01 ago, 2024 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e David Santiago (Público)
VEJA TAMBÉM:
O ministro de Estado e das Finanças alerta para as consequências de a proposta de Orçamento do Estado (OE2025) vir a ser chumbada pelo Parlamento e assume que, em caso de o país passar a viver em duodécimos, será preciso “avaliar” que aplicação terão medidas já aprovadas pelo Governo como, por exemplo, a recuperação integral do tempo de serviço dos professores.
Joaquim Miranda Sarmento anuncia, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, que a taxa de retenção de IRS em setembro será “mais baixa” do que a partir de outubro. O ministro de Estado e das Finanças levanta assim o véu sobre o mecanismo que o Governo irá adotar para aplicar já este ano a devolução do IRS e que ainda está a ser “calibrado”.
Ainda em relação ao IRS, Miranda Sarmento insiste que a aplicação já este ano da redução do imposto viola a norma-travão da lei de enquadramento orçamental e mantém em aberto pedir a fiscalização sucessiva do diploma do PS, mesmo após a promulgação pelo Presidente da República. Questionado sobre essa possibilidade, o ministro das Finanças responde com um “vamos avaliar”, revelando implicitamente que o Governo ainda não descartou essa possibilidade.
Em relação ao IRS, quando é que o Governo vai publicar o despacho com as novas tabelas de retenção na fonte?
Esperamos fazê-lo o mais rapidamente possível, em princípio na segunda quinzena de agosto.
Como é que vai funcionar o mecanismo de devolução?
O mecanismo de devolução, à partida, funcionará da seguinte forma, estou a dizer à partida porque ainda estamos a calibrá-lo: haverá uma taxa de retenção na fonte de setembro mais baixa do que aquela que depois vai vigorar a partir de outubro.
Serão duas tabelas?
Sim. Essa taxa de setembro fará, dentro daquilo que é possível para um universo de mais de 3 milhões de agregados familiares, aquilo que seria o acerto entre janeiro e agosto, mais uma vez, dentro daquilo que é possível, e depois a partir de outubro vigorarão as novas tabelas de retenção na fonte, de acordo com aquilo que foi aprovado no Parlamento.
Ainda sobre o IRS, desapareceram as dúvidas sobre constitucionalidade, a possibilidade de violar a norma-travão?
Do meu lado não, mas a quem competia, o Parlamento, entendeu, os serviços do Parlamento entenderam que as propostas dos partidos não violavam a norma-travão, nem violava o direito de iniciativa. O senhor Presidente da República entendeu não pedir a fiscalização preventiva. Eu não sou jurista, mas na minha opinião viola a lei travão.
Não vai haver fiscalização sucessiva…
A presidente do Conselho de Finanças Públicas, que além de ser uma especialista em finanças públicas, tem a vantagem de ser jurista, disse que também concordava com a minha opinião, tem havido mais juristas. Mantenho a minha opinião, o Governo tomará uma decisão a seu tempo.
Mas essa decisão pode passar por um pedido de fiscalização sucessiva?
Vamos avaliar.
Voltando à tal margem reduzida que há para negociar no Orçamento, o Governo vai insistir no âmbito do próximo orçamento numa descida do IRS, no fundo na descida do IRS que o Governo defendia, ou seja, que chegasse também aos escalões mais altos?
Vamos avaliar. Vamos avaliar em função daquilo que for a margem orçamental. Nós, em setembro, outubro, já teremos estimativas mais robustas do que aquelas que temos agora. E depois dependerá, obviamente, também daquilo que for o decorrer das negociações.
Mas essa mexida no IRS para aproximar daquilo que o Governo pretendia à partida, não esgotará a pouca margem que há para negociar no orçamento do próximo ano?
Vamos avaliar.
Mas pode esgotar?
Não sei se esgota ou não, obviamente, quanto mais medidas, menor é a margem. As negociações são dinâmicas e, portanto, mais uma vez, não vale a pena partir com limites muito fixados que não sejam o não desvirtuar o Programa do Governo.
É adepto daquela tese manifestada pelo conselheiro de Estado e ex-líder do PSD, Marques Mendes, que tendo o Governo agora cedido na aplicação da baixa do IRS já este ano, o PS fica com menos condições para votar contra o Orçamento do Estado?
O país precisa de um Orçamento do Estado para 2025 e 2026. Por uma questão de estabilidade e porque os portugueses estão cansados da instabilidade que nem uma maioria absoluta do PS evitou. E precisa também para podermos executar o PRR.
É muito importante executar o PRR até 31 de dezembro de 2026. E o PRR é, em 2025 e 2026, também um fator de redução da margem orçamental. O PRR tem 22 mil milhões de euros: 16 mil milhões são subvenções, que são neutras do ponto de vista orçamental, mas depois tem 6 mil milhões, decididos pelo anterior Governo, que começou por pedir apenas 1,5 mil milhões e depois aumentou para 6 mil milhões. Tem 6 mil milhões de empréstimos que são despesa e não são receita. Em 2025, estamos a falar, se executarmos todo o PRR, de 1,5 mil milhões de empréstimos PRR, despesa que não tem receita. E em 2026, quase 3 mil milhões de euros de empréstimos PRR, despesa que não tem receita. Essas duas componentes retiram muita margem orçamental à atuação deste Governo ou de qualquer outro se quisermos executar a totalidade do PRR. O Governo está muito comprometido a chegar a 31 de dezembro de 2026 com o PRR executado a 100%.
Para isso e para a estabilidade do país e para as decisões de investimento das empresas, criação de emprego e melhores salários, para o país é muito importante, é fundamental, que o Orçamento de 2025 e o Orçamento de 2026 sejam aprovados sem serem desvirtuados.
Hora da Verdade
Duas semanas depois das reuniões com os partidos p(...)
A quinta tranche do PRR, já tem uma ideia de quando é que pode ser libertada?
Creio que, se tudo correr de acordo com o expectável, ela será libertada no final de setembro, início de outubro. Entretanto, já foram libertados uma parte significativa da terceira e quarta tranche que estavam retidas por atrasos que decorreram do PRR, atrasos que nós já recuperámos e, portanto, a quinta tranche foi pedida dentro do prazo previsto, o que também foi uma vitória devido aos atrasos com que o PRR vinha e a nossa expectativa é que o pagamento seja também já dentro dos prazos e que, a partir de agora, se não houver crise política e havendo um Orçamento de Estado que não seja desfigurado ou desvirtuado, se execute todo PRR até o final de 2026.
O Governo está a negociar com a Comissão Europeia aquilo que é o novo fator-chave das novas regras orçamentais, uma espécie de teto à despesa. Qual foi o limite de crescimento da despesa primária líquida que foi recomendado pela Comissão Europeia? As medidas já aprovadas ao longo desta governação, seja pelo Parlamento, seja pelo Governo, põem em causa esse teto da despesa?
Em primeiro lugar, é importante compreendermos que há novas regras orçamentais europeias e o paradigma alterou-se. Aquilo que a Comissão Europeia vai avaliar é a trajetória de sustentabilidade da dívida e a trajetória numa situação económica normal e, depois, a trajetória perante choques adversos.
É essa trajetória que estabelece uma proposta de tetos de despesa e uma conta de controlo para os desvios que possam existir a esses tetos de despesa. Estamos em processo de negociação com os serviços da Comissão. Neste momento, com a informação que temos e com as medidas que o Governo tomou e ainda tomará no âmbito do seu programa, estamos relativamente confortáveis de que cumpriremos essa trajetória de sustentabilidade da dívida e que cumpriremos os limites da conta de controlo para os quatro anos do exercício 2025-2028.
Mais uma vez, se não houver um desvirtuamento daquilo que é o plano orçamental do Governo, que depois é traduzido nos Orçamentos do Estado, estamos confortáveis de que teremos uma trajetória de sustentabilidade da dívida e uma análise por parte da Comissão Europeia que nos permitirá acomodar as medidas do Governo.
Pode dar uma expressão mais concreta do que é esse desvirtuar, a partir de quanto é que é possível violar o teto de despesa?
E antes disso, se desvirtuarmos o programa orçamental do Governo, podemos mesmo não cumprir a trajetória de sustentabilidade da dívida. Estamos a trabalhar com um cenário em que há um excedente orçamental de 0,2%-0,3%. Se o Parlamento aprovar medidas que nos coloquem num défice, isso torna muito mais difícil o cumprimento das regras orçamentais.
Se cumprimos o teto de despesa e a conta de controle, temos um saldo orçamental equilibrado. Se o Parlamento tomar medidas que desequilibrem o saldo orçamental, as outras duas condições ficam comprometidas e, portanto, o que eu estou a dizer é, com a informação que conhecemos à data de hoje, com as medidas que o Governo tem no seu programa, as que já decidiu e as que ainda tem para decidir, olhamos para os quatro anos, 2025-2028, com conforto de que cumpriremos as regras orçamentais.
É obrigatório por lei divulgar no âmbito das GOP o valor dos quadros plurianuais de despesa. O PS tem pressionado, o próprio presidente da Assembleia da República já pediu esse elemento. Como é que o Governo vai justificar o não cumprimento desta exigência?
Temos novas regras orçamentais que determinam um novo paradigma. Uma das coisas que o país vai ter de fazer, o Parlamento, porque é a sua competência, no final deste ano ou no início do próximo, é fazer uma revisão da lei de enquadramento orçamental.
Antes de irmos às GOP, a própria lei de enquadramento orçamental tem regras orçamentais e calendários que neste momento estão desatualizados, estão desfasados daquilo que são as regras orçamentais europeias.
Como as próprias regras orçamentais europeias, estando já relativamente definidas, ainda têm alguns aspetos que são sujeitos a avaliação técnica e a decisão, o próprio processo na Comissão Europeia e esta transição de comissões também não ajuda a que o processo seja mais expedito. Não está totalmente fechado e também não é possível alterar a lei de enquadramento orçamental se ainda não temos todo o figurino europeu fechado.
No final do ano, início do próximo, apresentaremos uma proposta à Assembleia da República de alteração da lei de enquadramento orçamental, para ajustar aquilo que são as novas regras orçamentais europeias, depois teremos uma segunda discussão, se ainda queremos alterar mais coisas na lei de enquadramento orçamental, que não decorram destas obrigações europeias.
O Governo pretende alterar mais alguma coisa?
É algo que estamos a analisar, por exemplo, se faz sentido aumentar o prazo de discussão do Orçamento no Parlamento. Portugal tem um dos prazos mais curtos na OCDE. Há um conjunto de temas para lá daquilo que é a revisão mínima que decorre da mudança das regras europeias, e, portanto, até seria desprestigiante para o Parlamento um quadro sobre o qual nós não temos uma certeza.
A negociação com a Comissão ainda está muito em aberto?
A negociação ainda está em aberto e, portanto, qualquer quadro que tivéssemos apresentado não nos dava a robustez necessária para aquilo que deve ir para o Parlamento.
É possível que o Governo só tenha o conhecimento desse teto da despesa já próximo da apresentação da própria proposta orçamental. Isso não vai dificultar as negociações, logo no arranque de setembro, com os partidos, uma vez que não se vai conhecer até onde é que se pode ir?
Essa é naturalmente outra dificuldade, mas volto a um ponto que já referi atrás. Nós estamos a trabalhar com um saldo orçamental de 0,2%-0,3%. Uma das regras é ter um saldo orçamental equilibrado. Os limites estão fixados por aí, independentemente que depois daquilo que possam ser um pouco mais ou um pouco menos os tetos de despesa.
O que eu creio que não seria respeitoso para com o Parlamento seria apresentarmos um quadro plurianual de despesa que depois, fruto das negociações com a Comissão Europeia, pudesse não estar alinhado com aquilo que venha a ser apresentado em Outubro, quer no orçamento, quer no programa orçamental europeu de médio prazo.
Se a proposta de Orçamento do Estado não for aprovada, o país tem fatalmente de ir para eleições ou pode ficar em duodécimos, como já defendeu o ex-Presidente da República Cavaco Silva?
Isso é uma decisão que os agentes políticos terão que tomar, em primeiro lugar, o senhor Presidente da República.
Gostava então de perguntar-lhe sobre as condições de o país ficar em duodécimos.
As condições de o país ficar em duodécimos são conhecidas. Um orçamento em duodécimos significa que, com exceção da despesa de juros e de prestações sociais, porque essas estão excluídas por lei, por razões simples, para garantir que a dívida continue a ser paga, e que as prestações sociais cujos aumentos decorrem da lei são pagos, todas as outras despesas só podem ser executadas um doze avos em cada mês, face àquilo que era o orçamento anterior. E, portanto, limita muito a atuação do Governo, a execução do PRR.
E não permite ao Governo aplicar o Programa do Governo. Portanto, no fundo, é um desvirtuar dos objetivos do Governo?
Depende, se as medidas fiscais são ou não aprovadas.
Mas há medidas que, entretanto, já foram aprovadas, quer pelo Parlamento, quer pelo próprio Governo. Em que é que ficam essas medidas? Por exemplo, a recuperação do tempo de serviço integral dos professores. Pode ser aplicado ou não, em caso de duodécimos?
Teremos de avaliar, dentro daquilo que é os plafonds de cada ministério, a centralizada do Ministério das Finanças e a regra dos duodécimos. Não estou em condições para dizer se sim ou se não. O que estou em condições para dizer é que, se o país tiver de viver com duodécimos, isso agrava a instabilidade e dificulta o investimento das empresas e agrava e dificulta muito a execução do PRR.
Tivemos há dias uma greve nacional de médicos que, mais uma vez, reivindicam aumentos de salários. É possível incluir mexidas nas grelhas salariais dos médicos neste Orçamento do Estado ou terá de ficar para 2026?
O que está decidido com os sindicatos dos médicos é que essas negociações se iniciam em janeiro de 2025.
Antes não é possível?
Neste momento o que está decidido é isso.
Os médicos continuam a fazer greves e a reivindicar outras medidas.
Veremos. A realidade é sempre dinâmica. Neste momento, à data de hoje, aquilo que a senhora ministra da Saúde tem combinado com os sindicatos, ou pelo menos com uma parte dos sindicatos, é que inicia negociações sobre carreiras em Janeiro e até janeiro negoceia outros aspetos da profissão, nomeadamente a avaliação do Siadap.
E não é possível, antes disso, responder aos profissionais?
Veremos.
Isso deixa a porta aberta, como sabe.
Nem aberta, nem fechada. Neste momento, o que está decidido é janeiro de 2025. Se está decidido entre as partes, à partida é aquilo que será cumprido.
E é possível andar, por exemplo, mais depressa, em relação à recuperação do tempo de serviço dos professores?
Não, foi assinado com sete ou oito sindicatos do sector, que representam uma parte muito significativa, maioritária, dos professores, um acordo de recuperação estabelecido entre setembro deste ano e Setembro de 2027. É isso que está estabelecido e é isso que o Governo irá executar.
E há dinheiro para estas coisas todas?
Mais uma vez, com a execução do Programa do Governo, com o cenário macroeconómico que existe para a economia portuguesa, permite-nos manter excedentes orçamentais de 02%-0,3%, aplicando aquilo que são as medidas do Governo.
As forças de segurança têm defendido que tem havido uma certa intransigência, até por parte do primeiro-ministro, sobre questões salariais e até de suplementos. Vai ser possível ou não responder às reivindicações?
Há um acordo que foi firmado há um mês, sensivelmente.
Que já foi posto em causa por quem assinou o acordo, dizendo que se fosse agora não tinha assinado.
O acordo está assinado, da nossa parte iremos cumpri-lo integralmente.
Não é, de facto, possível ir mais além?
Não, não é possível ir mais além, porque há outras carreiras. Houve também que dar aos militares o mesmo que foi dado aos polícias, que nos pareceu algo de justiça. E há outros setores da Administração Pública.