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Crónicas da América
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As sondagens e a matemática eleitoral do sistema americano

07 set, 2016 - 20:36 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Um estudo da CNN dá a Trump uma pequena vantagem de dois pontos percentuais a nível nacional, enquanto um outro feito estado a estado e publicado pelo “Washington Post” coloca Clinton em posição bastante confortável para vencer em Novembro.

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A América celebrou esta semana o tradicional feriado do Labor Day, a primeira segunda-feira de Setembro, que marca simbolicamente o fim das férias de Verão, o reinício das aulas, a reabertura do Congresso e, de quatro em quatro anos, o arranque a sério da campanha eleitoral para as presidenciais. A “rentrée”, afinal.

É só com o aproximar do Outono que muitos americanos começam a prestar verdadeira atenção à campanha e os dois meses que restam para a ida às urnas são absolutamente decisivos para os candidatos. Apesar de andarem na estrada há mais de um ano, no desgastante processo político americano, os candidatos precisam ainda de muita energia para esta recta final.

Sem terem parado para férias ou mesmo abrandado o ritmo, Hillary Clinton e Donald Trump entram agora em “full speed” num tudo por tudo que abrirá as portas da Casa Branca a um deles a 8 de Novembro. Um sonho que, a avaliar pelas últimas sondagens, estará ainda ao alcance de ambos.

As duas últimas sondagens divulgadas são contraditórias. Um estudo da CNN dá a Trump uma pequena vantagem de dois pontos percentuais a nível nacional, enquanto um outro feito estado a estado e publicado pelo “Washington Post” coloca Clinton em posição bastante confortável para vencer em Novembro. O facto de terem sido divulgados no mesmo dia, terça-feira, e de terem métodos de pesquisa completamente diferentes permite reflectir sobre a importância das sondagens no contexto eleitoral americano.

Comecemos pela da CNN. Trump lidera por dois pontos – 45% contra 43% - mas como a margem de erro é de quatro pontos percentuais, os candidatos estão virtualmente empatados. A sondagem foi feita por telefone (fixo e móvel) a uma amostra de 1001 adultos, entre os quais contabilizou 886 eleitores registados e 786 eleitores prováveis e decorreu entre os dias 1 e 4 deste mês.

A sondagem do “Post” foi feita estado a estado, a recolha durou quase um mês (de 9 de Agosto e 1 de Setembro), ouviu 74 mil eleitores registados, recolheu opiniões nos 50 estados, cujas amostras variaram entre 550 e mais de 5 mil eleitores, permitindo assim ouvir todos os grupos sociais e comparar as suas opiniões.

O Colégio Eleitoral

Para além da dimensão da amostra, o mais importante neste caso é o facto de a sondagem ter sido feita nos 50 estados e permitir avaliar os resultados estado a estado. Porquê? Porque o sistema eleitoral americano é indirecto, os eleitores não votam directamente para o presidente, mas sim para um Colégio Eleitoral constituído pelos representantes de cada estado.

O Colégio Eleitoral tem 538 membros, a soma das duas câmaras do Congresso – ou seja, dois senadores por estado e tantos congressistas quantos os que cabem a cada estado proporcionalmente à sua população. Dois exemplos contrastantes: a Califórnia, o estado com mais habitantes, tem 55 representantes no Colégio Eleitoral, enquanto o Wyoming tem apenas três – correspondentes aos dois senadores e a um congressista, já que tem muito pouca população.

Cada estado é um círculo eleitoral e elege os seus representantes ao Colégio Eleitoral segundo a regra “winner take all”, isto é, o candidato vencedor no estado arrecada todos os representantes em disputa. Nem que vença só por um voto, não funciona a regra da proporcionalidade, como em Portugal. Há apenas duas excepções a esta regra: o Nebraska e o Maine, demasiado pequenos para terem qualquer expressão.

Em função deste sistema e dos resultados eleitorais ao longo de décadas, é possível ter “certezas” em relação a cerca de 40 estados que votam democrata ou republicano (quase) sempre. E nesta contabilidade estado a estado, os democratas estão em vantagem porque geralmente vencem nos estados mais populosos – os chamados “blue states”, os que alinham por norma com o Partido Democrático – enquanto os republicanos vencem geralmente nos estados do interior e do sul onde há menos população – os “red states”.

Isto significa que a eleição se decide nos chamados “swing states” – o conjunto de estados onde o voto oscila frequentemente e que são cerca de dez. É geralmente nestes estados que os candidatos se concentram na fase final da campanha porque é neles que a mudança de opinião de alguns eleitores pode dar a vitória ou retirá-la. O mais célebre e mais populoso deles é a Florida, onde em 2000 George W. Bush garantiu a vitória sobre Al Gore por uma unha negra. Mas Ohio, Pensilvânia, Carolina do Norte, Michigan, Wisconsin, Colorado, Nevada, em graus diferentes, são outros exemplos que atraem as atenções.

A vantagem dos democratas

O que nos diz então a gigantesca sondagem do “Washington Post” quanto ao estado da corrida eleitoral nesta rentrée política?

Diz-nos que nos 20 estados em que tem a vitória praticamente garantida, Hillary Clinton arrecadará 244 representantes, ficando a apenas 26 dos 270 necessários para chegar à maioria (metade mais um). Por seu turno, Donald Trump, nos 20 estados em que tem a vitória praticamente garantida, arrecadará 126 representantes, ficando a 144 da maioria necessária para vencer.

Nos dez estados restantes, os tais “swing states” onde tudo pode acontecer, estão em disputa 168 representantes, um terreno onde Clinton precisa de conquistar apenas 26 enquanto Trump precisa de 144.

Os números mostram que Trump recuperou no Midwest desde o início do Verão. Está à frente no Ohio (46-43), a dois pontos no Michigan e no Wisconsin (44-46), e a quatro pontos na Pensilvânia (43-47). Trata-se de uma região que foi muito afectada pela recessão, onde se perderam milhões de postos de trabalho e onde o discurso isolacionista de Trump contra o comércio livre internacional colhe frutos.

Na Florida e no Colorado, Hillary surge à frente por dois pontos (46-44), enquanto no Nevada lidera por cinco (48-43) e há um empate na Carolina do Norte (46-46).

A surpresa surge quando se verifica que Hillary aparece à frente ou empatada em estados solidamente republicanos. É o caso do Texas (46-45), onde um democrata não vence desde 1964 quando o presidente Lyndon Johnson, que era texano, bateu Barry Goldwater; o caso do Arizona (46-45), onde o senador John McCain se bate pela reeleição em Novembro e estará a sofrer o desgaste da candidatura de Trump no seu estado; o caso da Geórgia, onde se regista um empate (46-46); e o caso ainda mais surpreendente do Mississipi, onde Hillary está apenas dois pontos atrás de Trump (46-48). Nestes estados sulistas – também conhecidos como “Bible belt” dado o peso do conservadorismo religioso, sobretudo de matriz evangélica – a hegemonia republicana tem sido absoluta nas últimas décadas, mas este ano a “ameaça” de Clinton a Trump talvez seja o reflexo da hostilidade do multimilionário às comunidades latina e negra, muito numerosas na região, sobretudo a latina.

Estes números reflectem uma realidade preocupante para Trump. É que além de ter de disputar os “swing states”, terá de consolidar o voto em terreno solidamente republicano sob pena de perder em “casa”. Por exemplo, a Hillary Clinton bastaria uma vitória no Texas, que elege 38 representantes, para garantir a Casa Branca, num cenário como o que espelha esta sondagem. Trump poderia batê-la em todos os restantes “swing states” que isso não seria suficiente para lhe retirar a vitória. Este é um quadro, apesar de tudo, improvável.

Um outro dado relevante deste estudo é que Clinton tem consolidado o voto democrata acima dos 90% em 32 estados, enquanto Trump só tem adesão semelhante do voto republicano em 13 estados. Uma fidelização que explicará a vantagem confortável de que Clinton dispõe neste arranque da parte final da campanha, apesar dos sinais de recuperação de Trump nos últimos dias, ultrapassado o impacto positivo que a convenção do Partido Democrático no final de Julho deu à sua rival.

Uma recuperação que as sondagens convencionais feitas a nível nacional parecem estar a reflectir, mas em que a matemática eleitoral ancorada no sistema político americano tende a ser negligenciada.

Comentários
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  • Pedro M
    08 set, 2016 Braga 01:07
    Este estudo do W.Post tem características muito duvidosas: feito pela internet a candidatos registados num partido. Ou seja, além do método pouco fiável, não conta com os independentes, que, este ano, deverão apontar em bom número para o candidato considerado anti-establishment, Trump. Para além disso, nem sequer considera o terceiro e quarto candidatos que este ano deverão registar votações importantes, e se não recolhem votos para o colégio eleitoral, pelo menos poderão alterar a dinâmica das votações nos dois maiores candidatos. Outro sinal que há coisas que não batem certo no estudo é a diferença tremenda entre o que dizem as sondagens nacionais (diferença no momento no máximo 5-6%) e os resultados do colégio eleitoral. Ora se é verdade "a matemática dos colégios eleitorais" explicada no texto, não é menos verdade que o peso dos próprios estados já contempla de alguma forma a sua composição demográfica (ainda que nem sempre correctamente), daí que uma margem nacional tão curta não pode corresponder um resultado global com o somatório por estado tão desnivelado. A esse respeito recorde-se por citado ano 2000, em que houve resultados díspares votação nacional/totais colégio eleitoral, mas por margens bastante pequenas em ambas as diferenças.

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