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Tadeusz Kondrusiewicz

​“Deus governa o mundo através das profecias de Fátima”

09 mai, 2017 - 18:11 • Aura Miguel , na Bielorrúsia

Em entrevista à Renascença, o arcebispo de Minsk conta como Fátima deu esperança aos católicos na URSS, território em que a expressão pública da fé era proibida.

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Estamos no coração da Bielorrússia, a 70 quilómetros da capital, Minsk, numa das muitas paróquias rurais que acolhe a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Estamos longe de Portugal, mas a história e a mensagem de Fátima são aqui vividas com intensidade. A imagem de Nossa Senhora de Fátima está a percorrer todas as paróquias da diocese, por decisão do actual arcebispo de Minsk, Tadeusz Kondrusiewicz, que proclamou 2017 como o Ano de Fátima.

Em entrevista à Renascença, Tadeusz Kondrusiewicz conta como foi fazer-se padre e bispo na União Soviética, que perseguia as religiões. Fátima foi sempre uma mensagem de Fátima – confirmada pela queda da URSS.

Por que razão este é um ano dedicado a Nossa Senhora de Fátima na Bielorrússia?

Este ano é dedicado a Nossa Senhora de Fátima no meu país porque se comemoram os 100 anos das aparições e porque estamos hoje a viver a realização das profecias de Fátima. Em 1917, quando o regime comunista e ateísta chegou ao meu país e aos países da ex-União Soviética, foi uma época crucial, porque Nossa Senhora profetizou a evolução histórica no meu país e nos países da ex-URSS, profetizou dificuldades, mas, ao mesmo tempo, deu-nos um futuro e esperança. Agora, somos testemunhas da realização e desta promessa. Por isso, gostaria que eu próprio, o meu povo e todos os fiéis fossem não só testemunhas, mas pudessem ser realmente protagonistas do cumprimento dessas promessas de Nossa Senhora de Fátima. É por isso que estamos a celebrar o Ano de Fátima.

Que tipo de iniciativas organizam?

Temos vários eventos: a novena ao Imaculado Coração de Maria, a peregrinação da Imagem de Nossa Senhora de Fátima, que foi benzida no local onde há 100 anos a Virgem apareceu aos três pastorinhos e que agora anda de paróquia em paróquia. Não se trata apenas de receber a Imagem, mas de rezar a Nossa Senhora, por isso, o acolhimento é antecedido por alguns dias de preparação. No fundo, o que desejamos é que este ano seja um ano de recolecção a nível nacional, um ano de renovação espiritual do nosso país.

Mas este povo tem uma longa tradição de devoção a Nossa Senhora há vários séculos, muito antes das aparições em Fátima. Que aspectos sublinha, deste lado da Europa, da mensagem deixada, tão longe daqui, em Portugal?

Realmente, a novidade é a sua mensagem. Com efeito, a nossa terra é terra de Nossa Senhora e quem atravessa a Bielorrússia verifica que a maioria das igrejas, senão todas elas, são dedicadas à Virgem. Também recordo que, na minha infância, a minha mãe e a minha avó me ensinaram a rezar a “Avé Maria”, o terço e outras orações. Durante muito tempo, não havia padre, mas tínhamos o hábito de ir à igreja que estava aberta, durante o regime soviético. Era habitual entre nós, rezar a Nossa Senhora, era uma devoção normal. Só que Nossa Senhora de Fátima, há 100 anos, considerou as dificuldades que haveriam de acontecer nesta terra e deixou um apelo: “rezem e convertam-se”. Ela veio repetir as palavras do Evangelho, as palavras de Jesus Cristo, que também pediu oração e apelou várias vezes à conversão do coração. E nessa época, tão crucial para o nosso povo, Ela deixou-nos este convite.

Com tudo o que, entretanto, se revelou, a mensagem não ficou ultrapassada?

Agora que as três partes do segredo já são conhecidas, alguém poderá pensar que a mensagem de Fátima já não interessa. Não é verdade: as aparições de Fátima permanecem actuais, continuam a ser necessárias para toda a gente, porque surgem sempre novos desafios. Mesmo no nosso país que, após 70 anos de perseguição do regime ateísta, tem agora liberdade religiosa, surgem os desafios da secularização e temos de saber responder-lhes. Para mim, o essencial das aparições de Nossa Senhora resume-se em poucas palavras: se rezarem e fizerem penitência, estará tudo bem; se não fizerem isso, tomem cuidado convosco e lembram-se que alguma coisa pode correr mal.

E como é que isso se concretiza no dia-a-dia?

Hoje, quando se lamenta que o mundo está mal e que as pessoas não vivem de acordo com o Evangelho, nem com os ensinamentos da Igreja, a primeira coisa a fazer é cada um interrogar-se, dentro de si: “rezo?”, “converto-me?”. É fundamental responder a estas perguntas que recebemos de Nossa Senhora – que não são apenas meras perguntas, mas uma espécie de remédio para curar o mal causado por tantos problemas quotidianos do mundo moderno. Por isso, Fátima é importante, porque também aponta para o futuro.

E mantém também uma actualidade pessoal?

Não podemos esquecer que somos todos pecadores, mas um dos problemas de hoje é que ninguém se considera pecador. Eu não tenho problemas em dizê-lo. Claro que gostaríamos de ir direitinho para o Céu, mas somos pecadores e Nossa Senhora veio-nos recordar isso mesmo!

Outra coisa igualmente importante é que as profecias de Nossa Senhora não se referem apenas aos países de Leste, nem aos países da Europa central onde vigorou o regime comunista, durante 70 anos, mas dizem respeito ao mundo inteiro. Lembro-me sempre do que me disse a irmã Lúcia, num dos vários encontros que tive com ela: na mensagem de Fátima, temos de entender a palavra “Rússia” como referente a todo o mundo, porque o pecado não tem nacionalidade. Nunca me canso de repetir estas palavras: “o pecado não tem nacionalidade. Ou seja: todas as pessoas, de todas as nacionalidades e países, devem converter-se e rezar!

De onde tira estas conclusões? Do seu percurso como bispo nos países da ex-URSS, primeiro em Moscovo e agora em Minsk?

Sim, cresci na União Soviética e sei o que significa viver num regime ateísta, em que a religião era proibida. Foi muito difícil estudar na universidade. Comecei na Universidade de Grodno, mas, por ser crente, tive de sair e fui estudar para a Universidade de Leninegrado (actual São Petersburgo). Lembro-me bem, quando fui entregar os meus documentos, na secretaria da Universidade Técnica, havia lá muita gente também a entregar os seus papéis. Quando chegou a minha vez – com a letra “K” do meu apelido de família – entreguei os documentos a uma senhora que, ao vê-los e folheá-los, descobriu, lá no meio, uma pequena cruz. Não sei como aquela cruz foi ali parar, mas ela devolveu-me tudo e disse: “Tome os seus documentos e não os mostre a ninguém”! Foi impressionante, porque aquele meu primeiro passo na universidade podia ter sido o último, mas não foi assim que aconteceu!

Como era ser católico, nessa altura?

Nada fácil. A questão era: como é que este tipo, futuro matemático, poderá vir a ser um professor ou educador de jovens gerações comunistas, se é crente? Era tudo muito difícil, incluindo conseguir um bom lugar na sociedade… era o tempo da perseguição, mas muita gente permaneceu fiel.

Quando é que ouviu falar em Fátima?

Foi quando entrei para o seminário. Antes disso era muito difícil. Depois, já como sacerdote, estive uns sete a oito anos na Lituânia, onde havia um bom número de padres polacos. Eles traziam uns livros sobre Fátima, introduzidos clandestinamente. Às vezes, alguns desses livros eram confiscados pela polícia ou pelos guardas de fronteira, mas alguns conseguiam passar e nós tínhamos oportunidade de os ler e conhecer as profecias de que a Rússia haveria de se converter. Mais tarde pudemos testemunhar os acontecimentos de 1991 e ver como tudo era evidente.

E, no seu caso, também foi um protagonista, porque nessa altura já era bispo em Moscovo…

Sim, estava em Moscovo e testemunhei esses acontecimentos.

E, pessoalmente, como é que se relaciona com Nossa Senhora de Fátima?

Considerando tudo aquilo que aconteceu e tudo o que está agora a acontecer, para mim é claro que Deus governa o mundo através das profecias de Fátima. É que não fui só testemunha, mas parte activa destas mudanças: fui bispo na Bielorrússia entre 1989 e 1991 e comecei a perceber que algo estava a mudar porque, nessa altura, foram-nos devolvidas 97 igrejas anteriormente confiscadas e pudemos abrir um seminário em Grodno. Quem poderia imaginar, um seminário… e, mais tarde, poder imprimir livros em bielorrusso?! Depois, enviaram-me para Moscovo e aconteceu a mesma coisa: seminário, faculdade de teologia católica, várias editoras, uma rádio, a Cáritas, etc.. Foi tudo muito evidente, para mim.

E a reacção das autoridades na época?

Em Outubro de 1991, uma pequena delegação de fiéis católicos russos foi a Fátima. O embaixador da ex-URSS em Portugal soube da nossa presença e veio ter comigo – nem sei como é que ele me descobriu, talvez porque todos falavam desse pequeno grupo que tinha vindo da Rússia e até tinha havido uma ligação televisiva entre Moscovo e Fátima. O embaixador disse-me: “Eu não acredito em Deus, mas há algo de verdade nesta profecia de Fátima porque como é que estes três pastorinhos que não eram educados, não sabiam ler nem escrever, nunca tinham ouvido falar da Rússia, nem sabiam nada de geografia, mas previram a conversão e nós assistimos a isto!” Tudo isto é muito importante, por isso, estou grato a Nossa Senhora de Fátima e rezo-lhe sempre pelo facto das suas promessas se terem cumprido.

E como é hoje celebrar missa numa igreja que, ainda há pouco tempo era um ginásio?

[Risos] Sim, era um ginásio. No dia em que soube da minha nomeação para bispo, vim a Minsk – porque, na altura, morava em Grodno, a 300 quilómetros de distância – para ver a minha catedral e era um ginásio [risos]! Tentei entrar, mas uma funcionária não deixou, porque não tinha autorização. Explicou-me que lá dentro havia gente a praticar exercícios, mas eu disse-lhe que também gostava de desporto e lá consegui entrar para ver o pouco que ainda restava da antiga catedral e abençoei-a. Mas agora digo: dantes, era um pavilhão desportivo, mas ainda continua a sê-lo, só que de forma espiritual – um pavilhão desportivo espiritual! As pessoas treinavam aqui o seu corpo, agora, treinam a sua alma!

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