03 jun, 2016 - 15:52 • Marina Pimentel
O Ministério Público (MP) está "manietado" pelo poder político, acusa o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
Em declarações ao programa "Em Nome da Lei", que a Renascença emite este sábado, depois das 12h00, António Ventinhas afirma que, embora tenha consagradas na lei todas as garantias em termos de independência, a Procuradoria-Geral da República não tem autonomia financeira.
Na prática, os procuradores precisam de autorização da Ministra da Justiça, até para adquirir uma fotocopiadora. “Se é certo que nos dão todas as garantias ou muitas garantias em termos legais, depois, em termos práticos, não existem meios para as pôr em marcha”, afirma.
"Quando precisa de uma fotocopiadora, [o MP] tem de pedir ao Ministério da Justiça para lhe alocar esses meios. O que nós verificamos é que um MP sem meios, sempre com a mão estendida a pedir uma impressora, mais magistrados, mais meios informáticos, acaba por ser um MP que está manietado pelo poder político”, sublinha António Ventinhas.
Não dar meios é a forma mais eficaz de acabar com uma investigação, defende Ventinhas. Trata-se, para o presidente do SMMP, muitas vezes de uma ingerência do poder político, por omissão, que pode ser tão ou mais perigosa do que as ingerências activas. “Se não se aloca meios para poder concretizar uma determinada investigação não há qualquer ingerência directa. Mas é muitas vezes a forma mais eficaz de se parar uma investigação.”
“Se uma investigação diz 'Preciso de um certo número de perícias, de tradutores, preciso que alguém se desloque a um determinado país para cooperação internacional, preciso de um certo número de viaturas para fazer buscas', e se depois as polícias, que dependem do poder executivo, dizem ‘Não temos esses carros, não temos esses peritos, só daqui a um ano é que podemos’, ao actuar dessa forma, através de ingerências omissivas, o poder político consegue muitas vezes condicionar os resultados”, argumenta.
"Cada vez mais difícil produzir os resultados"
António Ventinhas cita o caso dos megaprocessos, muitos deles envolvendo acusações de corrupção contra altos quadros da administração pública e da classe política, e explica que os procuradores nesses processos nem sequer estão em exclusividade.
“Estamos aqui perante uma situação em que o MP produz resultados, mas vai ser cada vez mais difícil produzir os resultados. O procurador que está a fazer um megaprocesso, que se está a debater com uma equipa de 15 ou 20 ou 30 advogados, está a realizar aquele julgamento em 'part-time' porque tem de acompanhar não sei quantos outros julgamentos”, aponta Ventinhas.
Do outro lado, lembra, há "uma bateria de advogados completamente dedicados ao caso" e "cada escritório tem não sei quantos peritos a analisar prova, a recolher documentos”. “Muitas vezes está um procurador sozinho contra toda aquela estrutura”, denuncia.
As declarações de António Ventinhas foram feitas no programa da Renascença “Em Nome da Lei”, gravado no Fórum Global da Associação Internacional de Procuradores, que esta semana reúne em Lisboa mais de 150 procuradores de 24 países.
O exemplo brasileiro
Ao contrário do que acontece em Portugal, no Brasil o Ministério Público tem autonomia financeira, mas a classe política não desiste de tentar enfraquecer e condicionar a intervenção dos procuradores.
Roberto Livianu, procurador do Estado de São Paulo e fundador do Instituto “Não Aceito a Corrupção”, diz que recentemente houve uma tentativa de proibir o Ministério Público brasileiro de investigar crimes.
"Hoje, no mundo todo, só Gana, Quénia e Indonésia é que proibem o Ministério Público de investigar crimes. No Brasil, quiseram criar um monopólio investigatório para a polícia, impedindo o Ministério Público de fazer investigações e quase essa proposta foi aprovada. Por quê? Por causa da envergadura da investigação do Ministério Público, nós incomodamos muito o poder político", sublinha.
O procurador rejeita acusações de falta de imparcialidade na intervenção do sistema judicial brasileiro no processo de destituição de Dilma Rousseff.
Quanto ao facto de estar agora em funções um Presidente (Michel Temer) e um Governo com vários ministros também citados no processo “Lava Jato”, o procurador de São Paulo diz que o problema é que a corrupção no Brasil é muito democrática: abrange todos os partidos.