09 mai, 2016 - 09:00 • Filipe d'Avillez
Livros sobre os descobrimentos portugueses há muitos, mas “Conquistadores” é diferente de boa parte deles: o seu autor é inglês. Roger Crowley passou os últimos anos a investigar este período da história mundial.
Claramente rendido ao aspecto singular da expansão portuguesa, o olhar de Crowley permite, todavia, assinalar claramente tanto as virtudes como os vícios do esforço incrível dos portugueses que se lançaram sobre a Índia, mas com o coração em Jerusalém.
Este livro foi inicialmente escrito em inglês, para o mercado anglófono. Tem tido sucesso?
Tem sido muito bem recebido, com interesse e surpresa. A questão de Vasco da Gama tem sido mais ou menos esquecida, infelizmente para os portugueses, mas também para todos porque foi um processo formador do mundo em que hoje vivemos.
Porque é que os portugueses devem ler um livro sobre história de Portugal escrita por um inglês?
Para mim é difícil julgar isso, mas a sensação que tenho, com base em reacções, é de que os portugueses, por um lado, têm muita curiosidade sobre a forma como são vistos pelos estrangeiros e não há muitos livros escritos sobre a história de Portugal, sem ser de âmbito académico.
Eu escrevo para leitores normais, pessoas que se interessam por história mas que não são académicos. Escrevo para ouvir as vozes do passado. Os portugueses até podem saber algumas das coisas que o [Afonso de] Albuquerque ou [Francisco de] Almeida fizeram ou disseram, mas espero que a história que conto seja fascinante para todos.
De todas as figuras que aborda, qual a que mais o marcou?
Só posso responder que foi o Albuquerque, é uma personagem extraordinária. Foi um construtor de impérios e incrivelmente convencido. Pensava que podia fazer tudo. Era extremamente inteligente. Embora tenha recorrido à violência, penso que o fez de forma estratégica. Ele tinha noção que os portugueses eram poucos e que por isso era necessário intimidar os locais.
Também era muito inteligente do ponto de vista geoestratégico. Foi ele quem percebeu que era Goa e não Calecute, que mais se adequava aos interesses dos portugueses. Trata-se de uma ilha, fácil de defender, muito bem situada a meio da costa da Índia, precisamente entre o império muçulmano e o hindu. Foi um acto de grande visão estratégica, porque D. Manuel não lhe tinha dito para conquistar Goa, fê-lo por sua iniciativa e, na verdade, foi ele o verdadeiro fundador do império português no Oriente.
Era ainda bastante liberal em muitas coisas. Foi ele quem instituiu a política dos casamentos mistos e compreendeu que era impossível erradicar o islão do Oceano Índico. Dizia que enquanto os portugueses fossem justos seriam amados, mas no dia em que se tornassem avarentos seriam odiados. Tinha um sentido férreo de justiça e, tanto quanto consegui apurar, não se enriqueceu. Era um servidor do rei e agia com a melhor iniciativa possível.
No livro apresenta batalhas que os portugueses vencem apesar de estarem em grande minoria. Como é que o fizeram? Coragem? Superioridade tecnológica? Ou uma mistura de ambos?
Penso que é uma mistura de ambos. Eles chegam ao Índico com uma tecnologia de ruptura e com esta vantagem sabiam que podiam rebentar com qualquer navio inimigo.
Mas também eram incrivelmente corajosos – às vezes estupidamente corajosos – mais do que estratégicos. Havia um código de honra entre a nobreza, que só se preocupava com a glória individual, e isso levou-os a situações loucas e a tomar decisões muito pouco sábias, como o ataque a Calecute em 1510 que terminou com um massacre, porque Coutinho decidiu que ia marchar sobre o palácio e tomá-lo. Há histórias extraordinárias do século XV de pessoas a discutir durante tanto tempo sobre quem devia ser o primeiro a escalar a muralha de uma fortaleza marroquina, que acabaram por ser todos mortos.
Portanto era uma mistura de coragem, tecnologia e bluff. Mas também de claridade estratégica. Eles compreenderam que se construíssem boas fortalezas, ninguém possuía a tecnologia de cerco necessária para as conquistar. Esta estratégia de fortalezas e poder naval móvel tornou-se o protótipo para sucessivos impérios, como o holandês e o inglês.
Mas Albuquerque não era fã desta mentalidade fidalga, pois não?
Albuquerque percebia que não havia portugueses suficientes para andar a desperdiçar vidas. E houve momentos de tensão quando ele tentou introduzir as tácticas dos bandos suíços – formações ordenadas de piqueiros e mosqueteiros – e tentou organizar um sistema regimental e menos feudal. Fez isto em Goa, ensinou os soldados a fazer ordem unida e treinava juntamente com os homens, mas os fidalgos tentavam boicotar tudo, chegando a tentar destruir um carregamento de piques que chegou de Lisboa.
Esta tensão acabou por levar à queda em desgraça de Albuquerque, porque os fidalgos queixaram-se amargamente ao Rei D. Manuel, acusando-o de ser corrupto e de estar a tentar instalar-se como um rei independente.
Muitas potências europeias tiveram colónias na Ásia e em África. Os portugueses foram só mais uns – porventura os primeiros – ou havia algo de diferente na política colonial portuguesa?
Foram sem dúvida os primeiros e os holandeses copiaram-nos. Mas penso que o império português tem sido diferente. Tinham uma variedade de estilos imperiais. No Índico tinham um império formal, no Oriente tinham um império informal. A extensão do império é que era crítica. Do Brasil à China, muito leve no que diz respeito a ocupação de terreno e muito móvel. Misturavam-se com as populações locais, casavam-se e aproximaram-se muito mais do que os holandeses e ingleses.
Sabemos que houve casos de crueldade, massacres. É anacronismo condenar estes actos segundo critérios actuais? Os portugueses estavam simplesmente a fazer o que todos faziam nessa época?
Claro que são coisas que nos chocam, mas penso que se formos ver a experiência de todas as potências coloniais durante o século XVI a tendência era a mesma.
Num certo sentido havia violência que era necessária, os portugueses não iam conseguir estabelecer-se no Índico sem uma luta. Mas também sabemos que se praticaram actos individuais que mesmo na altura eram vistos como chocantes. Quando Vasco da Gama afundou um navio de peregrinos, o Miri, isso foi comentado por portugueses que estavam com ele e que diziam que não compreendiam o sentido do acto.
Para dizer a verdade, se virmos a presença portuguesa como um todo, tratou-se apenas de uma fase. O meu livro é que se concentra muito nesta fase. Mas havia uma missão civilizadora e a religião desempenhou um papel importante nesse sentido. Não estavam lá apenas para levar os bens de volta para Portugal, ao contrário dos holandeses. Os holandeses estavam-se nas tintas para converter pessoas. Mas os portugueses tinham uma missão mista e a religião e a conversão puseram-nos em contacto com pessoas de uma forma mais simpática do que violenta.
Tende-se a ver o período das descobertas como uma mera corrida ao ouro. Afinal, o que motivava D. Manuel?
Era certamente motivado por uma ideia de missão religiosa. Gostava da riqueza, claro, mas via-a como uma justa retribuição de Deus, mas no fim de contas era a visão messiânica que o motivava.
Já tinha tentado formar uma cruzada mediterrânica, mas sem sucesso e tinha uma estratégia extraordinária de raptar o cadáver de Maomé e trocá-lo por Jerusalém. Há quem diga que, se fosse preciso, estaria disposto a trocar o Império na Ásia por Jerusalém.
A estratégia de capturar o corpo de Maomé e trocá-lo por Jerusalém era viável? O seu livro termina com a tentativa falhada de conquistar Áden. Caso tivessem conseguido, o plano de chegar a Meca teria sido viável?
Acho que sim. É impossível ter a certeza, mas era certamente uma possibilidade. Se o plano teria resultado? É preciso admitir que era de uma ambição incrível e a verdade é que, a longo prazo, as cruzadas falharam porque simplesmente não havia gente suficiente. Estamos a falar de um mundo árabe e penso que, no fim de contas, o centro do Médio Oriente irá sempre ser de maioria muçulmana e árabe. Por isso, realisticamente, talvez conseguissem conquistar Jerusalém durante algum tempo, mas a Terra Santa iria acabar por ser povoada por muçulmanos.