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Migração. A líbia que esteve em Lisboa a apontar o dedo à Europa

12 mai, 2015 - 21:48 • Catarina Santos

A cimeira da União para o Mediterrâneo encheu-se de palavras nobres, lamentos, declarações de vontades e algumas acusações de hipocrisia. A mais sonante veio de Farida, que acusou o Ocidente de ter "fechado os olhos durante demasiado tempo" ao que se passa no Norte de África.

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A multiplicação de bandeiras no exterior do edifício, somada à multiplicação de polícias à entrada, anunciava momento de pompa. Quem passava em frente ao Parlamento comentava que estava “gente importante ali dentro”. Era “a política a mexer”, o que, segundo a presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, acontece “quando a realidade grita”.

Lá dentro, mais bandeiras nas bancadas a sublinhar a multiculturalidade dos representantes de mais de 40 países, reunidos em Lisboa para discutir o problema dos migrantes no Mediterrâneo e assinar uma declaração conjunta com dez recomendações sobre imigração, asilo e ajuda humanitária.

A cimeira da União para o Mediterrâneo encheu-se de palavras nobres, lamentos, declarações de vontades – e algumas acusações de hipocrisia. A mais sonante veio de uma das convidadas para discursar na abertura da sessão, que acusou o Ocidente de ter “fechado os olhos durante demasiado tempo” ao que se passa no Norte de África. Farida El Allagi é responsável da missão Líbia junto da União Europeia e veio a Lisboa “puxar as orelhas” à Europa.

Formada em Filosofia e Sociologia na Universidade de Benghazi, doutorada nos Estados Unidos, desde os anos de 1970 que se envolveu em movimentos de oposição a Muammar Khadafi. Só regressou à Líbia depois da Primavera Árabe. E diz que, por isso, sabe bem colocar-se na pele dos migrantes que atravessam o Mediterrâneo.

Sentiu-se “refugiada durante 42 anos debaixo do regime de Khadafi”, rejubilou com os primeiros sinais de revolução e não admite que coloquem em causa a iniciativa “daqueles jovens, daquelas mulheres”. O problema, acusa, é que depois de deposto o ditador todos “fizeram as malas foram-se embora”.

A Líbia “ficou com as fronteiras abertas durante quatro anos”, o poder caiu na rua e o terrorismo fermentou. “Avisámos e ninguém ouviu”, atira Farida de trás do arranjo floral do púlpito. “É uma crise global, uma crise global assustadora com um novo inimigo em comum: o autoproclamado Estado Islâmico”.

Por isso, por mais que veja “boa vontade” nas palavras que ouve na sessão plenária desta terça-feira, desconfia. Está farta de ver “resoluções e documentos” e quase amassa o arranjo para pedir que se pare de falar de papéis. “É tempo de agir”.

“A Europa demorou centenas de anos a sarar” as suas feridas, não é espectável que “a Líbia o faça em quatro anos”, sustenta. Muito menos se o Ocidente continuar a “virar costas”.

Impedir as viagens é a “resposta errada”
A Líbia é, actualmente, o viveiro maior das redes de tráfico de seres humanos instalada no Norte de África. Calcula-se que estejam nas suas costas muitos milhares de migrantes à espera da sua vez para tentarem a travessia.

Olhando para o panorama geral da região, “são 50 milhões de pessoas deslocadas de dentro dos seus países ou dos países vizinhos” e o director da Amnistia Internacional para a região da Europa e Ásia Central sabe que “não há uma solução mágica para estes desafios”. Mas John Dalhuisen vê o caminho ser feito ao contrário “se o objectivo global é reduzir o número de refugiados, de pedidos de asilo, de migrantes que procuram entrar na União Europeia”.

Decretar como objectivo principal para atacar o problema a destruição dos barcos dos traficantes na costa líbia parece-lhe a resposta errada à “maior crise de refugiados desde o final da II Guerra Mundial”. 

“Há claramente traficantes de pessoas a explorar as oportunidades financeiras que surgem com este drama humano. Eles fazem parte das pessoas com menos escrúpulos e repulsivas no planeta”, afirma Dalhuisen, mas “representam um sintoma e não a causa do problema que a União Europeia e os países do Mediterrâneo estão a enfrentar”.

Os desastres sucedem-se nos últimos anos. Só desde Janeiro estima-se que mais de 1.700 pessoas tenham morrido na travessia. “Enquanto a UE olhar para a questão da imigração como um jogo de números, irá haver sempre violação de direitos humanos”, sustentou o convidado da assembleia parlamentar da União para o Mediterrâneo, que juntou em Lisboa representantes de mais de 40 países.

- Reportagem "A Sul da Sorte"

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