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De estágio em estágio até ao emprego. Ou não

22 dez, 2015 - 09:21 • Ana Carrilho

Governo quer combater abuso dos estágios por parte das empresas. Jovens e sindicatos queixam-se de precariedade. E Jean-Claude Juncker admite que as antigas formas “atípicas” de emprego são agora “típicas”.

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Oiça aqui a reportagem de Ana Carrilho

Os estágios não podem ser uma garantia de trabalho, mas é preciso que as políticas activas de emprego resultem cada vez mais em postos de trabalho com contratos sem termo. É o que defende o secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita, em entrevista à Renascença.

No cargo há menos de um mês, Miguel Cabrita admite que é preciso estudar com mais profundidade o dossiê das medidas abrangidas pela “Garantia Jovem”. Mas deixa claro que a atitude das empresas que apostam na rodagem de estagiários pagos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) tem que mudar.

Que o digam os muitos jovens que já passaram pelos estágios profissionais e estágios-emprego sem, no fim, conseguirem um contrato de trabalho ou recebendo apenas uma oferta de trabalho precário.

João foi para Londres tentar ser arquitecto

João, Francisco e Aldara passaram pela experiência e vivem agora experiências diferentes.

João Carvalho deixou para trás a namorada, a família e os amigos e, em vésperas de Natal, rumou à capital inglesa. Enquanto trabalha num hostel por comida e dormida, aproveita para apresentar o portefólio nos diversos ateliês de Londres que levou como referência.

João vai tentar ser arquitecto em Inglaterra porque, em Portugal, no ateliê onde fez um estágio-emprego sem horas de saída, feriados ou fins-de-semana, apenas lhe ofereceram trabalho a recibos verdes.

“750 euros, mas como havia pouco trabalho, eu já sabia que ela [a arquitecta responsável pelo ateliê] rapidamente me iria propor trabalhar a tempo parcial e só ganharia 375 euros. Preferi sair, pedir o subsídio e ir à procura de outro emprego”, revelou.

Francisco e Aldara já têm contrato sem termo

Francisco e Aldara estão em Portugal. Conseguiram um contrato sem termo numa empresa que se dedica à análise de conteúdos nas redes sociais, a GBSN. Mas nos últimos dois anos passaram por estágios.

Francisco fez um estágio não remunerado num jornal à espera do estágio profissional de um ano subsidiado. Sem o prometido estágio, aguentou oito meses a recibos verdes. Quando saiu, a empresa repetiu o ciclo com outra estagiária.

Aldara fez o curso de Jornalismo em Coimbra e depois voltou a Braga, terra-natal. Durante um ano fez produção radiofónica sem contrato. Depois, como a empresa já não podia ter mais estagiários, inscreveu-a no centro de emprego como candidata ao estágio-emprego em nome de uma associação a que estava ligada. Mas o trabalho continuou a ser o mesmo.

A situação complicou-se no dia em que Aldara teve um acidente e o seguro não pôde ser accionado. Razão: “Se oficialmente trabalhava num escritório, não fazia sentido que estivesse na estrada, em trabalho, num concelho completamente diferente.”

No Verão desceu à capital e, depois de algumas experiências profissionais esporádicas, entrou na GBSN Research, tal como Francisco.

“Queremos que as pessoas fiquem cá e que cresçam com a empresa”, diz Cady Gomes, sócia da GBSN. “Por isso, todos têm contrato sem termo”.

Ainda assim, a empresa candidatou-se aos apoios para estágio-emprego financiados pelo programa “Garantia Jovem”. O dinheiro ainda não chegou, mas Cady Gomes assume que seria uma boa ajuda para esta “startup” em fase de crescimento.

“Garantia Jovem” precisa de mudanças

O programa “Garantia Jovem” tem como objectivo dar oportunidade aos jovens da União Europeia com menos de 30 anos de fazerem uma formação, estágio ou terem emprego no prazo de quatro meses depois de ficarem desempregados ou deixarem o sistema de ensino. E aumentar a qualificação, facilitar a entrada no mercado de trabalho e reduzir o desemprego jovem, um dos graves problemas com que a União Europeia se debate.

Na maior parte dos 28 da UE, o programa está longe de atingir os seus objectivos, criar emprego para os mais jovens. Há empresas que usam e abusam dos estágios financiados pelos serviços de emprego, em vez de criarem os postos de trabalho de que precisam permanentemente, com os respectivos contratos sem termo.

O desemprego jovem na União Europeia foi uma das preocupações centrais no recente congresso da CES – Confederação Europeia de Sindicatos, que decorreu em Paris.

No congresso, o coordenador do departamento de Juventude da organização sindical europeia, Salvatore Marra, deixou claro que “os jovens estão fartos de ouvir dizer que são o futuro e querem ter, agora, um presente. Com oportunidades de emprego estáveis e salários que lhes permitam ter uma vida digna e constituir família”.

Em entrevista à Renascença, Salvatore Marra revelou o caderno de encargos que entregou à Comissão Europeia. A CES quer assegurar que o programa “Garantia Jovem” e o financiamento das suas medidas continuam para além de 2016, mas também que as políticas activas vão estar mais ligadas ao emprego e à formação.

Para isso é preciso investimento público e privado na criação de emprego. E em todas estas matérias, “é preciso que os jovens e as suas organizações de juventude sejam ouvidas como parceiros”, sublinha Salvatore Marra.

Na abertura do congresso, Jean-Claude Juncker prometeu mudanças no programa e considerou que não é normal que as formas antes referidas como “atípicas” de emprego sejam agora “típicas”.

Juncker defendeu que o contrato sem termo deve ser o vínculo normal. “Se as empresas precisam de previsibilidade, os trabalhadores também.”

Esta reportagem foi produzida no âmbito da parceria entre a Renascença e a Euranet Plus, rede europeia de rádios

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