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Pré-publicação: "Contra a Eutanásia", de Lucien Israël

02 jun, 2016 - 12:48

Leia um capítulo do livro e o prefácio da edição portuguesa.

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“Contra a Eutanásia”, de Lucien Israël (1925-1996), está agora editado em Portugal, pela mão da renascida Multinova.

O médico francês, descrito pela editora como “um homem de ciência, um leigo, um não-crente”, opôs-se à eutanásia como um gesto de humanidade ou um acto de compaixão.

O livro, com prefácio do médico Luís Paulino Pereira, é apresentado este domingo, pelas 18h00, na Feira do Livro de Lisboa.


Leia o capítulo "Eutanásia, a opção de um mundo sem cultura" (em PDF)

Leia o prefácio à edição portuguesa do livro, por Luís Paulino Pereira, médico de medicina familiar:

"Ao aceitar o desafio para escrever o prefácio deste livro, “Contra a Eutanásia”, sabia a priori que tinha pela frente uma missão difícil e delicada. Para um médico, falar sobre eutanásia não é uma tarefa fácil, e quando o médico é católico convicto, ainda mais complicada se torna essa tarefa. É que, se por um lado estamos exclusivamente ao serviço da vida, por outro acreditamos e defendemos que ela nos foi dada por Deus e que só Ele a pode tirar… “Só Eu é que dou a vida e dou a morte.” (DT 32,39) Em São João há um maravilhoso apelo à vida “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (JO 10,10) e no Livro do Êxodo uma manifestação clara da vontade de Deus: “Não matarás.” (EX 20,13)

Como médico, sei que devo guardar respeito pela vida desde a sua conceção até à morte natural, na linha do juramento de Hipócrates, como diz o nosso Código Deontológico.

Ao ler esta obra, da autoria de um “médico à moda antiga”, como foi considerado pela entrevistadora, facilmente se percebe que há nela também um claro apelo à vida, apesar de o seu autor dizer expressamente nunca ter recebido a graça da fé e de se considerar agnóstico.

A propósito dos médicos e da vida, recordo uma fase dos meus tempos de estudante, em que acompanhava o meu pai, médico cirurgião de outros tempos, com quem aprendi muito e que me transmitiu vários ensinamentos que fizeram crescer em mim o “orgulho de ser médico” (lema da campanha de candidatura do Prof. Germano de Sousa a bastonário da Ordem em 1998). Uma das muitas coisas que aprendi com ele foi a de que, de um modo geral, os médicos nunca estão presentes nas cerimónias fúnebres quando morrem doentes por eles tratados em vida. Não se trata de uma regra, nem está escrito em lado nenhum, mas é uma prática geralmente seguida. A morte é o nosso maior inimigo, inimigo esse que passamos a vida a combater e, quando somos derrotados por ele, temos a consciência de que fomos até onde era possível ir e de que já cumprimos a nossa missão.

Este sim à vida que o livro nos revela é a sua nota dominante. O seu autor, Lucien Israël, cientista, professor universitário, apaixonado pela investigação, faz reflexões pertinentes, levanta problemas e apresenta soluções sugerindo caminhos que nem todos querem seguir. Preocupado com a desumanização da medicina devido à falta de valores que se vive na sociedade, é ele próprio que o afirma quando diz que “se se conseguisse uma transmissão real de valores, o problema da eutanásia nem sequer se colocaria”.

Trata-se, pois, de um livro não só para médicos ou enfermeiros mas acessível a todos e que todos deveriam ler e meditar. Começando pela formação universitária, deixando bem claro que os “médicos deveriam ser escolhidos pelas suas qualidades morais e educados para os “valores”“, refere-se depois com orgulho aos progressos do nosso século, onde a biologia molecular, a descodificação do genoma e a descoberta das células estaminais (com papel importantíssimo na reparação dos tecidos danificados podendo vir a ser úteis no tratamento de doenças incuráveis) representam um passo em frente no progresso da medicina.

Para este homem, a medicina é uma arte; é a arte de tomar decisões na incerteza e não se pode reduzir à prescrição de fármacos, destacando a importância das medidas não farmacológicas, tantas vezes ultrapassadas ou mesmo ignoradas.

Por fim, é ele quem o reconhece, não nos empenhamos com tanta energia a compreender o que pode prolongar a vida, para depois contribuir para a interromper. “Se os médicos e com eles a sociedade derem o seu consenso à eutanásia, a imagem da medicina ficará consideravelmente alterada.”

Falar em morte assistida, morrer com dignidade ou eutanásia ainda que seja a pedido do doente é como que uma ajuda ao suicídio. É um ato que tem por finalidade acabar com a vida e não com o sofrimento, e é depositar na consciência dos médicos a responsabilidade da decisão dos doentes. O médico passará assim, de aliado do doente a “carrasco” da sua autocondenação.

Mas será que a eutanásia é mesmo um problema que se impõe à sociedade ou é a sociedade, afetada por esta confrangedora crise de valores, que a quer impor à força, indo nós, uma vez mais, a reboque do mau exemplo daqueles que já a praticam? É realmente verdade que as pessoas querem mesmo ser mortas numa situação de desespero? Vale a pena ler os relatos que o Prof. Israël apresenta e tirar depois as conclusões.

No fundo, é fundamental ter em consideração o sofrimento físico ou psíquico do ser humano. No primeiro caso há que investir nos cuidados paliativos, no segundo a sociedade terá de repensar o conceito de família em toda a sua dimensão, para que os idosos não se sintam a mais e um fardo pesado.

Todas estas questões são aqui analisadas ao pormenor, e os leitores podem e devem guardar para si as conclusões.

Lucien Israël diz-se agnóstico. Sê-lo-á? Mais tarde começou a pensar em Deus conforme se pode ler, inquieto (quem sabe?) por não ter recebido a graça da fé. A riqueza deste seu testemunho é qualquer coisa de extraordinário e a mensagem que nos deixa sobressai das suas próprias palavras: “O amor, até para o não-crente, é uma oração!"

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  • João Lopes
    02 jun, 2016 Viseu 14:49
    “Eutanasiar” é “matar deliberadamente seres humanos”! É algo extremamente “perverso e gerador de insegurança atribuir a serviços de saúde a função de eliminar a vida, mesmo numa situação extrema”, é “uma apologia do suicídio em geral” e “inibe a verdadeira solidariedade e fraternidade”. Quando não se respeita a vida humana em todas as circunstância já não há segurança para ninguém (in Observador).

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