Com D. António Marto, em Fátima
Como comenta a resposta da Europa à crise de refugiados?
Os países europeus não trataram esta questão da melhor forma, porque não olharam para as raízes desta migração, instigaram a violência na Síria ao longo de cinco anos, ou mais.
Desde o início que dizíamos para não compararem a situação da Síria com o Egipto e a Tunísia. Na Síria a situação é muitos mais complexa, porque temos diversidade étnica, religiosa e confessional, muitas minorias, e temos de encontrar uma forma de parar com os combates. Mas eles têm os seus próprios interesses e agora estamos a colher as tempestades desses ventos que semearam.
Até à morte trágica do pequeno Aylan [criança síria que foi encontrada morta numa praia da Turquia e se tornou símbolo do drama dos refugiados], em Setembro, não queriam saber e tentavam manter os refugiados sírios, cerca de dois milhões, na Turquia. Mas depois disso os média começaram a falar do assunto e os países europeus sentiram-se perdidos, não tinham as políticas certas.
Não queremos migrações forçadas devido a guerras sectárias. Deviam ter feito mais para trazer a paz para a Síria e para encontrar a melhor solução para o Governo e para a oposição. Mas sabemos quais são os seus interesses imediatos e agora que enfrentam estas centenas de milhares de migrantes, não sabem como lidar com isso.
No Ocidente sente-se agora uma grande desconfiança em relação à Rússia e à sua interferência noutros países, nomeadamente na Ucrânia e na Síria. Como é que os cristãos na Síria encaram esta intervenção na guerra civil?
A intervenção da Rússia foi vista como um tipo de salvação, não só para as comunidades cristãs mas para todo o povo da Síria, de todas as religiões e confissões. Durante os primeiros três anos não houve qualquer intervenção da Rússia na guerra civil, tivemos sobretudo intervenções de países ocidentais, através dos países regionais, como a Turquia e os Estados do Golfo, a apoiar, a financiar e a armar a chamada oposição e, por razões maquiavélicas, a chamar o Governo ilegítimo.
Ainda hoje os média ocidentais continuam a martelar a Síria e querem destruir o país, fingindo que a raiz de todos os males é Bashar Al-Assad, o que não é verdade. E por isso os sírios viram na intervenção russa uma espécie de salvação da Síria, porque a Síria já estava meia destruída antes da intervenção militar russa.
Claro que a Rússia tem os seus próprios interesses, mas pelo menos têm sido mais transparentes na ajuda que dão ao Governo e ao povo sírio, porque caso contrário teria sido uma hecatombe. Todo o conflito na Síria tem por base o confessionalismo. É mentira o que se diz no Ocidente, em França, nos EUA ou em Inglaterra, que se tratava de uma revolta contra a ditadura. Claro, sabemos que havia uma ditadura, mas qual era a alternativa? O Estado Islâmico?
O Papa esteve agora na Arménia, onde voltou a descrever os massacres de há 100 anos como genocídio. Mas não foram só arménios a sofrer…
Sentimo-nos muito próximos dos nossos irmãos arménios e da Igreja, porque tal como eles, fomos perseguidos, assassinados e expostos ao genocídio, há 100 anos e muitas vezes antes disso. A actual Turquia tinha uma boa presença cristã. Gregos, arménios, siríacos e assírios… E agora já não se pode falar de uma presença cristã, só há uma pequena minoria. Por isso sentimos o mesmo que os nossos irmãos arménios, porque não fomos apenas dizimados, fomos expostos ao genocídio. É este o nosso destino, aliás, a nossa vocação: sermos verdadeiros mártires, isto é, testemunhas do Evangelho e prontos a derramar o nosso sangue por Jesus. Por isso, estamos muito agradecidos ao Papa Francisco, por ter feito esta visita e estar próximo destas pessoas.
No Médio Oriente os cristãos estão muito divididos entre diferentes igrejas católicas, ortodoxas e até algumas protestantes. É uma riqueza a valorizar ou uma fraqueza?
Enfraquece? Claro que sim. Porque infelizmente nos países de maioria muçulmana os números são muito importantes. Os direitos das minorias não são iguais aos dos países civilizados. Independentemente do que dizem, o máximo que conseguem fazer é tolerar a existência de minorias não-muçulmanas. Por isso, quando nos vêem divididos em mais que uma igreja, não o vêem como riqueza.
O facto de sermos várias igrejas seria uma riqueza, por causa das tradições e do património que remonta ao cristianismo primitivo e que enriquece a humanidade, se vivêssemos num tempo em que cada ser humano fosse respeitado, independentemente dos números ou da sua religião. Mas sendo os tempos que são, em que a maioria se quer impor, é uma fraqueza.