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“Luís Archer diria a Ronaldo que gerar vida é melhor do que encomendar de um catálogo”

17 jul, 2017 - 12:39 • Filipe d'Avillez

O padre Luís Archer tornou-se uma referência internacional na ciência e na bioética. Entrevista ao investigador Francisco Romeiras quando chega às livrarias o quarto volume da obra selecta de Luís Archer.

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Já está nas livrarias o quarto volume da obra selecta do padre Luís Archer. Figura internacionalmente reconhecida no ramo das ciências da vida e da bioética, o padre Luís Archer morreu em 2011. Nesse mesmo ano os historiadores da ciência Henrique Leitão e Francisco Malta Romeiras começaram a reunir o melhor do seu legado escrito.

Nesta entrevista à Renascença, o investigador Francisco Romeiras fala da vida e obra do padre jesuíta, que foi o melhor do seu curso na licenciatura de Biologia, mas só começou a sua carreira científica com cerca de 40 anos e tornou-se uma referência na bioética a nível internacional.

Esta é uma obra de uma longa vida dedicada à ciência…

O padre Luís Archer fez o curso de biologia no Porto, e foi o melhor aluno na altura, acabando com média de 18. Já tinha sido contratado para ser assistente no Porto, na Faculdade de Ciências, quando decidiu que iria ser Jesuíta.

Em 1948 entra no noviciado da Companhia de Jesus, o que na altura causou grande espanto, e depois de ele ter feito a formação com os jesuítas o provincial pediu-lhe para voltar a estudar ciências. Portanto a carreira científica dele, na realidade, começa quando ele tem já 40 anos. Vai para os Estados Unidos e faz o doutoramento em Genética Molecular. É o primeiro português a trabalhar em Genética Molecular lá fora. Dizia-se na altura que a ida dele para os EUA era uma grande oportunidade, porque iria trazer para o nosso país muitas novidades.

Quando já tinha uma carreira científica totalmente estabelecida e uma escola de investigação totalmente firmada é que ele se começou a dedicar à bioética. O facto de ter uma formação científica muito forte, uma licenciatura em biologia e um doutoramento em genética molecular, associado a uma licenciatura em Filosofia e Teologia dava-lhe uma preparação completamente invulgar para lidar com estes assuntos da bioética. Para lidar com assuntos da bioética é preciso saber muito bem as partes técnicas, que ele dominava completamente, mas também as implicações filosóficas, as implicações éticas dos assuntos. As pessoas que trabalhavam com ele reconheciam-lhe essa preparação invulgar.

Ele disse a dada altura, numa entrevista ao "Público", sobre a ida para os Estados Unidos: “Pensei: tem que ser a sério e tem que ser uma matéria que sirva o país”. Ele era animado por uma ideia de missão?

Essa questão da missão científica para o país foi muito importante.

Estamos nos anos 60, o Watson e o Crick descobrem a estrutura do DNA em 1953, portanto passam-se menos de dez anos e de repente temos o Luís Archer a estudar lá fora estas técnicas nova de biologia molecular. De facto, foi uma grande oportunidade, quando ele regressa a Portugal vai criar uma escola de investigação em genética. Todos os professores de genética molecular aprenderam com ele ou com os seus discípulos. Já vamos numa quarta ou quinta geração de cientistas que depende desta figura de Luís Archer, que já chega a mais de 100 investigadores.

Existe por vezes na comunidade científica a tentação de absolutizar a investigação científica. Ele corria esse risco?

O Luís Archer dizia que estávamos a passar de uma democracia para uma genocracia, em que a ciência e a técnica iam dominar tudo, em que o gene ia determinar tudo, e portanto ele alertou muito cedo, foi pioneiro nisso, para esses perigos, para o perigo da técnica e da ciência dominarem por completo a esfera da vida pública.

Na qualidade de bioeticista, quais os temas a que se dedicou mais?

Ele dedicou-se muito, no início da carreira, à procriação medicamente assistida (PMA), porque era um assunto que estava mais na ordem do dia. Por exemplo à eutanásia acabou por não se dedicar tanto. Mais tarde, quando se divulgaram os resultados da clonagem da ovelha Dolly, ele então passou-se a dedicar muito a explicar o que era isto da clonagem e a desmistificar, como gostava de dizer, o que é a clonagem, o que são as células estaminais...

Escreveu alguma coisa sobre a eutanásia?

Nestes nossos volumes temos muito pouco sobre a eutanásia. O que dizia da eutanásia era o perigo de estarmos a voltar aos crimes do Holocausto. Nunca há uma reflexão muito aprofundada sobre a eutanásia, porque era uma coisa que não se discutia. O que se discutia era sobretudo a PMA. Por exemplo, não se falava de todo em Portugal em barrigas de aluguer e ele vai prever as barrigas de aluguer; não se falava ainda na possibilidade que hoje em dia existe de haver a geração do embrião através do óvulo de um dador, o ADN mitocondrial de outro dador e depois o material genético masculino de outro dador, e ele já previa essa possibilidade. Nesse aspecto foi bastante pioneiro e conseguiu – o que é um dos grandes objectivos da bioética – prever algumas das discussões que estamos a ter agora.

Uma das coisas que ele dizia é que tudo o que for possível tecnicamente, vai ser feito um dia. Por isso temos que estar preparados para isso.

O que é que ele diria sobre a lei actual da PMA? Sobre o anonimato dos dadores, por exemplo?

Essas questões eram abordadas por ele desde os anos 90. Ele classificava a PMA em dois tipos: Homóloga, como sendo dentro do casal e heteróloga fora do casal. Ele nisso também tinha uma posição um bocadinho diferente. Defendia que apesar de não ser consensual dentro da Igreja Católica, que a reprodução homóloga, bioeticamente, não teria problemas, no sentido em que ele a via como a extensão do amor infértil de um casal.

Há vários problemas na reprodução heteróloga. Primeiro são os dadores, há um anonimato dos dadores que não permite conhecer o património genético dos pais, isso é gravíssimo. Por outro lado o achar que a geração de substituição pode ser igual ao amor de um casal.

Há 20 anos estes problemas éticos eram consensuais na comunidade científica e era assim que eram apresentados nos artigos que temos aqui, a reprodução heteróloga era sempre condenada, e a homóloga deixava as pessoas mais divididas, mas a posição individual dele era que poderia ser permitida neste sentido.

Depois havia outro problema de que ainda hoje falamos, que é dos embriões excedentários. Esse problema de facto é um problema ético gravíssimo. E, além disso, temos os outros que foram congelados há 20 ou 30 anos. O que é que se faz com esses embriões excedentários? É um problema que não tem resolução.

Estamos a falar de técnicas de PMA e há um caso muito recente de que toda a gente tem falado, dos filhos do Cristiano Ronaldo. Imaginando uma conversa entre o padre Luís Archer e o Cristiano Ronaldo, o que é que ele diria?

Havia uma frase que ele repetia muitas vezes no final dos artigos de bioética que sintetiza muito bem o seu pensamento. É que estamos a cair numa era em que estamos a fabricar vida humana em vez de a gerar. Estamos a fazer fábricas em vez de sermos pais. Acho que é isso que ele lhe diria, que não é bom sermos fábricas, porque nós queremos é gerar vida e não estarmos simplesmente a fabricar e a encomendar de um catálogo.

Preocupava-o a ideia de que o homem se pode aperfeiçoar como se fosse uma máquina...

Uma coisa é tentarmos erradicar um gene que não é saudável numa pessoa. Isso é geralmente aceite, chama-se terapia génica somática. O problema é quando passamos para a linha germinativa, isto é, tudo o que estamos a tirar a essa pessoa, todo o gene mau que estamos a curar vai passar para a descendência. E aí é que está o problema. Até que ponto estamos a fabricar humanos melhores? E isso é ou não é compatível com os nossos valores? Estamos a criar uma espécie nova? A bioética não deve ser apenas um conjunto de normas morais do que é que não se deve fazer. A bioética quer é fazer as pessoas reflectir sobre as implicações éticas do que está a ser feito na investigação nas ciências da vida.

E se é louvável que se queira eliminar uma doença genética como a anemia falciforme, tentando mudar esse gene e passando às gerações seguintes, o problema é quando é que vamos fazer isso para escolher as características que nós queremos? Ele falava muito nisso. Vamos poder escolher um dia a cor dos olhos dos nossos filhos? Que características é que vamos querer? Quais é que não vamos querer? Aí temos uma prática eugénica. Esta questão da terapia génica germinativa, que muito facilmente vão descarrilar em práticas eugénicas, era uma das questões sobre as quais ele queria reflectir bastante.

Há várias ligações com essas tentativas de melhorar a raça humana com o aborto, por exemplo, por razões eugénicas...

Precisamente era uma das questões de que ele mais falava, o aborto por questões eugénicas. Quando foram criados os diagnósticos pré-implantatórios a sua principal objecção era essa, que seriam usados como técnicas eugénicas.

Fazemos uma análise genética e um deles tem uma doença, ou têm a possibilidade de vir a ter uma doença, então este vai ser eliminado. E há coisas muito mais simples que se podem fazer… Vai ser rapaz ou rapariga? Isso então é muito mais simples. Isto remete-nos necessariamente para as terríveis práticas do holocausto.

O facto de ele ter estudado na Alemanha tão pouco tempo depois do holocausto ajudou-o a formar essa consciência da gravidade desses riscos?

Certamente. Ele nasceu em 1926 e nos anos 50 estava na Alemanha, portanto é muito pouco tempo depois da II Guerra Mundial e do Holocausto e isso certamente contribuiu para formar o seu pensamento sobre isso.

Quando ele recebeu o prémio Árvore da Vida o júri descreveu a vida dele como sobretudo apostada em promover e elevar a humanidade. Isto descreve bem a obra dele?

Acho que sintetiza perfeitamente o que foi a vida e obra de Luís Archer.

Esta entrevista passou na Renascença às 12h30, no espaço que às 2ªas feiras é dedicado aos temas sociais e relacionados com a vida da Igreja

[Notícia corrigida às 18h36]

Comentários
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  • Rosario
    24 jul, 2017 Simoes de Almeida 19:15
    Totalmente de acordo com o padre. Nem tudo o que é cientificamente possivel é éticamente aceitável, é preciso estabelecer limites! Em resposta ao comentário anterior ao meu, (duma tal de Bela) é pena que para defender um caso pouco exemplar ,como este do Ronaldo, se invoquem outros maus exemplos. Prova a grande falta de argumentos, tristeza!.
  • Bela
    17 jul, 2017 Coimbra 23:37
    Não sei porque criticam o Ronaldo! Pior seria ele ter arranjado filhos naturalmente e não ter assumido a paternidade, como acontece por aí. Acho curiosa a opinião do padre Luís Archer, sabendo que há uma grande percentagem de padres que têm filhos e nunca os assumem. É muito fácil apontar criticar os erros dos outros e esquecer os nossos ou os da 'nossa família'.
  • Para o OTÁRIO CÁ DA
    17 jul, 2017 algures 17:09
    Totalmente de acordo com as suas palavras!.....................
  • otário cá da quinta
    17 jul, 2017 coimbra 16:39
    UM FILHO DEVE SER FEITO COM MUITO AMOR e não simplesmente por desporto. ADOTAR UMA CRIANÇA quando abandonada, é de aplaudir, mas nunca deve ser comprada. UMA CRIANÇA nunca deve ser tirada aos pais por serem pobres; se são pobres, então o Estado que lhes dê o mínimo para que possam criar o seu filho e o entregarem a outrem que jamais lhe dará o verdadeiro amor de pais e apenas ainda vai buscar mensalmente umas boas centenas de euros da segurança social, o que não passa de um grande negócio. Quanto a RONALDO, tem a inteligência nas biqueiras dos pés e sem dúvida, O DINHEIRO FAZ MAL A MUITA GENTE, PORTANTO, A CULPA NÃO É DELE, mas das suas ORIGENS. EUSÉBIO, não precisou de mandar fazer uma ESTÁTUA sua; EUSÉBIO um pobre HUMILDE até morrer e a sua HUMILDADE levou-O ao PANTEÃO NACIONAL e é aqui que é revelada a sua GRANDEZA e a verdadeira GRANDEZA nem o dinheiro a compra, por mais que se pense nisso. .
  • Filipe
    17 jul, 2017 évora 15:04
    O ser humano abastado pensa que pode manipular a eficiência de outros seres humanos , enganado , puramente tenta fazer o que o "criador" não conseguiu fazer , erradamente criando monstros !
  • Deus
    17 jul, 2017 ceifadores.com.br 14:49
    Quem foi que te constituiu? Foi o teu pai ou Eu, que Sou o Criador de todas as coisas? Nenhuma vida foi criada do nada, tudo foi criado por Mim. Eu é que Sou o único a criar tudo o que podes ver. Antes não havia nada, nem a própria Terra e tantos outros planetas, tudo era um céu aberto, não havia ainda vida. Então, primeiro Eu criei a Terra para que ela fornecesse os principais produtos que viessem a garantir a vida dos animais, dos pássaros e dos peixes. Depois que vi tudo se mexendo e pássaros voando, tão logo fiz o primeiro homem para Me ajudar a cuidar do Jardim do Éden. E quando ele se deparou diante de tudo o que criei, ficou por um tempo olhando e pensando como ele foi parar ali no meio de um jardim tão lindo. Foi então que passei a atendê-lo, por falta de uma companheira. Novamente fiz com que adormecesse e dele tirei uma costela e fiz a primeira mulher. Daí então, ele, Adão, viu que já não estava mais sozinho. O diabo, vendo os dois andando sobre a floresta, começou a ter inveja e ciúme. Pensou consigo: “Sendo eu um anjo de luz, por que não posso fazer o mesmo?”. Foi daí que tornou-se um diabo, como agora os grandes descobridores de muitas coisas querem fazer o mesmo, dar vida a um robô, obra esta dada pelo diabo, e não por Mim.
  • FR
    17 jul, 2017 Portugal 14:42
    Papá papá!! Onde está a mãmã?? Ronaldo: Vendeu-te balato!!! hueheuueheahaehahe
  • rosinda
    17 jul, 2017 palmela 13:36
    Bom este assunto tambem da geito para desviar as atencoes das mortes de pedrogao grande ainda o nao assalto a tancos ! Segundo as teorias do major vasco lourenco ! Os jornlistas sao uma quadrilha de malfeitores!
  • Antonio Ferreira
    17 jul, 2017 Porto 13:27
    O tráfico de ser humanos é imoral ? E a compra de bebés, não é imoral ? Em que mundo vivemos ? Não há ninguém que se revolte contra este tipo de situações ? Alguém pode privar um recém-nascido de ter uma mãe ? Isto é mundo ? Isto é a nova civilização ? Tudo se compra ? Quem tem dinheiro pode tudo ? Até alterar as leis de Deus ? Deus disse casai-vos e multiplicai-vos. Não disse casai-vos e comprai os filhos............. Quem mundo triste ! São estes os exemplos do meu país ? E do mundo ? É por estas e por outras que eu nem quero ter televisão.....de miséria em miséria, chegamos a este ponto.

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