18 abr, 2016 - 07:30 • Ana Rodrigues
O antigo vice-chefe do Estado-Maior do Exército António Campos Gil exige a demissão do ministro da Defesa. Em entrevista à Renascença, o general na reserva diz que Azeredo Lopes já não tem a confiança dos militares depois da forma como lidou com a alegada discriminação de homossexuais no Colégio Militar.
Agora que está escolhido o novo chefe de Estado-Maior do Exército, como é que vai ficar a situação do Colégio Militar? Espera-se, na sua opinião, alguma alteração?
Não. Não vislumbro qualquer alteração, até porque ela não se torna necessária. Nada aconteceu de especial que justifique qualquer alteração que seja. Estou absolutamente convicto de que tudo vai continuar a funcionar como sempre continuou, em conformidade com os princípios que sempre foram respeitados e que sempre foram apanágio quer da instituição militar, quer do próprio colégio em si. Nada vai alterar. E estou absolutamente convicto que este senhor general chefe vai ter isso em consideração.
Mas a posição que foi tomada publicamente pelo senhor ministro era a de que exigia explicações sobre uma situação que estava a ocorrer no Colégio Militar. O chefe demitiu-se, não se alterou a direcção do colégio. Tem de haver consequências ou não, na sua opinião, depois do que aconteceu?
O que é que foi dito ou feito, ou que acto houve de reprovável que tenha provocado ou tenha merecido este espalhafato? Nenhum, no meu entender.
Acha então que aquelas declarações do subdirector do colégio não foram graves…
Não, absolutamente não foram graves, no meu entender. Quanto muito podem ter sido sinceras, espontâneas, transmitindo aquilo que é uma realidade de actuação. De actuação humana, de protecção ao menor. Onde é que está a gravidade do processo? Sobre isto, permita-me aproveitar a oportunidade para dizer o seguinte. Saiu recentemente, publicado no jornal “Público”, um artigo de opinião, do senhor professor Campos e Cunha. Vale a pena ler. Porque é de uma serenidade, de uma profundidade que vale a pena ler.
Mas existe ou não existe discriminação no Colégio Militar com alunos homossexuais? Existe essa prática?
Não existe discriminação. Não só não existe no Colégio Militar, como naturalmente não existe nos pupilos do Exército, como naturalmente não existe nas Forças Armadas em geral. Porque o problema aqui que se trata, não foi colocado nesse domínio. A resposta do senhor tenente-coronel, que eu ouvi, não se coloca nesse domínio.
O que há então é o que o subdirector diz, uma protecção da direcção ao aluno?
O que há é uma protecção ao menor, da direcção, a determinados comportamentos. Eu preferia limitar-me a responder àquilo que sei e àquilo que é a minha área, que é a área militar, e não tanto a este processo. Agora, claramente neste domínio não houve nada de especial que merecesse todo este alarido.
Mas a direcção do colégio não deveria ter outra atitude perante esta situação de discriminação de alunos homossexuais? Não poderia ter uma atitude de formação, uma atitude pedagógica com os alunos? Preferindo, em vez disso ou escolhendo a opção de pedir aos pais para os retirarem?
A direcção do colégio já teve que exercer uma atitude profundamente pedagógica, e de que maneira, e eu fui testemunha disso, no que respeita à inserção do sexo feminino dentro do colégio. E fez um trabalho brilhante, quando toda a gente, incluindo o poder político, não acreditava que isso fosse possível. Portanto, quer mais? Mais atitude pedagógica? Pedagógica de quê? Aqui não se trata de pedagogia nenhuma, aqui trata-se, mais uma vez, de uma atitude de protecção da criança. Isto é a tónica do artigo do senhor professor Campos e Cunha. Se tivesse havido algum comportamento irregular de um rapaz para com uma rapariga agora interna, qual é que era a reacção pública? Qual é que devia ser a reacção da direcção? Era falar com os pais: “Atenção, cuidado que este menino ou esta menina estarão a ter com certeza comportamentos que não são aceitáveis cá dentro, dentro de um sistema que tem um internato”. Seja ele heterossexual ou homossexual. É isto que está aqui em causa, não se trata de discriminação nenhuma.
É a tal proibição dos afectos…
Absolutamente! Esse é que é termo correcto. É isso mesmo.
Portanto, o subdirector não tomou nenhuma atitude errada?
Absolutamente nenhuma. Nada.
Na sua opinião, deve manter-se na direcção, e porquê esta necessidade de Carlos Jerónimo apresentar a demissão?
Aqui, terei de expressar o meu sentimento, a minha opinião profunda, que é de lamentar tudo isto. E vejo isto em duas vertentes. Em primeiro lugar, a atitude do senhor ministro e a atitude da tutela. Que é inaceitável e é inadmissível. Esteve muito bem, o secretário de Estado, que outra coisa não devia fazer, tentar defender o senhor ministro. Muito bem ele esteve. Outra coisa não era expectável de um secretário de Estado. Honra lhe seja feita. Mas não consegue apagar aquilo que foi o erro e continua a ser um erro grave do senhor ministro.
E qual é o erro?
Em primeiro lugar, o senhor ministro demonstrou, perante um facto que na sua essência nada tem de especial ou de grave, aceitou empolá-lo quando lhe deu importância a mais. E por isso demonstrou falta de serenidade perante uma coisa de nada. Uma coisa que estava muito bem explicada. Toca é, se calhar, em áreas que são não politicamente correctas. Mas essa é uma questão em que não vou entrar. O problema não é pedir explicações, porque o senhor ministro até pode e deve pedir explicações. O grave é quando vai para lá disso e faz uma ingerência institucional quando pede consequências, quando ele próprio começa a exigir a demissão, directa ou indirectamente, da direcção ou do subdirector. Isso já não é da competência dele, é da competência do chefe. Ora, quando isto acontece revela uma falta de sentido institucional e uma falta de sentido de solidariedade. O senhor ministro não sabe o que é a ética e a liderança, não faz a mínima ideia do que estes conceitos significam e implicam. Deu sinais de incapacidade de gerir a dificuldade. Submeteu-se a uma pressão, e portanto não está à altura do cargo que desempenha. E no final, no limite, ao fazer o que fez, pedir – não só explicações, mas consequências, o que não lhe compete… Se ele pedir explicações e disser ao general chefe “Não gostei”, está no seu direito e dever de tutela.
Não deixou, assim, margem de manobra, é isso?
Absolutamente. Agora vejamos a outra parte. O senhor ministro ao fazer isto, não tem consciência do que está a fazer. Faltou ao respeito de uma instituição milenar, as Forças Armadas. E ele não sabe o que isso é. Agora, vejamos a questão da atitude do general Jerónimo, que é uma atitude louvável, é uma atitude exemplar como há muito, muito tempo, pessoalmente, não via. Orgulho-me de o ter tido como meu comandante um homem como o general Jerónimo. É um homem simples, um homem de carácter, um homem honrado, que com a sua atitude de ética e liderança deu uma lição interna e externa, que infelizmente a maior parte das pessoas não percebeu e deixou passar ao lado. Permita-me ler uma passagem da mensagem que sua excelência, o meu comandante (que ao dizer isto sinto-me comovido). Na sua simplicidade, ele diz isto e eu vou citá-lo.
Na mensagem de despedida…
Sim. Entre muitas outras coisas, que grandeza. E eu vou descodificá-la como sinto na minha alma. Diz ele, a determinada altura. “Existem, no entanto” – e este "no entanto" vem em relação ao que vinha a dizer anteriormente, apelando à serenidade da instituição e à continuidade dos valores. Este “no entanto” é de uma grandeza extraordinária. “Existem, no entanto, momentos no percurso dos militares em que a defesa dos princípios da ética e da honra, bem como o cumprimento de deveres militares, como os de tutela” – porque o chefe, nos seus deveres militares, tem o dever de tutela, e o senhor ministro também tem –, “e de responsabilidade impõem que se actue perante as circunstâncias”. E o que é que isto significa? “Princípios da ética: é básico para um militar. Quando damos as nossas missões de ‘leadership’. Não há liderança sem ética. E nós militares cultivamos uma coisa que é a acção de comando. Na acção de comando, o primeiro responsável é o comandante de topo. Senhor ministro, preste atenção. O tenente-coronel nada fez de reprovar. Logo, o general chefe assumiu ao seu nível, percebendo que o senhor tenente-coronel poderia querer, e haveria intenções de o crucificar. Ele nada fez. Mas mesmo que o senhor tenente-coronel tivesse alguma coisa de reprovável, era uma coisa da exclusiva competência do chefe. Mas neste caso ele não fez.
Ou seja, se teria de haver consequências, e como o chefe militar não poderia actuar perante aquilo que considerava não ter havido qualquer erro, demitiu-se.
Mas não é o “poder”, é o “não dever”. Pela questão de ética, em que em defesa dos princípios da defesa da ética e da honra, mas acima de tudo da ética, bem como o cumprimento dos deveres de tutela e responsabilidade. Está aqui esta primeira vertente. Ele é o primeiro responsável. Se ele tivesse alguma coisa para fazer ou dizer ao senhor tenente-coronel era a ele que lhe competia, não era ao senhor ministro. E o senhor ministro não precisava de dizer absolutamente nada. Porque quem tem o sentido dos princípios do cumprimento da ética e dos deveres militares e de tutela sabe muito bem o que fazer. E não tem que nada que fazer, o seu dever de tutela é atravessar-se, pôr-se à frente, dizer “o problema é meu, eu é que sou o comandante” e a seguir, voltando aos princípios da ética, mais uma vez, é que aqui, está aqui o cerne de o nosso chefe se demitir. Ele demite-se porque perdeu, está ferido de morte, a confiança institucional que tem como ministro, que não foi capaz de perceber as relações de dignidade da ética e de relacionamento institucional. E o senhor general chefe perdeu naquele momento a confiança com o senhor ministro. Como é que possível ser chefe e, ter perdido a confiança no seu ministro que deveria ser o responsável pela tutela e que devia ser conhecedor e sabedor destes princípios? Não foi capaz de perceber uma vírgula neste sentido. Cedeu a pressões e exerceu pressões sobre uma instituição que tem dignidade.
Então, quer dizer que o ministro da Defesa não conhece os fundamentos das Forças Armadas?
Não tem conhecimento nenhum. Perante isto, só tenho uma palavra a dizer: “o senhor ministro devia pôr os olhos no senhor general chefe, que foi o único digno deste processo absoluto. E tirar uma lição muito clara: já não está à altura do cargo que está a desempenhar. Já devia estar demissionário. É que quando ele perdeu a confiança no general-chefe e fez o que fez, ele já não tem a confiança de nenhum militar. Qual é a cara dele para tutelar a instituição militar? Demita-se, senhor ministro. Já não merece respeito, vá-se embora.
E agora? Já tomou posse o substituto de Carlos Jerónimo. Isto significa que vai ficar por aqui, acabou-se este assunto, morre aqui?
Espero bem que não. Espero que o senhor ministro tenha um rebate de consciência. Já não tem condições para estar. E deixe-me falar da alma de um homem que viveu 44 anos de vida militar, mas que nunca saiu da instituição. Que prazer eu tinha quando eu era capitão de comandar uma companhia de guarda de honra a fosse a quem fosse. Felizmente tive a felicidade de nunca ter na minha frente uma entidade em relação à qual eu não tinha qualquer respeito. Eu deixo isto no ar. Que cara tem o senhor ministro que faltou ao respeito de uma instituição num dia de receber uma guarda de honra quando ele já não merece honra nenhuma nem guarda de honra nenhuma? Eu não gostaria de ser o capitão que estivesse nessa formatura. Tive oportunidade de ver o senhor ministro a passar uma guarda de honra sem gravata. Isto revela também o que o senhor ministro é. Eu não vou fazer comentários políticos, quem sou eu para dizer qual é o uniforme que o senhor ministro veste. Os militares estão fardados a rigor, se os militares os recebem com cerimónia de espada e condecorações. O que é isto, senhor ministro, vir sem gravata passar uma revista à guarda de honra?
Considera que é uma falta de respeito?
É uma falta de respeito total. Ele pode ser o homem mais simples do mundo, mas falta ao respeito e começa mal quanto mais não fosse por isso, devia rever a sua atitude. A questão da substituição não podia deixar de ser de outra maneira. A instituição militar tem que continuar, não pode deixar nem ficar sem comando. É evidente que no entretanto tem um número dois que assume o comando, mas na instituição a hierarquia tem que ser reposta e a instituição é disciplinada. A instituição aceita hierarquia desde que seja uma hierarquia respeitada por si.
E a escolha foi a mais acertada?
Sim, o general Rovisco Duarte é um homem com verticalidade, um homem de princípios, um homem com estatura. É uma pessoa sabedora, uma pessoa respeitadora dos seus homens, reconhecido dentro da instituição militar. Naturalmente é aplaudido pelos militares a partir de hoje.
Fale-me um pouco de Rovisco Duarte… Qual é o seu percurso?
É um homem de grande valor. Tem um percurso variado, mas acima de tudo um homem militar, conhecedor da componente operacional do exército. Um homem que tem uma componente também de Estado-Maior, de professor, de mestre, um homem sabedor e conhecedor do exército, que viveu as amarguras de três transformações que o exército sofreu estes últimos anos, que é obra. E ele foi um dos homens que suou a camisola, que estudou, que planeou e que viveu as amarguras de todo um processo contínuo de transformação. Foi uma boa escolha, havia outros naturalmente, mas ele foi uma boa escolha.
E aceita esta nomeação num momento difícil?
Não tinha alternativa senão aceitar.
Mas de facto é um momento difícil, é um homem que vai manter-se fiel aos princípios que Carlos Jerónimo defendeu com esta atitude?
Não tenho quaisquer dúvidas, absolutamente. Conheço bem o general Jerónimo, conheço bem a estatura geral de Rovisco Duarte.
E em relação ao Colégio Militar? Por isso é que diz que nada vai acontecer?
Absolutamente. Atenção, e não confundamos as coisas, porque a instituição militar tem uma coisa salutar: ninguém fica nas posições de segundo comandante ou de comandante durante muito tempo. Mas quando porventura o tenente-coronel Grilo sair das funções que tem, o que irá com certeza acontecer, pela comissão que prestou. Não tenho quaisquer dúvidas.
Mas não acha necessário investir na mudança de mentalidade dos alunos do Colégio Militar, quanto a essa questão da presença de homossexuais?
A mentalidade dos alunos do Colégio Militar não é diferente da mentalidade de qualquer escola. Portanto, a mentalidade irá mudando à medida que a mentalidade do nosso país e da nossa sociedade for mudando.
E tem a ver com a própria idade também?
Absolutamente, porque estas circunstâncias acontecem em qualquer escola naturalmente. Portanto compete sim, e naturalmente, às direcções estar atento às circunstâncias e simultaneamente ir actuando correctivamente, actuando, ponderando e tomando as medidas em cada caso, que não foi que aquilo que o senhor tenente-coronel referiu.
Não concorda que a direcção tolere e aceite esse tipo de comportamentos?
Mas isso não acontece, o problema não estava no domínio da discriminação, estava apenas e tão só e tem que ser posto no domínio de acompanhamento das circunstâncias, de corrigir as situações que são corrigíveis e em primeiro lugar salvaguardando o equilíbrio do jovem, o equilíbrio do miúdo, da criança. É isto que está em causa, mas infelizmente não foi isso que foi visto. Qual seria agora a actuação, o barulho social se houvesse umas relações de afectos dentro de um internato entre um rapazito e uma rapariga. Qual era a reacção pública se o tenente-coronel tivesse dito que actuaria exactamente da mesma maneira, ele teria que actuar exactamente da mesma maneira. Teria que chamar os pais.
Mas aqui vai mais além, é a simples existência de homossexuais que não é tolerada pelos alunos…
Já fui jovem também. A gente que vive o internato já na juventude, a gente sabe que a simples percepção de que pode haver não é suficiente nem nunca foi, na década de 70, onde eu vivi para se exercer qualquer tipo de discriminação ou pressão e eu sou testemunha. Na década de 70, numa instituição pautada apenas do homem e numa perspectiva de uma instituição que era bem mais conservadora do que hoje poderá vir a ser nestes domínios.
A simples percepção não basta?
Não, não basta nem nunca foi e daí que uma das palavras que o senhor coronel utiliza seja os afectos. Uma manifestação seja ela homossexual ou heterossexual. Eu quero evitar entrar por aí, porque como deve imaginar em 44 anos de vida militar, que passei, percorri os postos todos. Acha que eu nunca tive circunstância dos dois níveis? Acha que alguma vez houve algum chinfrim deste tipo? Minha senhora, senhora doutora, quantas! Quantas! E já como coronel.
E como é que se lida?
É caso a caso. Preferia não abordá-los, porque ao fazê-lo estaria a personalizar as coisas. Tudo isto foi resolvido, e tive várias questões ao longo da minha vida, mais até no domínio heterossexual, confesso, naturalmente a partir do momento em que entraram as mulheres na instituição militar, mas que se foram resolvendo caso a caso.
Neste caso, acha que foi empolado?
Absolutamente. Mais uma vez eu repito aquilo que disse. O senhor ministro, uma das primeiras falhas que teve, é que uma pessoa que exerce um cargo de tutela, um comandante tem de ter serenidade perante as pressões de tendências ou pressões sociais. Eu não vou discutir a legitimidade dessas pressões, são normais, vivemos num país que é assim, vivemos num mundo que é feito disto. Mas quem está à frente de um cargo desta natureza, uma das primeiras coisas que se lhe pede é serenidade. Ele não a teve, mas isso até era desculpável. O que não é desculpável é a ingerência e entrar pelas competências que não são dele.
E isso, na sua opinião, deveria ter consequências?
Absolutamente. Ele que pergunte, interrogue-se quando for fazer a barba de manhã, se a palavra “honra” lhe diz qualquer coisa. Quando ele for passar a revista, interrogue-se o que o capitão e os soldados que tem à sua frente pensam dele e tanto faz se leva a gravata ou não. Porque se não leva a gravata já está a faltar ao respeito por ali, mas isso é um problema menor. Agora já está na moda.