Rui Santos, presidente dos autarcas socialistas que avança novamente para a Câmara de Vila Real, acredita que o PS ainda vai aumentar mais o número de câmaras que já tem. E atribui isso à governação socialista, mas também à indefinição do PSD, dizendo mesmo que este partido vai por caminho antidemocráticos.

Em entrevista à Renascença, o dirigente socialista reage à entrevista do presidente dos autarcas do PSD, que defendeu que devem ser permitidas coligações pós-eleitorais com o Chega.

Quanto à situação interna do PS, Rui Santos diz que o congresso socialista que vai decorrer neste fim de semana em Portimão ainda não é tempo de discutir a sucessão de António Costa e lembra que há muitos militantes que podem entrar nessa corrida.

O que é que distingue um autarca do PS?

Os autarcas do PS são pessoas lutadoras, com grande proximidade com as suas populações; estão sobretudo preocupados com as pessoas, com as famílias. São dinâmicos, são pessoas de fazer em vez de reclamar, são justos, preferem ter regulamentos objetivos a apostar na arbitrariedade na atribuição de subsídios na área social, na atribuição de habitações. São pessoas que gostam de contas certas e focam-se na ajuda às pessoas, aos seus cidadãos e a principal bandeira que têm são as cores das suas terras.

Esta pandemia que ainda vivemos veio "puxar" muito pelos autarcas e foi dos primeiros a ter de lidar com situações dramáticas. O que é que a administração local e a administração central têm de ter aprendido com este ano e meio que temos vivido?

Antes de mais, acho que todos nós aprendemos. Todos!

Há ano e meio deparámo-nos com o desconhecido. Nem a administração local, nem a administração regional, nem a central estavam preparadas para lidar com este desconhecido. Julgo que é por todos reconhecido que a capacidade que a administração local teve para operacionalizar meios, para agir no concreto e para resolver os problemas foi muito mais vincada, muito mais clara do que qualquer outro nível da administração.

Não é por acaso que o sr. Presidente da República tem feito declarações, quer públicas quer privadas, dizendo que alterou a sua posição relativamente ao processo de regionalização por causa daquilo que observou ao longo deste ano e meio de pandemia, porque verificou que os autarcas, que um poder regionalizado era capaz de responder de forma muito mais rápida e incisiva aos problemas do país e das pessoas do que uma máquina pesada como é a administração central.

Mesmo tendo o Presidente da República reconhecido isso, o PS continua a remeter a regionalização para 2024, pelo que está na moção que vai a este congresso. Acha que se deve continuar a remeter para 2024 ou o processo devia ser acelerado?

Acho que é preciso consolidar o processo de descentralização da administração central para as autarquias e é preciso olhar para o ‘relatório Cravinho’ para se definir muito bem o que é do poder local, o que é do poder regional e o que é do poder central. Julgo que a definição nesse relatório está muito bem vincada para que não haja sobreposição de competências, nem haja zonas cinzentas.

Julgo que, se houver vontade política, é de acelerar este processo. Este processo foi muito discutido no congresso da Associação Nacional de Municípios, curiosamente realizado em Vila Real. Na altura, o Presidente da República mostrou-se cético, o primeiro-ministro mostrou-se favorável ao avanço da regionalização, mas pediu tempo e cautelas. Julgo que este ano e meio torna mais claro que a regionalização é mesmo muito, muito, muito urgente. Não vem mal ao mundo se esperarmos mais ano, ano e meio, mas julgo que quanto mais depressa avançar melhor é para o país e para as pessoas.

Relacionado com a regionalização está o processo de descentralização. O primeiro-ministro já disse que os autarcas que vão ser eleitos este ano serão os autarcas que vão ter poder. Em que é que se poder se vai concretizar? O que é que os autarcas em setembro vão poder fazer que neste momento não podem?

Podemos fazer sobretudo de forma mais rápida. A Câmara Municipal de Vila Real assumiu todas as competências que podia, com exceção da área da saúde e a perceção que temos é que, à medida que o tempo vai passando, se torna mais célere a possibilidade de dar resposta aos múltiplos problemas.


"Espero que fique absolutamente claro [no congresso do PS] a forma, o tempo e o caminho para se avançar com a regionalização."


Por exemplo, na área da educação, não era aceitável que, para substituir um técnico administrativo, estivéssemos meses à espera. O que é que fizemos? Temos uma reserva de recrutamento e, quando há uma falha, a pessoa rapidamente entra no sistema substituindo a ausência por reforma ou doença ou o que quer que seja. Isso não significa que os autarcas tenham mais poder porque, no meu caso, delegamos essas competências aos agrupamentos de escolas e às escolas. Este processo traz mais capacidade para agir rapidamente, para resolver os problemas da comunidade.

Não é um processo fácil, exige diálogo permanente com a administração central, exige reajustamentos, que as comissões de acompanhamento trabalhem de boa fé, mas é um processo que vai no sentido certo e no sentido do que são as melhores práticas a nível europeu.

Os autarcas do PSD queixam-se muito de que a descentralização não tem o equivalente financeiro e dizem que os autarcas do PS só não se queixam por dever de solidariedade. É mesmo assim ou corre melhor quando há vontade política?

Isso é politiquice, é conversa de quem não quer assumir as suas responsabilidades e para quem não quer de facto responder às suas populações porque as regras são claras, são iguais para todos. Se há uma caraterística dos autarcas do PS – e eu até sou muito criticado por isso – é que dizem o que têm de dizer. A minha cor é a minha terra, a cor que mais defendo. Sou do PS, mas em primeiro e sempre está a minha terra e essa é uma caraterística de todos os autarcas do PS e, se estes processos não estivessem a decorrer dentro do que era a nossa expectativa, pode ter a certeza de que seríamos os primeiros a não aceitar as competências, a reivindicar e a opormo-nos ao que estivesse mal.

Ainda recentemente, numa apresentação de candidatos autárquicos, o primeiro-ministro disse que precisava de ter ainda mais autarcas do PS precisamente por causa da descentralização e da aceitação de novas competências porque continua a haver resistências. A que é que atribui essas resistências?

Têm medo! Há autarcas que têm medo de assumir responsabilidades porque têm receio que, depois, as populações lhes possam cobrar determinado de serviços, de apoios, que sejam exigentes com a atividade da Câmara Municipal. Os autarcas do PS não têm medo disso e, por isso, avançam.

Quando há mudanças, há sempre uma resistência enorme à mudança, há um discurso que depois não corresponde à prática: todos queremos mudar, mas se possível começar por mudar o vizinho ao lado é sempre melhor.

Por outro lado, admito que existam experiências do passado que não tenham sido positivas e tenha traumatizado alguns autarcas e tenham deixado algumas desconfianças. Mas acredito nas pessoas, na boa fé das pessoas, sei que, por parte da máquina do Estado central – não do poder político, mas das estruturas do poder central – há resistências, mas acredito que ou enfrentamos essas resistências e damos o nosso melhor para mudar ou, se nos resignarmos, ficará sempre tudo na mesma.

Até que ponto o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) pode vir a ajudar o processo de descentralização?

O PRR tem regras muito claras: 35% é para a descarbonização, 15% é para a modernização do setor Estado, nos 50% que sobram, os investimentos não podem contribuir em nada para o aumento da carbonização.

Mas o PRR prevê verbas significativas para o setor social, para a habitação, para os transportes e para reabilitação de espaços públicos desde que contribuam para a descarbonização, privilegia os setores de mobilidade verde.

Tudo isso são hoje preocupações das autarquias, de todos os autarcas que têm uma perspetiva de futuro. Acredito que, se os autarcas estiverem envolvidos neste processo e estiverem empenhados em que este processo corra bem, será uma importante ajuda para o Estado central e, por sua vez, o Estado central ajudará os autarcas a cumprirem as suas responsabilidades, nomeadamente nas novas áreas, em concreto no setor social, na área da educação e na área dos transportes.

Uma das prioridades do PRR é a habitação e está a ser pedido às autarquias maior empenho e envolvimento. Por exemplo, tem sido prática nos municípios liderados pelo PCP a habitação ser sempre remetida para o Estado central. Confia que os municípios vão ter capacidade de corresponder ao que lhes está a ser pedido no domínio da habitação?

A habitação é um direito fundamental. No caso concreto de Vila Real, já aprovámos a estratégia local de habitação, que prevê um financiamento, para ser executado em três anos e meio, de 9,5 milhões de euros, que podem ser apoiados a 100% desde que sejam cumpridos no prazo.

A Câmara de Vila Real já gere um parque habitacional de 600 habitações. Julgo que isto é em Vila Real e genericamente em todo o país. Se os autarcas não tiverem coragem de avançar não podem estar constantemente a queixar-se do Estado central, a dizerem que querem competências, que querem meios e quando essas competências e meios chegam terem medo de os assumir e de realizar o que tem de ser feito.

Percebo também que há aqui um elemento de risco.

Que é?

No caso em concreto de Vila Real, há cerca de 25 anos a autarquia assumiu todo o parque habitacional e tem cerca de 900 habitações e a meio do processo vendeu 300 habitações. Veja a falta que essas habitações hoje fariam. Há o risco de, em função de quem governa circunstancialmente as autarquias, se desvirtuar este direito fundamental em detrimento de uma estratégia mais liberal.

Há também o risco de as autarquias com maior capacidade económica poderem acrescentar ao PRR e às verbas do PRR valores para habitação, seja social, seja para regularização do mercado e autarquias com menos capacidade económica não conseguem. Mas isto é assim nesta área como em todas as outras.


"Temos de afinar os critérios de financiamento."


Acaba sempre por haver diferenças entre câmaras ricas e câmaras pobres?

Essa coisa das autarquias ricas e das autarquias pobres é muito subjetiva. Dou um exemplo: Portimão há 15 anos era uma autarquia rica, de repente tornou-se uma autarquia pobre porque teve de usar o fundo de emergência municipal e agora volta aparentemente a estar numa situação económica razoável.

Outro caso: uma autarquia com 4.500 habitantes aparentemente tem um orçamento muito reduzido, mas também é verdade que só serve 4.500 habitantes. Vila Real tem cerca de 50 mil eleitores, mas temos a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro que tem sete mil estudantes que por aqui andam e não estão aqui recenseados; aqui não é primeira habitação de muitos que aqui trabalham nos hospitais e na universidade. Aparentemente, é uma autarquia mais rica, mas não somos financiados em função de todas as pessoas que servimos que são muito mais do que aquelas que estão nos dados oficiais.

Acha que deveria haver alteração dos critérios de financiamento?

Temos de afinar critérios. Não haverá uma fórmula perfeita, mas é preciso afinar critérios. Nos últimos quatro anos, houve uma atualização da Lei de Finanças Locais, as autarquias recuperaram rendimento, mas ainda não chegámos aos valores pré-troika.

O PS cresceu nas duas últimas eleições autárquicas. Acha que ainda é possível crescer mais? Tem expetativas de aumento do número de eleitos socialistas?

Tenho uma convicção profunda de que isso vai fazer. A impressão digital da governação do PS ao nível local é uma impressão digital que nos marca pela positiva e tem um efeito de contágio a câmaras vizinhas. E mesmo aquelas autarquias que não são governadas pelo PS, por comparação, as pessoas tenderão a votar em autarcas do PS.

Por outro lado, com esta indefinição que vemos na área da direita, nomeadamente no PSD, que às segundas, quartas e sextas tem dirigentes, nomeadamente o meu colega que lidera a associação de Autarcas Sociais-democratas, que aceitam coligações com o Chega; o Dr. Poiares Maduro diz que isso é impensável e que o PSD tem de se definir; e o Dr. Rui Rio às quintas, sextas e sábados diz que sim e às segundas, terças e quartas diz que não. Esta indefinição levará certamente muitos eleitores a temerem que o PSD se radicalize, se encoste cada vez mais à direita e se torne num partido ligado a alguns valores, princípios muito próximos… diria mesmo antidemocráticos.

O PS deve dizer claramente que não faz alianças com eleitos do Chega?

Não tenho dúvida disso.

Apesar de haver candidatos do Chega que já foram militantes socialistas?

Acho que o PS não fará coligação rigorosamente nenhuma com o Chega. Já o PSD, pela prática e pelo discurso, não dá garantias.

Há eleitos ou ex-eleitos dos vários partidos que, a dada altura, se candidatam como independentes ou por outros partidos. A que é que atribuí isso? No princípio desta entrevista, dizia que a sua cor é a cor da sua terra. Torna-se mais importante a pessoa do que o partido ou os partidos nem sempre conseguem encaixar os seus autarcas?

Um estudo de opinião recente publicado num semanário dizia que cerca de 80% dos eleitores em eleições autárquicas decide em função das pessoas mais do que em função das cores partidárias. Admito que, nalgumas circunstâncias, haja claramente projetos estruturais e pessoas capazes de os liderar que não se encaixem em nenhum partido, mas admito também que aqueles que não conseguem ganhar dentro do partido – e os partidos são fundamentais e são um alicerce do sistema democrático – tentam ganhar por favor aquilo que no conseguem ganhar dentro do partido.

Admito ainda que há casos em que a limitação de mandatos e a perda de poder perturbe algumas pessoas que não entendem estes lugares como temporários. Ainda há muita gente que não consegue interiorizar esta máxima.


"Se os autarcas não tiverem coragem de avançar, não podem estar constantemente a queixar-se do Estado central."


O congresso do PS do próximo fim de semana aparece muito como momento de lançamento do partido para as eleições autárquicas. O que espera do congresso? Esse lançamento ou algo mais?

Espero que este congresso vá muito para além do lançamento da campanha autárquica, essa já está a decorrer. Acho que o congresso será sobretudo a reafirmação de uma estratégia do PS para as autárquicas, mas sobretudo para esta legislatura e para os próximos anos ao nível nacional. Espero, por exemplo, que fique absolutamente claro a forma, o tempo, o caminho para se avançar com a regionalização.

Na entrevista que deu recentemente ao “Expresso”, o primeiro-ministro remeteu para 2023 as suas decisões sobre continuar ou não a liderar o PS. No congresso da Batalha, há três anos, quando António Costa foi ao microfone avisar que ainda não tinha posto os papéis para a reforma, parece ter desacelerado um processo de sucessão. Este congresso será marcado pelo regresso dos candidatos à sucessão ou ainda não é o tempo para se falar disso?

Mas quem são os candidatos à sucessão? O que sei é que há muitos militantes dentro do PS – autarcas, dirigentes, deputados – e que eu saiba não está vedado a ninguém candidatar-se à sucessão de António Costa. Não é por se proclamar num ou noutro momento que somos candidatos à sucessão que isso irá acontecer.

Neste momento, o PS tem um primeiro-ministro e um secretário-geral que está a fazer um excelente trabalho, é reconhecido por todos. E qualquer um de nós se pode colocar nesse caminho.