"Só a região de Lisboa precisaria de 26 mil novos fogos de habitação", afirma a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de Lisboa e Vale do Tejo.

Teresa Almeida considera escassa a meta de construção pública estabelecida pelo atual Governo de Luís Montenegro para todo o país, referindo-se ao acrescento relativamente ao objetivo traçado pelo anterior executivo de António Costa.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, Teresa Almeida elogia o modelo de regiões que domina a Europa, considera que haver regionalização no país é uma questão de “opção” e dá as regiões autónomas dos Açores e da Madeira como “bons exemplos”.

Teresa Almeida considera ainda “inevitável” a construção do novo aeroporto de Lisboa em Alcochete, referindo a margem sul do Tejo como um “território de oportunidade”. É aí que, diz, “há margem para crescer” e há “terrenos disponíveis”, criando uma situação de “equivalência” em relação à margem norte.

Lida com a aplicação de fundos comunitários e também do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em diversos projetos. Como é que está a execução desses projetos e há motivos para preocupação?

Na terça-feira, fizemos formalmente o encerramento do Programa 2020. Fechou com 105% de taxa de execução. Em termos de PRR, não temos uma gestão direta. É um programa com uma aplicação nacional, não é regionalizado.

Temos tido ultimamente um papel crucial nas escolas. O PRR alocou uma verba muito significativa para que o pacote de entrega aos municípios seja com uma garantia de uma intervenção e reabilitação no Parque Escolar e as CCDR estão a gerir esse pacote. Contratualizámos, em maio, 125 milhões de euros e agora vamos entregar mais 50 milhões.

"Foram anunciados mais 26 mil fogos para o país, e eu acho que só a região de Lisboa precisaria desse número"

Isso vai permitir fazer intervenção em quantas escolas?

Vinte e nove. Tivemos 62 candidaturas.

Na aplicação dos fundos 2020, qual foi a maior fatia?

Nós tivemos 817 milhões de euros e a região de Lisboa é uma região desenvolvida, única do país e, por isso, aquela parte que financia as empresas e a competitividade foi o montante mais robusto.

Nós somos uma região que tem crescido, temos novos residentes, muitos imigrantes e que têm jovens e crianças que vêm para os nossos estabelecimentos de ensino, e chegou-se à conclusão de que havia insuficiência de oferta de salas.

E na habitação?

Os fundos de coesão nunca tiveram qualquer disponibilidade de apoiar a habitação, mas o PRR sim. É a grande oportunidade que existe neste momento, para que se possa fazer um financiamento robusto para a oferta de habitação.

Há ainda muita burocracia e escassez de bolsa de terrenos por parte dos municípios.

Quantas casas é que acha que seria preciso construir na região de Lisboa para responder ao problema ou à pressão de procura de habitação?

Foram anunciados mais cerca de 26 mil fogos para o país, e eu acho que só a região de Lisboa precisaria desse número de fogos.

Diria que a habitação é o maior problema na região de Lisboa nesta altura?

Sim. O grande desafio para a região de Lisboa é a habitação e a mobilidade. Estando em curso a resolução destes dois grandes desafios, a área metropolitana poderia corresponder também aos desafios de acolhimento.

Quando olha para as respostas às políticas de habitação nesses 18 municípios, existem várias velocidades na forma como os autarcas em cada uma das regiões consegue responder a isso? Onde é que estão os maiores problemas, em Loures?

Não diria isso. Vai havendo tendências problemáticas. Há vários anos, o problema era o Bairro da Bela Vista, havia sempre dramas, indisciplina e criminalidade. E também o Plano Integrado de Almada. Hoje, felizmente, não se fala tanto nessa população porque houve trabalho de integração

Agora fala-se noutros bairros. O Segundo Torrão, em Almada.

É uma ocupação recente. Há territórios de atratividade, territórios onde se têm concentrado registos de nova população residente, muitas vezes não nas melhores condições e as tensões acontecem. Enquanto urbanista, a grande dificuldade é regularizar, tentar encontrar territórios que não tenham condicionalismos. Não se pode regularizar onde há condicionalismos. E a experiência que temos assistido em Valência mostra bem como temos de ser rigorosos e não permitir que se possa construir ou que se possa regularizar habitação em zonas que têm problemas de cheias ou têm outro tipo de problemas, vulnerabilidade sísmica. A zona do Segundo Torrão é uma zona que não tem condições para se regularizar.

É em cima da praia…

Onde não há condições, um autarca tem de ser firme e não pode facilitar.

"O Segundo Torrão é uma zona que não tem condições para se regularizar"

Isso quer dizer o quê? Despejar pessoas?

Encontrar soluções alternativas. Despejar não pode ser a formulação. Isso era antigamente. Antigamente é que havia despejos e as pessoas não tinham proteção.

E, portanto, os ritmos de resposta não são equiparáveis. Há ritmos mais acelerados, com respostas mais rápidas, municípios que têm essa capacidade ou essa sorte de terem programado ou de terem territórios que não sejam tão vulneráveis.

O Governo quer criar uma nova divisão regional para beneficiar, no fundo, os concelhos do Norte desta região, que, assim, poderiam ter acesso a fundos da coesão. Concorda? Faz sentido para si essa divisão?

A península de Setúbal é já uma NUTT autónoma à NUTT da Grande Lisboa, exatamente para poder proporcionar esse reconhecimento de que a região de Setúbal não tem as mesmas características de desenvolvimento que tem Lisboa. Os autarcas da coroa Norte também apresentaram essa pretensão, justificadamente, e o Governo atual está a fazer os estudos necessários. Estas decisões são decisões, primeiro, da parte do Governo, e depois a Europa tem de aceitar.

O que é que a presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo defende em relação à regionalização, tendo em conta que o atual primeiro-ministro é contra esta possibilidade?

São decisões da parte dos governos e a minha opinião não interessa. Sou presidente de uma região administrativa, que neste momento é consagrada de uma forma em que nos foi dado mais autonomia e mais competências, somos um instituto público. Não houve uma regionalização, mas houve da parte do Governo anterior a vontade de que os serviços regionais da administração central de determinados ministérios passassem a ser geridos no contexto de uma CCDR. Mas não foi uma regionalização.

Acha que o país não está preparado para uma regionalização?

Não é que não esteja preparado, eu penso que são opções. Temos um país com duas regiões autónomas e são bons exemplos. A Europa está praticamente toda com regiões constituídas. Somos quase uma exceção.

Tem pena que Portugal seja uma exceção?

Não tenho estados de alma. Cumpro aquilo que tenho por missão cumprir.

Este Governo decidiu acrescentar entretanto um vice-presidente para a Agricultura. Isso não cria um problema de autoridade para quem é presidente da CCDR?

Isso é mais uma nova formulação que acolheremos. Neste momento, tenho quatro vice-presidentes e nenhum dos novos vice-presidentes foi indicado pelo Governo. A minha vice-presidente atual para a Agricultura e Pescas é uma pessoa absolutamente capaz e de grande competência. Nada indica que não seja ela a pessoa escolhida pelo senhor ministro da Agricultura e Pescas.

Com a nova lei, o salário dos presidentes das CCDR ficou equiparado ao do primeiro-ministro, sendo superior, portanto, ao dos ministros que tutelam as várias áreas. Acha que as pessoas compreendem bem esta alteração?

Na altura, a ministra Ana Abrunhosa respondeu a isso dizendo que os ministros é que ganham pouco. O nosso salário é igual às administrações dos institutos públicos.

E a construção da terceira travessia do Tejo e do novo aeroporto poderá criar novas tensões territoriais na Área Metropolitana de Lisboa? Como é que o Estado se pode preparar para isso?

Eu penso que não. Os territórios da península de Setúbal acabam por ter uma margem de crescimento superior à dos territórios da margem Norte. A zona do dito Arco Ribeirinho são territórios de oportunidade.

Acredita que ainda vai ser possível ver esse projeto sair do papel?

Eu acho que é inevitável. Os territórios estão disponíveis. É uma questão de os trabalhar, de investir, de realizar os melhores projetos e, portanto, de consolidar um território metropolitano que não seja desequilibrado, em que a margem Norte teve uma evolução histórica que ditou que dois terços da população vivem no lado Norte e um terço vive na margem do lado Sul.

Haverá também uma oportunidade em relação aos terrenos da atual Portela, que, desmantelada, serão uma oportunidade para exatamente o quê? Habitação?

Penso que será um local de descompressão, absolutamente.