05 mai, 2016 - 14:26 • Filipe d'Avillez
Em Março de 1944 havia cerca de 860 mil judeus a viver na Hungria. Um ano depois, quando a II Guerra Mundial acabou, restavam cerca de 250 mil.
Houve perseguição aberta intermitente aos judeus nos anos anteriores e o Governo fascista chefiado por Miklos Horthy aprovou uma série de medidas anti-semitas, mas o mesmo ditador recusou-se obstinadamente a aceder às ordens dos seus aliados nazis de deportar a população judaica para a Alemanha.
Até que, em Março de 1944, Hitler perdeu a paciência e ordenou a ocupação da Hungria pelos seus soldados. “Foi uma das piores tragédias na Europa para os judeus, porque mais de 600 mil foram mortos. Em apenas seis semanas em 1944 mais de 400 mil foram deportados para Auschwitz”, explica Zsuzsa Kálmán.
Esta judia húngara lidera actualmente uma organização que todos os anos assinala a memória do Holocausto com uma marcha comemorativa, a “Marcha da Vida”. O objectivo é mostrar que, apesar da tragédia, a comunidade permanece viva.
Viva, mas substancialmente mais pequena. “Os judeus eram mais de 10% da população total. Hoje, a Hungria tem cerca de 10 milhões de habitantes e a comunidade judaica é de 100 mil. A maioria foi morta e os que sobreviveram e voltaram para a Hungria não quiseram ficar, emigraram para a América, Israel ou outros países europeus”, explica Kálmán.
Praticamente nenhuma família judaica ficou completa. “Eu nunca conheci os meus avós, que foram mortos em Auschwitz. Os meus pais sobreviveram. Quando era criança, na escola, percebia-se facilmente quem era judeu e quem não era. Os que não tinham avós eram judeus, os que tinham provavelmente não eram. Era assim quando eu tinha seis ou sete anos”.
"Não vamos repetir o erro"
É uma tragédia com mais de sete décadas, mas que perdura na memória colectiva, não só dos judeus. “É algo que não podemos esquecer. Mas temos de compreender que aconteceu há 72 anos e para muitos é apenas história. A nossa principal tarefa passa por usar essas lições de história para identificar as tendências e os perigos do presente. Se virmos certos sinais nas paredes, nas ruas, até no Parlamento, então temos de dizer: ‘Alto! Isso conduz a uma situação muito trágica’. Já levou a uma situação trágica, não vamos repetir o erro.”
A referência ao Parlamento não é inocente. Os sinais de perigo já lá estão, considera esta activista, referindo-se especificamente ao Jobbik, o partido de extrema-direita da Hungria.
“Claro que é uma preocupação, mas não só para a Hungria, para toda a Europa. Se virmos as recentes eleições na Alemanha vemos que a extrema-direita está a crescer. Infelizmente, os nossos partidos principais não têm respostas para os desafios que actualmente enfrentamos", diz.
Para Zsuzsa Kálmán, "Vivemos num tempo em que as organizações de extrema-direita têm a vantagem de poder dizer disparates populistas, sem qualquer responsabilidade. As pessoas adoram ouvir estas respostas simples a questões que são de facto muito complexas. O Jobbik está no Parlamento e nalgumas partes do país, nomeadamente nas mais pobres, estão cada vez mais fortes e é uma coisa que temos de derrotar, sem dúvida”.
Este ano, a “Marcha da Vida” teve lugar a 18 de Abril e contou com a presença de dezenas de milhares de pessoas, incluindo três bispos católicos. A marcha está aberta a todos, explica Kálmán, e o sucesso vai aumentando de ano para ano. “É muito importante para nós lembrar as vítimas, lembrar os nossos avós. Nós trabalhamos para que o passado dos nossos avós não seja o futuro dos nossos filhos”, conclui Zsuzsa Kálmán.
O dia de memória do Holocausto, conhecido em hebraico como Yom HaShoah, é assinalado no dia 27 do mês de Nisan do calendário judaico, 5 de Maio no calendário gregoriano.