O dia a dia de João Sousa não está muito longe da rotina do CEO de uma empresa. Logo de manhã, já sabe que um comboio de imprevistos pode atravessar o calendário das múltiplas reuniões que escalou para o dia.

Tem 21 anos e há quase um que é presidente da Nova Junior Consulting (NJC), a júnior empresa com serviços de consultoria da faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE). A diferença para uma consultora “sénior”? Ser constituída apenas por alunos universitários.

“É quase como se tivéssemos entrado a trabalhar. Isto funciona como uma empresa, só que gerida por alunos. Nós orçamentamos serviços de consultoria, temos equipas dedicadas a cada um dos projetos e, no final do prazo, apresentamos soluções aos nossos clientes”, detalha à Renascença, no campus de Carcavelos da Nova SBE.

No catálogo de serviços da NJC, cabe de tudo um pouco na área da gestão e estratégia: estudos de mercado, planos de marketing e financeiros e até processos de internacionalização. Durante dez semanas, os membros desta júnior empresa trabalham todos os dias em busca de soluções para os problemas organizacionais dos seus clientes.

Tal como numa “empresa a sério”, também aqui há preocupações para além do trabalho e da apresentação de resultados. Pelo menos duas a três vezes por semestre, reúnem os membros das equipas em “team buildings” e sessões de formação com grandes consultoras no mercado. E quando a aula é sobre responsabilidade social, os júnior empresários também marcam presença.

“Queremos dar algo de volta à nossa comunidade, como reconhecimento de tudo aquilo que temos aprendido na faculdade. Criámos uma bolsa para alunos de primeiro ano de licenciatura, onde oferecemos parte das propinas e lhes damos sessões de aprendizagem. É uma forma de promovermos a integração”, explica.

Estatuto de Júnior Empresário - porque não?

Atualmente, existem em Portugal 24 júnior empresas, às quais se juntam outras 21 júnior iniciativas – um nível embrionário para pertencer ao movimento júnior. Só em 2022, o trabalho destas empresas resultou em 242 projetos de trabalho acrescentado, num total mais de 420 mil euros de volume de negócios.

Muito trabalho de norte a sul do País, sempre voluntário e à margem das aulas, mas que, para Carolina Silva, presidente da federação Junior Enterprises Portugal, não os afasta dos planos curriculares.

“Nós queremos complementar os cursos e colmatar uma lacuna entre o que é a parte teórica e a vertente prática, que é mais valorizada no mercado de trabalho. Todas as júnior empresas têm atualmente protocolos com as suas instituições de ensino para, acima de tudo, capacitar os jovens. As universidades veem-nos como um ponto de empreendedorismo”.

Nós queremos complementar os cursos e colmatar uma lacuna entre o que é a parte teórica e a vertente prática, que é mais valorizada no mercado de trabalho

Criada em 2012, a Federação Portuguesa de Júnior Empresas é responsável pela auditoria a estas organizações e pela cooperação entre si. Para tal, organiza eventos durante todo o ano, como forma de promover a formação dos membros e o contacto com o tecido empresarial. Esta quarta-feira, celebram o Dia Mundial do Júnior Empresário com o evento JE Day na Sociedade Portuguesa de Geografia, em Lisboa, onde vão discutir o impacto das júnior empresas na sociedade.

Para Carolina Silva, vai ser uma “oportunidade para celebrar estas incubadoras de talento”, ainda pouco reconhecidas por uma parte do tecido empresarial. Por isso, e até 2025, a presidente da JE Portugal aposta as fichas todas numa só jogada: aumentar o reconhecimento externo.

“Acredito que o resultado que apresentamos é de qualidade semelhante ou superior ao de muitas empresas. O que falta fazer é eu entrar numa sala para uma reunião e não ter ninguém a perguntar-me o que é uma júnior empresa. Temos apostado muito neste pilar e já temos resultados, mas é preciso continuar”, entende.

Outra das prioridades é criar um Estatuto do Júnior Empresário, semelhante ao que já existe para dirigentes associativos e trabalhadores-estudantes. Carolina Silva destaca que o documento terá de garantir flexibilidade horária e equilibrar “a carga de trabalho com os benefícios que os alunos têm direito”.

Ao contrário dos trabalhadores-estudantes, que “normalmente têm um horário de trabalho e conseguem planear melhor a vida”, os júnior empresários não conseguem garantir um horário fixo para os seus compromissos: “Por vezes, temos de faltar a aulas para reuniões com clientes. Ninguém vai dizer a um cliente para esperar porque temos aulas”, remata.

A responsabilidade social para nós é importante. Queremos devolver algo à comunidade

Movimento júnior "só traz benefícios às empresas"

Helena Cammarata também só vê benefícios numa maior cooperação entre o movimento júnior e o tecido empresarial. É presidente-executiva da LisbonPH, a júnior empresa da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, e sob a sua alçada está um leque variado de projetos, como cursos de formação à distância ou ações de consultoria para a indústria farmacêutica.

Um trabalho eclético e multidisciplinar que, para Helena, desenvolve competências muito úteis na entrada para o mercado de trabalho.

“Não é o nome da LisbonPH que facilita a entrada ou não nas empresas, mas sim tudo o que é trabalhado cá dentro. No fundo, é uma escola que dá oportunidade aos nossos membros para serem diferentes, mais sonhadores, ambiciosos, trabalhadores e resilientes”, explica.

Há quatro anos, quando entrou na LisbonPH, Helena era “uma simples aluna de farmácia, que não percebia nada de empresas ou de gestão”. Porém, rapidamente encontrou o remédio para este problema: privilegiar a aprendizagem na prática e a cooperação entre diferentes júnior empresas.

“Temos o mote de aprendermos a fazer, de ‘mãos à obra’ desde o início. Contamos sempre com a ajuda dos membros mais velhos, mas também das outras júnior empresas, com parcerias e formações. Não há competição. Estamos todos a trabalhar para o mesmo: o reconhecimento do nosso trabalho”, afirma.

Neste ponto, Helena considera que o movimento júnior ainda não é devidamente valorizado pelas empresas – o que só as prejudica.

“As júnior empresas também facilitam o trabalho do tecido empresarial, no processo de recrutamento. Ao fim ao cabo, só trazem benefícios. Com as capacidades que desenvolvemos, estamos perante uma elite de estudantes que mais facilmente é recrutada: já têm a experiência de estar numa empresa e sabem aquilo que é exigido”, conclui.