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Les Amazones d’Afrique em Portugal. Estas mulheres do Mali fazem música contra a violência

21 jun, 2016 - 10:22 • Rosário Silva

São “mulheres que lutam pelas suas causas e das suas irmãs”, diz um elemento do grupo, que luta contra a violência praticada contra as mulheres do Norte do Congo. Actuam esta semana em Portugal.

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Les Amazones d’Afrique actuam esta terça-feira em Sines e, em Lisboa, no dia 23. O projecto apresenta-se ao público, no auditório do Centro de Artes de Sines, com entrada gratuita, e com a participação de um coro composto por alunos da Escola das Artes do Alentejo Litoral.

O mesmo grupo coral segue depois para a capital, para actuar no espectáculo que vai decorrer na Fundação Calouste Gulbenkian.

Em entrevista à Renascença, Pamela Badjogo (PB) e Mariam Koné (MK), duas das “amazonas” revelam a essência do projecto e falam da campanha de angariação de fundos para a fundação e hospital Panzi que apoiam e tratam milhares de mulheres vítimas de violência sexual em África.

Em primeiro lugar, que projecto é este, como nasce e com que objectivos?

PB: Este é um grupo constituído por várias mulheres que têm um compromisso: manifestar o nosso desacordo quanto à situação das mulheres do Norte do Congo que são vítimas de violência sexual. O objectivo passa por demonstrar que é possível às mulheres fazer boa música e, ao mesmo tempo, defender uma causa: dizer não à violência.

É um projecto corajoso que nasce num país onde a igualdade de direitos entre homens e mulheres é “gritante”. Que acolhimento tem tido?

MK: Tem tido um bom acolhimento. Há quem olhe para este projecto como uma espécie de instrumento social, tendo em conta que as mulheres da região Oeste de África quiseram reunir-se para discutir a questão da violência sobre elas. E falamos de violência quer seja privada, quer seja tornada pública através das guerras travadas no Congo, em que milhares de mulheres são sujeitas a violações, violência sexual que destrói física e psicologicamente. O acolhimento é muito bom. Felizmente, há mulheres determinadas, que lutam pelas suas causas e das suas irmãs.

O grupo reúne mulheres de diferentes gerações. É um apelo à dignificação do papel da mulher na sociedade actual?

PB: Sim. É uma forma de demonstrar os valores e os direitos que as mulheres têm no plano da música. Mas é, igualmente, um apelo à consciencialização das mulheres, independentemente da sua idade. Há uma citação no Corão que diz que o homem e a mulher não são iguais. Nós fazemos um apelo a todas para dizer que, sejam pequenas ou não, novas ou velhas, todos temos os mesmos direitos, sejamos homens ou mulheres. Não podemos, nunca, aceitar a violência que exercem sobre muitas de nós.

Como é, então, fazer música no Mali?

MK: É intrínseco à nossa cultura. E posso afirmar que as mulheres no Mali fazem música tal como os homens, inclusive há muitas bastante influentes no panorama musical.

Então num país de tantas proibições quer dizer que é bem visto fazer musica, é isso?

MK: Não há mal nenhum em que as mulheres façam música no Mali. Faz parte da nossa cultura crioula. Há já centenas de anos que passa de geração em geração e as mulheres sempre cantaram nas famílias crioulas e isso não é mal visto. Eu penso, até, que as mulheres influenciam a música e conseguem que os homens também participem nas suas músicas. Por exemplo, eu sou uma cantora num grupo, a Pamela é cantora noutro grupo e os músicos são homens. Somos nós que, diligentemente os contratamos…

PB: …mas atenção, agora é necessário generalizar esse conceito para que não se verifique apenas na música. As mulheres têm de ser respeitadas na sua vida, a todos os níveis e não podemos aceitar a violência que exercem sobre as mulheres.

Já sofreram consequências por causa da vossa ousadia ou pelo simples facto da vossa condição de mulheres?

MK: Isso faz parte do quotidiano, seja no Mali, noutro país africano ou em qualquer parte do mundo onde exista um comportamento de “macho”, com os homens a sentirem-se superiores às mulheres. Mas é muito grave a violência sexual que sofrem as mulheres do norte do Congo. No nosso caso, enfrentamos diariamente alguns preconceitos quando não aceitamos as diferenças e somos discriminadas em relação aos homens. No campo musical não aceitamos ser preteridas, daí que tenhamos este grupo. Cada uma das mulheres deste projecto tem a sua própria personalidade. Dizemos “sim”, mas também dizemos “não”. Trabalhamos todas, somos mulheres independentes. Não podemos dizer que estamos em pé de igualdade com os homens, mas pensamos pela nossa própria cabeça e mostramos-lhes o nosso lugar. Nenhum homem vem dizer-me o que devo fazer porque eu sou capas de fazer tudo de modo próprio. Somos pessoas capacitadas.

Estão em Portugal no âmbito de uma tournée internacional, chamada “I Play the Kora” que, de resto, dá nome a uma canção que alerta para a desigualdade entre homens e mulheres. Que mensagem querem transmitir?

PB: A mensagem que queremos deixar às mulheres que nos vão ler ou ouvir é que olhem para nós e nos vejam como mulheres emancipadas, não ficamos inertes perante as dificuldades e pomo-nos a caminho. Gostaria que as mulheres tivessem a coragem para encetarem as suas próprias iniciativas sem estarem à espera que alguém as faça por elas. Todas temos valor e é preciso gritar isso bem alto.

Sendo o Mali um país de grandes disputas políticas e de grandes incertezas, que futuro auguram para o ele?

MK: É difícil prever um futuro para o Mali, nem sei se isso é possível. Neste momento o país está a atravessar uma situação muito difícil, não é de agora, vem de há bastante tempo. Tenho esperança que a situação politica e económica estabilize e que os malianos possam, um dia, viver a sua vida com normalidade e que o desenvolvimento seja uma realidade no futuro.

A vossa música é expressão e até o grito de um povo que pede libertação, paz, esperança… é, no fundo, um SOS à Humanidade?

PB: Com certeza! É o que se passa em qualquer sociedade e na Síria ainda mais porque há um povo que quer dominar outro. Por isso queremos deixar esta mensagem, não só para ajudar as mulheres vítimas de violência mas também para deixar um S.O.S. a todos dizendo que a Humanidade está doente e precisa de ser curada. Muitos países estão em guerra, outros começam a entrar por influência dos que já estão. Não é nada bom. E nesta canção “I play the Kora” chamamos a atenção para a necessidade de amor, de unidade. Queremos que o mundo inteiro nos escute e que reencontre o amor entre irmãos e irmãs, entre todos os povos.

MK: Sim, é um apelo à ordem, como disse a Pamela. Mas é também este alerta à sociedade contra as vítimas de violação no Congo, por isso temos em curso uma campanha de angariação de fundos (“crowdfunding”) para a fundação e hospital Panzi que apoiam e tratam milhares de mulheres vítimas de violência sexual em África. É também por isso que estamos em Portugal e, concretamente, aqui em Sines para esta residência artística. Queremos mudar o mundo e todos somos poucos para esse efeito.

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