03 jul, 2016 - 10:34 • José Bastos
Álvaro Almeida alerta para o risco de colapso do sistema público de saúde a norte depois de uma dívida de milhões deixar os prestadores de saúde ameaçados. O economista avisa ainda para o perigo do efeito dominó “levar à falência” centenas de PME, e alerta para um buraco de 100 milhões de euros que o Governo criou nas contas da Administração Regional de Saúde do Norte.
O anterior presidente da ARS Norte comentava no programa Conversas Cruzadas, a falha do pagamento a convencionados, na data prevista, de facturas de análises exames e tratamentos.
“O momento da verdade no país vai ser quando não houver dinheiro para pagar as contas. Já começou esta semana. Tivemos notícia de que, por exemplo, a Administração Regional de Saúde do Norte não paga aos prestadores de serviços privados. Não paga porque este governo não quer pagar. No caso da ARS Norte falo com conhecimento de causa”, afirma Álvaro Santos Almeida.
O economista, antigo quadro superior do FMI em Washington e ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), abandonou em Janeiro último a liderança da ARS Norte em total rota de colisão com o governo socialista.
“Há um ano e meio fui nomeado num concurso público e para um mandato de cinco anos, mas este é governo que claramente não estava preocupado com os danos que poderia causar ao sistema de saúde do norte”, indica Álvaro Santos Almeida justificando ter-se demitido e garantindo ter alertado a tutela para o quadro de insuficiência financeira que havia identificado.
“Este governo sabia porque eu avisei-os de que o orçamento da ARS Norte não era suficiente para pagar as despesas. Não fui capaz de os convencer de que era preciso o reforço de verbas”, diz Álvaro Almeida.
Mas o Ministro da Saúde sabia? “O governo em geral. Demiti-me exactamente com a esperança de que pudesse ser uma questão pessoal e outra pessoa conseguisse demonstrar que estava a ser posto em causa o Serviço Nacional de Saúde (SNS) na região norte e o sistema de saúde como um todo”, prossegue o economista.
“Pelos vistos não era uma questão pessoal. Porque a notícia desta semana é a de a ARS Norte não paga aos prestadores de serviços. Provavelmente não paga porque o orçamento que lhe atribuíram é o mesmo que tinham proposto quando eu lá estava. Um orçamento manifestamente insuficiente”, acusa Álvaro Almeida.
“Efeito dominó pode fazer colapsar todo o sistema”
A meio da semana a Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde (FNS) denunciou que a Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte está em “colapso financeiro”, tendo já falhado pagamentos relativos a meios complementares de diagnóstico.
Segundo a Federação, “a ARS Norte e a Unidade Local de Saúde (ULS) Alto Minho falharam, em 31 de maio passado, o pagamento às instituições bancárias a que estavam obrigadas” e que financiam as facturas de exames e tratamentos nas clínicas convencionadas.
Na ausência de “qualquer previsão de regularização da situação”, diz a Federação que “um dos principais bancos do sistema já avisou as clínicas convencionadas que deixaria de financiar as facturas da responsabilidade da ARS Norte e da ULS Alto Minho”.
O banco em causa não foi nomeado no comunicado, mas este sistema criado por despacho em 1997, permite que os convencionados antecipem junto das instituições bancárias aderentes o pagamento de facturas de serviços prestados ao Serviço Nacional de Saúde. Os bancos recebem juros por este adiantamento e cobram depois as dívidas às ARS.
“Isto terá imediatas repercussões dramáticas na tesouraria destas empresas”, defende a Federação segundo a qual a situação “poderá pôr em causa o acesso da população à rede de MCDT Convencionados”.
A FNS refere ainda em comunicado que “todo o sector teme o efeito dominó que poderá fazer perigar, a curto prazo, o financiamento das restantes ARS e fazer colapsar todo o sistema”.
Em resposta, a ARS Norte assume ter tido “alguns constrangimentos de ordem financeira” no início do ano e garante que "grande parte da facturação em atraso já foi liquidada, prevendo-se para breve o pagamento na sua totalidade".
Contactada pela agência Lusa, a ARS Norte informou que o presidente do Conselho Directivo “definiu como prioridade do seu mandato, a sustentabilidade da instituição de modo a que nunca fosse colocada em causa a prestação de cuidados aos cidadãos”.
“Governo abriu buraco de 100 milhões na ARS Norte”
Mas vai a ARS Norte pagar então em breve? “Não sei como”, responde Álvaro Almeida no Conversas Cruzadas. “A não ser que, entretanto, venha o tal reforço orçamental que não nos deram na altura. O problema é que para isso é necessário um Orçamento Rectificativo. O tal Orçamento Rectificativo que o ministro das finanças – e também o próprio ministro da saúde - já disse que não havia”, afirma o anterior presidente da ARS Norte.
Santos Almeida diz que não sabe como é que o executivo vai arranjar esses fundos. No caso da ARS Norte, "o que o governo fez foi cortar 44 milhões de euros – 3,5% dos proveitos – no financiamento ao mesmo tempo que aumentava salários e que enfrentava outras pressões de aumento de despesa”, prossegue o economista.
Com o aumento de despesa em 60 milhões de euros, o economista acusa o governo de abrir um buraco de 100 milhões de euros, "quase 10% do orçamento global da ARS Norte”.
O ex-presidente da ERS diz que é por causa desse buraco que a ARS Norte não pagou o mês passado aos prestadores de cuidados de saúde. E acrescenta que este governo quer acabar com o sector privado, porque as primeiras entidades a não serem pagas foram os fornecedores privados da região norte.
“Os custos com o pessoal estão a aumentar. O governo corta 3,5% no financiamento e aumenta os custos salariais para além de muitas outras alíneas. Por isso o que vai acontecer é que os prestadores de serviços na região norte vão ter um resto do ano muito complicado sobretudo porque, em muitos casos, se trata de pequenas e médias empresas que não têm outras fontes de financiamento. Muitas destas empresas correm o risco de ir à falência nos próximos tempos”, alerta Álvaro Almeida.
“As despesas não desaparecem porque o governo quer. Os hospitais continuam a trabalhar, os centros de saúde continuam a trabalhar e é preciso pagar as despesas”, relembra o anterior presidente do Conselho Directivo da ARS Norte.
Em conclusão, Santos Almeida afirma que ou se inverte a política e se dá as estas instituições os fundos necessários ou o sistema de saúde na região norte, em particular, e no país, em geral, vai entrar em colapso.