24 abr, 2017 - 15:12 • Ângela Roque
O livro “Os Pastorinhos de Fátima – iguais a todos, iguais a nós” foi escrito por Madalena Fontoura, professora e psicóloga de formação, que na década de 1980 foi desafiada por amigos a escrever sobre o perfil dos três videntes. O livro saiu pela primeira vez no ano 2000, quando Francisco e Jacinta foram beatificados, e foi reeditado agora pela editora Lucerna, com novidades em relação à primeira edição.
Em entrevista à Renascença Madalena Fontoura fala sobre este livro, com o qual espera ajudar quem o leia a saber mais sobre as “personalidades iluminadoras” destas três crianças e sobre o que viveram.
O que é que a levou a querer escrever este livro, e quando é que começou a pensar escrevê-lo?
Este livro tem uma história antiga. Começou ainda nos anos 80, porque tive um desafio de uns amigos para fazer a análise psicológica dos pastorinhos, a partir da minha experiência de psicóloga. Atirei-me a esse desafio e comecei a descobrir o perfil deles, e fiquei muito fascinada pela normalidade dos miúdos, pelo facto de serem muito diferentes uns dos outros, e tendo ouvido a mesma coisa em Fátima a terem recebido de maneiras tão diferentes, e também pela sua absolutamente improvável maturidade.
Estamos a falar de crianças pequenas, dos 6 aos 9 anos…
Exactamente, na altura em que foram as aparições do Anjo, em 1916, eram exactamente essas as idades que eles tinham. Eu escrevi uma primeira versão deste livro no ano 2000 para a beatificação do Francisco e da Jacinta, só que entretanto a Lúcia morreu e havia tantas coisas a contar e agora vinha aí o centenário, por isso fui desafiada pela Lucerna para fazer uma actualização desse texto de 2000, e foi o que fiz agora. Então, o que é que está neste livro… está os pastorinhos como eles eram antes das aparições, está um relato das aparições por ordem, com o impacto que as aparições têm em cada um deles, cada um à sua maneira, está o que se passa depois das aparições até à morte deles, e algumas reflexões minhas sobre conteúdo educativo destas aparições.
O livro segue os acontecimentos cronológicos, como foram acontecendo e que envolveram estas três crianças, e é rigoroso nas citações que faz, por exemplo nas falas deles e nas conversas, porque consultou vária documentação que existe sobre Fátima, nomeadamente as ‘Memórias da Irmã Lúcia’.
Sem dúvida, eu decalquei praticamente as ‘Memórias da Irmã Lúcia’. Pela maneira como foram feitas, porque foram pedidas pelo bispo à irmã Lúcia em momentos diferentes e com temas muito específicos, elas não têm uma ordenação cronológica e tão arrumada. São interessantíssimas, é um texto realmente fundamental sobre a mensagem de Fátima, mas eu acho que faz falta um que conte por ordem.
E este livro faz isso?
Conta tudo por ordem. Aliás, como digo começa com os pastorinhos ainda antes de sonharem em terem encontros com o anjo e com nossa Senhora, e por isso começa com eles anda pequeninos em Aljustrel, a viver a sua vida serrana normalíssima.
Neste ano especial do centenário este livro pode ser uma ajuda para ficar a saber mais sobre os Pastorinhos e sobre Fátima?
Quando a gente faz uma festa entre amigos cada um leva uma coisa, cada um leva um bolo, e o meu bolo para este centenário é este livro. Então, a minha ideia é, pelo facto de ser contado de uma forma curta, breve e que eu acho que é fácil de ler, que permita que as pessoas fiquem a saber as coisas todas de Fátima assim de um trago, com facilidade. A outra coisa é que me parece que é útil para perceber as personalidades dos três pastorinhos, porque elas são realmente bastante iluminadoras. Aliás, o Papa agora até vai canonizar os mais pequeninos, e o processo da irmã Lúcia já está adiantado, por isso parece-me que é mesmo útil nos tempos de hoje perceber o fenómeno de crescimento, de amadurecimento destas três pessoas tão diferentes.
Uma das coisas que me fascina nesta experiência dos pastorinhos é o conteúdo educativo. O Papa João Paulo II no ano 2000 dizia isso às crianças, "peçam aos vossos pais que vos ponham na escola de nossa Senhora". Realmente, a maneira como do céu estas crianças são conduzidas é propriamente um projecto educativo, e quem quer que trabalha a educação, como é o meu caso, em escolas, ou como pais, acho que é mesmo útil.
Foi uma das coisas que a fascinou?
Foi, absolutamente. O penúltimo capítulo do livro é a dizer como é que o céu educou estas crianças, como é que se educa para uma maturidade diante da adversidade, uma certeza diante da fé, e uma capacidade de diálogo com todas as circunstâncias da vida, todas as pessoas que se encontram, é uma coisa fora do vulgar nestes três miúdos.
O título do livro "Pastorinhos de Fátima, iguais a todos, iguais a nós" sugere de alguma forma que a santidade está ao alcance de todos?
Sim, na altura no ano 2000 eu por brincadeira dizia "agora que os pastorinhos mais pequenos vão ser beatificados é que eu saio à rua a falar dos defeitos deles”. Porque a mim interessam-me bastante os defeitos e a normalidade deles, porque as nossas vidas são muito normais. Portanto, se a santidade fosse uma coisa de pessoas que estão no céu e parece que nunca de lá saíram, não interessa a ninguém, não é? Agora, se pessoas normais, com qualidades e defeitos como toda agente, fazem um caminho que humanamente é tão luminoso... as pessoas em Aljustrel, com os miúdos muito doentes, as senhoras entravam no quarto deles a dizer “a gente sente-se bem ao pé destas crianças". Havia umas que diziam "uma pessoa quando entra no quarto do Francisco sente aquilo que sente quando se entra numa igreja". Portanto, os miúdos transmitiam uma atractividade humana que é muito interessante.
Como é que acha que as crianças de hoje olham para os pastorinhos? A questão do sofrimento, da penitência não são coisas fáceis de entender e de aceitar...
Eu acho que as crianças olham para os pastorinhos como olham para tudo, pela maneira como são conduzidas pelos adultos. O meu problema é que eu acho que os adultos olham para o sofrimento e para a penitência como uma coisa que é inimiga da vida das crianças. Eu acho que esse é um tremendo erro de educação e tento explicar no livro como esse é mesmo um mau serviço prestado às crianças, porque é inevitável, por muito amor que se tenha a um filho, ou a alguém que nos está confiado, que o sofrimento vai fazer parte da sua vida. Mesmo que não venha a ser nenhuma tragédia, a simples luta da vida, a simples tensão entre o ideal grande que sempre temos e a limitação que experimentamos, isso é sempre uma ocasião de sofrimento, e portanto, disfarçar, poupar, branquear esta experiência não torna as crianças mais sólidas, e portanto não as torna mais felizes. E por isso quando um adulto descobre como estes três pastorinhos, nessa sua experiência de dedicação inteira, sem medo do sofrimento e até com capacidade de oferecer esse sofrimento, se tornaram tão mais completos e tão mais felizes...
É esse o testemunho que dão, como podemos ver nos vários diálogos que aqui aparecem.
Tal e qual. Aliás, os pequeninos nós temos pouca documentação deles, porque morreram de facto muito novinhos, mas a irmã Lúcia, que tinha todas as razões para ser uma mulher solitária, nostálgica, desejando separar-se da vida, foi uma bem-disposta até ao fim da vida, com quem era um gosto estar. E que uma pessoa faça esse caminho a partir de uma experiência que aos nossos olhos ocidentais, materialistas e consumistas parece muito adversa, é um desafio. Por isso o que eu convido as pessoas neste livro é verem os passos deste caminho, e acho que ninguém deixará de ficar tocado pelo facto de desconstruir esta coisa do sofrimento e da penitência, no sentido de os compreender mais humanamente.