Hillary há quatro anos e agora foi Biden quem venceu. No Massachusetts disputava a vitória a Elizabeth Warren, senadora pelo estado, e quem ganhou foi Biden.

Warren é também uma das grandes derrotadas da noite. Disputou com Bloomberg o terceiro lugar em quase todos os estados. E até no seu Massachusetts, onde as sondagens a tinham como favorita, a par com Sanders, perdeu para Biden. Em boa verdade, a senadora nunca teve qualquer resultado esperançoso nestas primárias, mas depois desta terça-feira a sua candidatura deixa de fazer sentido. A desistência deve estar para breve e os poucos delegados que recolheu deverão provavelmente engrossar as fileiras de Bernie Sanders, já que Warren se situa mais no campo progressista do que moderado.

E esta continuará a ser a grande clivagem destas primárias democráticas. Só que a partir de hoje protagonizada apenas por dois homens — o moderado Joe Biden e o autodenominado socialista Bernie Sanders — em confronto direto. Sem divisões no campo moderado vai ser mais fácil e mais nítido para os eleitores discernirem as diferenças entre os dois. Da revolução pretendida por Sanders ao reformismo pragmático defendido por Biden vai uma distância política que não autoriza equívocos.

Sabe-se quem é que Donald Trump gostaria de defrontar em novembro. O Partido Democrático começou esta noite a frustrar-lhe as expectativas.

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