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​Repúblicas séniores. Viver a velhice “de forma livre e autónoma”

20 dez, 2016 - 00:14 • Ângela Roque

Sempre à procura de respostas diferenciadoras de apoio aos idosos, o Centro Social Paroquial de S. Jorge de Arroios, em Lisboa, acaba de inaugurar a sexta “República Sénior”, desta vez para mulheres.

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Situado numa das zonas mais envelhecidas da cidade de Lisboa, o Centro Social e Paroquial de Arroios tem sido pioneiro nos últimos anos em vários projectos de apoio aos idosos, evitando a sua institucionalização em lares.

Assegura apoio domiciliário 24 horas por dia a vários utentes, e acompanha o dia-a-dia de outros através de uma linha telefónica solidária.

Pedro Raúl Cardoso, o director do Centro, conta que a ideia das Repúblicas Seniores surgiu para acabar com a solidão de quem vivia sozinho, em quartos, muitas vezes sem condições: “Era um problema com que nós no Centro nos debatíamos diariamente, utentes que sabíamos viverem em quartos subarrendados. Levavam o jantar e começámos a reparar que as pessoas comiam a comida fria, porque no quarto não a podiam aquecer. Também soubemos que tinham banhos controlados, acessos à cozinha controlados, e alguns foram vítimas de extorsão de outros parceiros de quarto”.

Num primeiro momento, em colaboração com os escuteiros da paróquia, o Centro avançou com uma campanha para comprar micro-ondas. Mas, em muitos casos os idosos tinham de pagar mais pelo quarto para poderem ligá-los. Foi aí que que começaram a pensar noutra solução: “Quisemos criar uma resposta onde as pessoas pudessem de facto viver a sua velhice de uma forma livre, autónoma e não estar ‘à mercê de’. Acabámos por encontrar este conceito das Repúblicas”.

O projecto é inspirado nas Repúblicas de estudantes, “até fomos a Coimbra ver como era”, diz Pedro Raúl Cardoso.

“O segredo era criarmos aqui uma comunidade como se de uma família se tratasse. E foi assim que há cerca de um ano abriu a primeira, a República de S. Jorge. Três idosos passaram a ser viver juntos num mesmo apartamento, partilhando despesas e com regras para viver em comum: “É uma comunidade de pessoas que vivem dentro do mesmo espaço. Embora cada um tenha a sua individualidade dentro da casa, que é o seu quarto, têm espaços comuns e gerem esses espaços”. As regras são definidas pelos próprios residentes.

Ao todo num ano abriram seis Repúblicas, uma delas para pessoas que se encontravam em situação de sem-abrigo. Curiosamente foram esses os que se adaptaram mais depressa à nova realidade: “Trazem uma coisa da rua que as pessoas mais velhas não têm, que é a questão da solidariedade e da partilha. E logo aí gera-se, de facto, uma relação de afectos mais cordial e mais rápida. As pessoas idosas como viveram muito tempo em quartos, com as portas trancadas, desmistificar isto numa República levou o seu tempo”, explica Pedro Raúl Cardoso.

Cada República tem no máximo três idosos, as idades variam: “O mais velho tem 85 anos, o mais novo tem 67”. São os próprios que decidem como se organizam e dividem despesas, “água, luz e gás, são os próprios eles que pagam”. A renda é suportada pela Misericórdia de Lisboa, que é parceira no projecto. O Centro Paroquial apoia em tudo o resto, comida incluída: “Todos eles estão ou no Centro de Dia, ou com apoio domiciliário. Nós responsabilizamo-nos pela monitorização do projecto. Todas as semanas as nossas equipas de limpeza acabam por fazer as limpezas maiores. Deitar o lixo fora são os próprios que fazem”.

A República de Santa Marta, a primeira feminina, foi inaugurada há dias. Acolhe três mulheres para quem este vai ser um Natal diferente.

Pedro Raúl Cardoso diz que este é um projecto para manter e alargar, mas já pensa noutro: “estamos neste momento a arrancar com a construção de um Centro de Noite, para que as pessoas possam dormir algumas noites por semana no Centro Social, e com isto vamos poder também prestar apoio domiciliário 24 horas, com equipas de rectaguarda do Centro Social”. O Centro de Dia também já alargou há pouco tempo o horário: “agora funciona de segunda a sexta-feira entre 8h00 da manhã e a meia-noite, para permitir que os familiares dos utentes possam ter vida social, e as pessoas idosas não fiquem desacompanhadas”.

O isolamento, as dificuldades económicas e a falta de apoio familiar são problemas comuns a muito idosos. Ao todo o Centro Social e Paroquial de S. Jorge de Arroios ajuda 170 através dos vários projectos que já criou, mas apoia também 87 famílias carenciadas através da Cantina Social e do Banco Alimentar.

A entrevista a Pedro Raúl Cardoso foi transmitida na Renascença, no espaço informativo das 12h00, que à segunda-feira dedica mais tempo aos temas sociais e relacionados com a Igreja.

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  • Vera
    21 dez, 2016 Palmela 12:17
    No meio de tanta confusão que existe por aí, é bom saber que ainda há alguém que se preocupa com os mais idosos! um carinho, nunca é demais para quem já perdeu tudo na vida! o conforto é essencial! é de louvar, quem ainda tem sensatez... O Centro Social e Paroquial de Arroios, está de parabéns! de certa forma, comove-me! eu podia explicar porquê, mas não vale a pena. Só acrescento, que a freguesia de Arroios é me muito familiar.
  • Manuel Alte da Veiga
    20 dez, 2016 Aveiro 11:10
    É quase «o ovo de Colombo»: está em nós a faculdade de dar resposta aos problemas e combater a base dos problemas. Não tenho palavras que cheguem para apoiar e gostaria de poder expor as muitas qualidades e impactos positivos na sociedade em geral. Somos feitos para a felicidade de sentir a vida uns com os outros. Parabéns às Organizações. Manuel Alte da Veiga.

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