28 abr, 2016 - 17:10 • Vasco Gandra, em Bruxelas
Veja também:
O número de pessoas que morrem a pedido tem aumentado todos os anos na Bélgica, desde 2002, ano em que a eutanásia foi legalizada no país. Em 2013 registaram-se 1.807 mortes por eutanásia, quase oito vezes mais do que em 2003, o primeiro ano integral de aplicação da lei.
Os dados constam do mais recente relatório da Comissão Federal de Controlo e Avaliação da Eutanásia. O documento (em PDF) indica outros dados:
A eutanásia para casos de sofrimento psíquico representa cerca de 3% do total. É um dos pontos mais polémicos da legislação belga, implementada em 2002. Vários especialistas defendem que não há fundamento científico objectivo para determinar que um sofrimento psíquico é incurável e pedem que a lei não contemple estes casos.
Esta semana foi entregue no Parlamento português uma petição que defende a despenalização da eutanásia, com cerca de 8.400 assinaturas.
O Bloco de Esquerda é até ao momento o único partido que anunciou que avançará com um projecto de lei sobre legalização da eutanásia, embora o PAN – Pessoas Animais e Natureza esteja também a ponderar uma iniciativa nesse sentido.
"Propor outras soluções"
Na Bélgica, é o doente que faz o pedido por escrito, de forma voluntária e reflectida. Em casos em que o doente não pode comunicar a sua vontade (se estiver em coma, por exemplo), é exigida uma declaração antecipada do paciente a pedir eutanásia.
Catorze anos depois da sua criação, a legislação sobre a eutanásia continua a gerar polémica e divisões.
Catherine Stryckmans é presidente da comissão de ética de uma das principais associações de enfermeiros do país (ACN).
“A eutanásia, como tal, não é a nossa primeira escolha. Primeiro, deve ser analisado, o paciente deve ser ouvido e reconhecido no seu pedido, nas suas necessidades”, diz Catherine Stryckmans. “Devemos propor outras soluções ao doente, em vez da eutanásia que vai tentar responder ao sofrimento que ele manifestou, seja físico ou psicológico.”
Depois de uma avaliação, o médico responsável deve pedir pelo menos mais um parecer a um especialista. Cada médico ou enfermeiro é livre de participar ou de acompanhar o doente que vai ser eutanasiado. A Comissão Federal de Controlo e Avaliação da Eutanásia verifica eventuais irregularidades.
Antes de legislar, discutir
Para Françoise Cerexhe, que pertence ao comité de ética de uma das associações belgas de enfermeiros, antes de qualquer decisão política sobre a eutanásia é necessário um amplo debate público, envolvendo os profissionais de saúde.
“Num país que pensa legislar sobre esta matéria, é necessário preparar e discutir ao nível político, mas também no terreno, em conjunto com médicos, enfermeiros, farmacêuticos. Deve ser discutido para que cada tenha autorização para assumir o seu lugar. O outro problema que existe é como formar os futuros médicos, os enfermeiros, para estas questões fundamentais de fim de vida, seja para os cuidados paliativos, seja em termos de conforto, de escuta. Ou relativamente à eutanásia”, diz a enfermeira e professora.
A questão da formação é decisiva, afirma Françoise Cerexhe. Argumenta que muitos médicos e enfermeiros, sobretudo os mais jovens, devem receber formação e preparação sobre cuidados paliativos e as questões relacionadas com o fim de vida.
Benoît Van Cutsem, sociólogo e especialista em ética, conta que há médicos recusam praticar eutanásia. “Conheço um médico de medicina geral que fez três [eutanásia] e agora recusa fazer mais porque é muito pesado viver com isso. Portanto, aceitou fazer três vezes, porque estava de acordo do ponto vista filosófico, mas foi muito pesado do ponto de vista das emoções. É algo muito pessoal”, diz.
Há enfermeiros que sublinham a importância de a lei permitir que cada médico e profissional assuma a sua responsabilidade. Ou seja, se um profissional quiser tem o direito de recusar participar no processo.
Zero pedidos de eutanásia para menores
Há dois anos, a Bélgica viveu nova polémica, quando o Parlamento votou a lei que alarga a prática da eutanásia a menores de idade, indo mais longe do que a Holanda.
A pediatra Christine de Montpellier é uma das personalidades que se opõe a esta legislação. “Por ter trabalhado de perto em serviços de fim de vida, sobretudo em hematologia, dei-me conta de que podemos acompanhar essas crianças de muitas formas. Sobretudo no que toca o sofrimento”, diz.
“Penso que esta lei, no contexto actual da medicina, não é indicada, não é necessária. Porque há muitos meios terapêuticos, de apoio, contra a dor e psicológicos para ajudar as crianças, e as famílias. Para acompanhar a criança até ao final de vida. É uma questão prática. E há também uma questão mais filosófica. Pessoalmente, penso que a vida em geral deve ser defendida. Devemos fazer tudo para a defender.”
A legislação prevê a eutanásia no caso de o menor ter capacidade de discernimento, confirmada por um psicólogo. O menor deve encontrar-se numa situação considerada sem saída, num estado de sofrimento constante e insuportável.
Mas, em dois anos de legislação, não houve nenhum pedido de eutanásia para menores. Por isso, há quem questione a utilidade desta lei, como o sociólogo Benoît Van Cutsem, que detecta uma opção “ideológica”. “Isto revela bem o que aconteceu. Houve correntes de opinião que forçaram para conseguir esta lei, enquanto no terreno ela não era necessária.”