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Fora da Caixa

Cameron: a "cara" que vence e uma "coroa" política que desaba

08 mai, 2015 - 19:17 • José Pedro Frazão

Uma maioria absoluta, três demissões na oposição. A vitória dos conservadores pode ser decisiva no controlo do eurocepticismo que domina uma parte do partido, diz António Vitorino.

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Cameron. A cara que vence uma coroa política que desaba
Cameron. A cara que vence uma coroa política que desaba
As lideranças fazem muita diferença em política. Pedro Santana Lopes e António Vitorino consideram que David Cameron, o líder do Partido Conservador, venceu com mérito pessoal, tal como Ed Miliband tem responsabilidades pessoais na derrota dos trabalhistas.

"Há um grande mérito de Cameron, independentemente de se saber quem ganhou mais: Cameron ou o susto que as sondagens pregaram aos eleitores. Acho que Cameron acelerou bem na parte final. Geriu bem a campanha", assinala Santana Lopes no Fora da Caixa desta sexta-feira (para ouvir na Renascença a partir das 23h00).

O ex-primeiro-ministro reconhece ainda que o "susto da ingovernabilidade" terá pesado seguramente nas decisões finais, sobretudo nos indecisos.

António Vitorino diz que Cameron ganha no país e sobretudo no Partido Conservador.

"É uma vitória pessoal de Cameron, da estratégia que ele seguiu, aliás muito criticada dentro do Partido Conservador. O que o reforça, porque ele sempre foi um líder fraco. Sai reforçado destas eleições pela vitória pessoal", diz o antigo comissário europeu.

O resultado, afirma Vitorino, pode ser decisivo no controlo do eurocepticismo que domina uma parte do seu partido. “A forma como ele vai gerir este reforço da posição pessoal na questão europeia dentro do Partido Conservador vai ser decisiva. Ou ele vai voltar a deixar-se aprisionar pelos eurocépticos do seu partido ou vai conseguir ganhar a força política suficiente para fazer uma negociação europeia, confortável com o resultado eleitoral. Para isso, precisa de o fazer rapidamente – para não perder o estado de graça – e de contar com a boa vontade dos outros países europeus, que é algo não adquirido à partida”, observa Vitorino.

Ter mais votos para ser derrotado
As eleições fizeram três grandes baixas na liderança. Ed Miliband deixa o leme dos trabalhistas, Neil Farage não foi eleito e sai da liderança do eurocéptico UKIP e Nick Clegg abandona a presidência dos liberais.

Santana Lopes considera que Farage radicalizou demasiado o seu discurso, pagando isso nas urnas. "Teve um excesso de confiança a certa altura que o levou a confiar demasiado nesse tradicional cepticismo do seu país em relação à Europa. Aqui houve uma ponderação dos eleitores em favor da estabilidade, rejeitando a aventura que, num país tradicionalmente de governos estáveis, significaria uma fragmentação que poderia levar a um desvario em termos de estabilidade do sistema politico”, diz o antigo primeiro-ministro.

O sistema eleitoral inglês não foi meigo com o UKIP. Vitorino observa que este foi o partido que mais subiu face às últimas eleições, de 3% para 12,6%. Mas "elege apenas um deputado, ainda por cima um dissidente do Partido Conservador. Do ponto de vista da representação parlamentar, o UKIP é um derrotado. Mas vai manter a pressão sobre a questão europeia."

O desastre trabalhista
A derrota dos trabalhistas foi sentida com estrondo sobretudo na Escócia. A demissão de Ed Miliband não causa surpresa aos comentadores do Fora da Caixa.

"Há uma derrota pessoal do líder dos trabalhistas. O factor do líder pesou aqui também no resultado. Nunca se afirmou, nunca se impôs. Os debates até não lhe correram mal. Mas não empolgava", diz Santana. Vitorino assinala que "Miliband faz um resultado pior que Gordon Brown há cinco anos. E isso um partido não perdoa. Quando o líder consegue piorar o que o anterior, que perdeu, fez, não há hipótese."

E agora? Santana conclui que os trabalhistas ainda não conseguiram um verdadeiro sucessor para Tony Blair. Vitorino diz não alinhar em apostas. Ainda assim, "se tivesse um preferido, seria o irmão David Miliband, que está retirado da política. Vive nos Estados Unidos, o que não ajuda muito, embora se calhar a distância em relação ao objecto seja uma vantagem. Mas não creio que a um Miliband suceda outro Miliband".

A derrota trabalhista não ajuda David Cameron na gestão do processo escocês, adverte o antigo comissário europeu. "Os trabalhistas deixaram de ser interlocutores. Com a profundíssima derrota na Escócia, deixaram de ser protagonistas nesse debate. Cameron ganha um adversário reforçado – o Partido Nacional Escocês – e perde um aliado – o Partido Trabalhista".

Vitorino lembra que Cameron tem ainda que lidar com as diferentes sensibilidades dos conservadores neste tema. "Não há uma unanimidade dentro dos conservadores sobre o que deve ser devolvido à Escócia. Há quem tenha posições mais radicais. Boris Johnson defende um modelo federal puro, à alemã. Não é a posição de Cameron, que prevê uma devolução de poderes à Escócia com alguma contenção. É uma matéria que Cameron vai ter que negociar dentro do Partido Conservador".

Uma nova fase na relação com Bruxelas
Agora, com a força de uma reeleição sem coletes de coligação, Cameron será confrontado com a sua promessa de um referendo europeu em 2017. "Não tem maneira de escapar ao compromisso do referendo. É inevitável", prevê Vitorino, que acredita que o sentimento dominante em Bruxelas é a resignação face aos resultados.

"Que remédio", dirão na capital belga. "Agora sim, começa o verdadeiro jogo. Ou seja, o referendo é incontornável, a negociação vai abrir-se. Finalmente os britânicos vão ter que dizer ao que vêm porque até à data não foram muito explícitos sobre o caderno reivindicativo. Uma coisa é mudar os tratados sobre a liberdade de circulação. Outra coisa é regular essa liberdade de circulação na legislação secundária. E outra coisa são as orientações politicas que não exigem mudanças legislativas. Há todo um mundo de negociação que vai ter agora que ser clarificado e que vai ocupar a agenda europeia nos próximos meses".

A renegociação da parceria com a União Europeia é uma certeza para Santana Lopes. "Não estou a dizer que a União Europeia não admita grandes excepções. Infelizmente, está politicamente fraca, mas os outros países não estão dispostos a dar mais prerrogativas ao Reino Unido", observa o antigo chefe de governo, que admite que em Bruxelas a estabilidade política em Londres pode ser vista como uma ajuda. "A Europa precisa disso como pão para a boca."
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