24 abr, 2016 - 10:51 • Ângela Roque
Pelos 42 anos da revolução de Abril a Renascença falou com o capelão adjunto do Exército sobre a assistência religiosa que é prestada aos militares. Afinal, que diferença faz ter fé em cenários desfavoráveis de conflito e violência?
O padre Jorge Matos está ao serviço das Forças Armadas há quase 33 anos. Capelão Adjunto do Exército, nos últimos 14 participou em três missões internacionais de apoio à paz na Bósnia (em 2002 e em 2006) e no Kosovo (entre 2009 e 2010). Apesar dos capelães serem hoje muito menos do que já foram, não tem dúvidas de que esta presença da Igreja é “uma mais valia”, e garante que a dimensão espiritual “é necessária, faz falta e é bem acolhida” entre os militares, que vêem no capelão “alguém em quem confiam”.
A entrevista vai ser transmitida no programa “Princípio e Fim” deste Domingo.
A dimensão espiritual faz falta no meio militar?
Penso que é necessária, que faz falta e é bem acolhida. O capelão militar numa unidade é sempre uma mais-valia. É uma presença no meio dos militares, alguém em quem eles podem confiar até mais do que no próprio comandante. Daí a importância que os comandantes dão aos capelães, que estão ali para ouvir, aconselhar e ajudar. E em todas as missões isso tem acontecido. E apesar das dificuldades que nós temos, com a redução do número de capelães, vamos conseguindo que haja esta presença, que é uma presença de Igreja. É a Igreja que através da acção do capelão, está no meio dos militares, está para os acompanhar, para os ajudar.
Os padres que prestam serviço nas capelanias são militares?
Todos os sacerdotes que prestam serviço nas Forças Armadas, nomeadamente no exército, são capelães militares. O número vai sendo reduzido à medida que atingimos os 62 anos de idade e temos forçosamente de passar à situação de reforma. Uma vez que o quadro de capelães terminou em 2009, com a nova legislação foi criado o regime de contrato especial.
Há uma dúzia de anos, no Exército, devíamos ser cerca de 30 capelães, neste momento somos 13, e as unidades praticamente não acabaram. Solicitações cada vez são mais, os comandantes pedem-nos muitas cerimónias, mesmo a nível da Liga dos Combatentes, cerimónias religiosas, e nós temos que estar presentes.
Esteve em várias missões de manutenção de paz, nomeadamente na Bósnia e no Kosovo.
A primeira vez que estive na Bósnia foi de 29 Janeiro a 29 Julho de 2002, fazendo parte do 2º Batalhão de Infantaria Mecanizado sediado em Santa Margarida. Estive numa pequena cidade a 30 kms de Sarajevo. A segunda missão foi numa cidade mais a norte, decorreu de Julho de 2006 a Março de 2007, integrando o batalhão que fez a sua preparação no Regimento de Infantaria nº 13, em Vila Real. Foi o último batalhão de militares que esteve na Bósnia, por isso estivemos mais cerca de dois meses para além do tempo normal, que eram seis meses. Entre Setembro de 2009 e Março de 2010 estive no Kosovo, junto à capital, Pristina, com os militares do 1º Batalhão de Infantaria Mecanizado de Santa Margarida.
Que importância tem e que diferença faz a assistência religiosa em cenários de conflito e violência, ou de manutenção de paz?
Os militares vão na sua maioria voluntários. Alguns vão pela primeira vez, outros já foram mais vezes, mas a separação do território nacional e da família – e muitos têm cá filhos – faz com que levem consigo os problemas que cá tinham. A acção do capelão também está aí, às vezes no contacto com as próprias famílias. Servimos de elo de ligação e ajuda. Às vezes basta ouvir, escutar os lamentos dos próprios militares. Notamos quando andam tristes, se afastam e isolam.
E a fé pode ajudar nessas situações?
Ajuda para aqueles que querem, e para aqueles que já têm essa experiência de vivência cristã cá. Se bem que lá, em determinadas situações, agarram-se à fé. Estou-me a recordar de uma situação que aconteceu no Kosovo. No meu batalhão, a uma semana de virmos embora, houve uma morte durante as provas físicas. Um dos militares, que até era um atleta, caiu inanimado. Foi socorrido pelo médico do batalhão, veio até uma equipa do campo militar Americano, mas foi fatal. Isso desestabilizou os colegas. E a fé foi importante. Fizemos uma celebração para militares de vários países que estavam na zona.
Nas missões há a prática do culto?
Sim faz parte da ordem de batalha ir um capelão. Até temos uma escala dos que, de forma voluntária se disponibilizam para ir, e todos os batalhões têm levado um. Antecipadamente o capelão tem encontros de preparação com os militares. Depois, de acordo com o próprio comandante, faz um programa de actividades onde se incluem as actividades religiosas, nomeadamente a celebração da missa. Pode não haver todos os dias, mas ao sábado e Domingo é garantido.
O capelão anda armado?
O capelão é um militar, anda fardado como eles andam, e muitas vezes tem que usar uma arma. Claro que nós não vamos para matar, para fazer a guerra, vamos para fazer a paz, mas a arma é muitas vezes a imagem de segurança. Nunca aconteceu que, actualmente, algum capelão nas missões internacionais tenha usado a arma para qualquer efeito.
Estão a preparar uma peregrinação a Vila Viçosa…
Será quarta-feira, dia 27 de Abril. Por estarmos no Ano da Misericórdia, militares e funcionários civis de várias unidades do sul do país (Estremoz, Vendas Novas, Beja, Elvas e Évora) vão fazer uma “caminhada Jubilar” de 20 km. Vamos sair do Regimento de Cavalaria nº 3 de Estremoz em direcção ao Santuário de Nossa Senhora da Conceição, de Vila Viçosa, onde vamos entrar pela “Porta Santa”. Aí haverá uma celebração eucarística presidida pelo bispo das Forças Armadas, D. Manuel Linda.
A entrevista ao padre Jorge Matos vai ser transmitida no programa “Princípio e Fim” deste Domingo, a partir das 23h30.