08 abr, 2016 - 11:00 • Filipe d'Avillez
São muitos os desafios que se colocam às famílias modernas, mas o Papa reconhece que não existe um “estereótipo de família ideal” e que as dificuldades variam consoante a realidade social e geográfica. Na exortação apostólica sobre família, divulgada esta sexta-feira, o Papa rejeita ainda uma visão "machista" que aponta a emancipação da mulher como responsável pela crise das famílias.
“Este argumento não é válido”, diz o Papa, “trata-se de uma forma de machismo”.
“A idêntica dignidade entre o homem e a mulher impele a alegrar-nos com a superação de velhas formas de discriminação e o desenvolvimento dum estilo de reciprocidade dentro das famílias", escreve o Papa no texto, que surge na sequência do sínodo dos bispos sobre a família.
"Se aparecem formas de feminismo que não podemos considerar adequadas, de igual modo admiramos a obra do Espírito no reconhecimento mais claro da dignidade da mulher e dos seus direitos.”
Individualismo “desvirtua laços familiares”
Depois de um capítulo introdutório, Francisco dedica o segundo capítulo da sua exortação apostólica pós-sinodal aos desafios e dificuldades que as famílias enfrentam actualmente, começando pelo perigo do individualismo, que “desvirtua os laços familiares e acaba por considerar cada componente da família como uma ilha”.
Trata-se do lado negro de uma coisa que em si é boa, explica o Papa. “A liberdade de escolher permite projectar a própria vida e cultivar o melhor de si mesmo, mas, se não se tiver objectivos nobres e disciplina pessoal, degenera numa incapacidade de se dar generosamente.”
Apontam-se baterias aos problemas sociais, à pobreza e à precariedade bem como as dificuldades postas pelo envelhecimento da população em muitos países, sobretudo ocidentais, e o acolhimento dos deficientes.
Igreja age “na defensiva”
A cultura do descarte e do provisório é também aqui um factor, explica Francisco, dando como exemplo a “rapidez com que as pessoas passam de uma relação afectiva para outra. Crêem que o amor, como acontece nas redes sociais, se possa conectar ou desconectar ao gosto do consumidor e inclusive bloquear rapidamente”.
Mas, diz o Papa, a Igreja também tem culpas no cartório, sobretudo pela forma como tem promovido o casamento. “Muitas vezes apresentámos de tal maneira o matrimónio que o seu fim unitivo, o convite a crescer no amor e o ideal de ajuda mútua ficaram ofuscados por uma ênfase quase exclusiva no dever da procriação”.
“Muitas vezes agimos na defensiva e gastámos as energias pastorais multiplicando os ataques ao mundo decadente, com pouca capacidade de propor e indicar caminhos de felicidade. Muitos não sentem a mensagem da Igreja sobre o matrimónio e a família como um reflexo claro da pregação e das atitudes de Jesus.”
O Papa também sublinha as dificuldades impostas pelo poder político, lamentando as políticas antinatalidade e recordando que os ataques à família enfraquecem a própria sociedade.
“Ninguém pode pensar que o enfraquecimento da família como sociedade natural fundada no matrimónio seja algo que beneficia a sociedade. Antes pelo contrário, prejudica o amadurecimento das pessoas, o cultivo dos valores comunitários e o desenvolvimento ético das cidades e das aldeias.”
Contra a teoria do género
Francisco lamenta também qualquer forma de violência sobre as mulheres, incluindo a mutilação genital feminina, que ainda se pratica em algumas culturas, mas aponta também para a enorme ameaça social que é a ausência da figura paternal nas famílias, seja por separação do casal, porque o marido se encontra distante ou porque o pai simplesmente não tem tempo para ser uma presença activa na vida dos filhos.
Francisco critica a teoria do género, que “nega a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher. Prevê uma sociedade sem diferenças de sexo, e esvazia a base antropológica da família”, procurando ainda “impor-se como pensamento único que determina até mesmo a educação das crianças”.
Francisco critica também as ideias demasiado rígidas sobre o papel dos homens e das mulheres, esclarecendo que a masculinidade de um pai não fica de forma alguma diminuída por ter de se responsabilizar por algumas tarefas domésticas quando as mulheres optam por ter uma carreira.
A exortação apostólica “A Alegria do Amor” tem mais de 250 páginas e divide-se em nove capítulos que pretendem abarcar os principais desafios que se colocam à família nos tempos modernos, incluindo a espiritualidade conjugal, a importância da educação dos filhos e dois capítulos mais profundos e catequéticos sobre o amor conjugal e o acesso aos sacramentos por parte de divorciados recasados.
Embora tenha data de 19 de Março, dia de São José, o texto só foi tornado público esta sexta-feira, dia 8 de Abril.