01 out, 2015 - 09:19 • Joana Bourgard Dora Pires
À quarta-feira, na Serra do Caldeirão, é como se fosse domingo. Vem tudo cá abaixo a S. Brás de Alportel. O autocarro da câmara anda de monte em monte a apanhar gente às 9h00.
João Custódio demora mais que os outros, mesmo com recurso a um carro de supermercado para transportar os sacos até à paragem. Demora tanto a colocar e a retirar cada saco que denuncia logo ter mais energia na voz que no corpo: "É assim todas as quartas-feiras. Vimos comprar o que não temos lá em cima. Aquilo é uma serra que dava para 100 mil, para um milhão! Mas quando lá passam ninguém tira o pé da estrada!"
Sotero de Jesus, o motorista da autarquia, ajuda a arrumar tantos sacos. O autocarro de 53 lugares está composto. "Aqui há uns dez anos, mal cabiam, às vezes tínhamos que fazer dois autocarros de gente: um para os idosos, outro para os miúdos da escola", conta.
Há dois anos, Sotero transportou a última aluna da serra. Hoje, há lugares vagos no único autocarro. Às vezes, vem apenas um de 30 lugares.
Está tudo pronto, mas ainda não podemos embarcar. Antes, a equipa de apoio a idosos da GNR tem de subir e falar aos passageiros: "Não se esqueçam, nunca abrir a porta a quem não conhecem". Todos acenam que sim, com ar sério. "Com as jornalistas podem estar à vontade. Estão credenciadas, não há problema."
Com a ajuda dos agentes Rui Palma e Rui Filipe, podemos entrar. Temos 45 minutos para vencer algumas dezenas de olhos desconfiados. É quanto dura a viagem até à pontinha do concelho, perto do tecto do mundo.
São menos de 30 quilómetros. Sempre a subir, com muitas paragens: "Javali, Parizes, Cabeço do Velho, Cerro da Ursa e Lages. Depois é Tavira".
O relato é de Vitalina e Helena. Seguem lado a lado e conversam todo o caminho. Também guiam a viagem. "Aqui era uma escola primária, agora é um centro de convívio para idosos."
No banco ao lado, Helena veste toda de negro. Deixa escapar que também vive sozinha na serra, mas não se lamenta.
Prefere desviar a conversa: "O negro que por aí está, por essas encostas? É do fogo". Refere-se ao grande incêndio de 2012 que deixou cicatrizes profundas, na paisagem e na vida de quem se governava com a cortiça, o mel, o licor de medronho e as hortas.
Só mesmo quando se despede, já a descer os degraus do autocarro, Helena atira, de repente: "Se não fosse a Segurança Social, nem tinha onde morar. Fiquei sem nada. Nesse dia, ardeu tudo".
"Onde se nasce é que se quer morrer"
A viagem até S. Brás de Alportel é a grande aventura semanal. Esta semana há bónus. No próximo domingo o autocarro vem outra vez, ou melhor, vem duas vezes, de manhã e à tarde, à vontade do eleitor.
Não há candidato que se arrisque por estas curvas por tão pouco voto.
Nem toda a gente tem televisão. Custódio Martins é um deles. "Nem preciso, vejo muito mal, tenho 91 anos".
A telefonia serve muito bem. Todos garantem que estão informados e o voto decidido. Há muito tempo. É sempre o mesmo. Isso da política é como ser da serra: "Onde se nasce é que se quer morrer."