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Germano Almeida. “Trump terá grande vantagem se apresentar acordo comercial com a China”

28 jun, 2019 - 12:57 • José Bastos

“Trump pode anunciar Novembro com um grande acordo comercial com a China. Talvez seja essa a grande notícia, a grande surpresa da parte final do mandato”, defende o especialista em política norte-americana.

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Um clássico do “novo normal” diplomático na era Trump. À entrada da cimeira do G20, em Osaka, desta sexta-feira, o presidente norte-americano aposta na sua particular estratégia de comunicação. Atira em vários alvos para, depois, poder maximizar a sua particular demonstração de força.

“Quase todos os países do mundo se aproveitam muito dos Estados Unidos”, dizia Trump à Fox, ao mesmo tempo que questionava o tratado de defesa com o Japão, acusava a Alemanha de ser um aliado pouco fiável e ameaçava a China com novas tarifas.

Em simultâneo, o jornal "South China Morning Post", de Hong Kong, sustenta que Washington e Pequim acordaram numa trégua de seis meses para que os seus negociadores encontrem uma solução aos seus diferendos comerciais. Steve Mnuchin, secretário do Tesouro, já sugeriu que 90% do acordo comercial já terá sido obtido.

A confirmar-se este calendário, Trump poderá surgir em Novembro com um acordo comercial com a China, o que, na opinião do investigador Germano Almeida, “pode ser uma grande vantagem na recandidatura” anunciada há dias.

À Renascença, Germano Almeida, especialista em política norte-americana, avalia as possibilidades de reeleição de Trump, a dispersão de pré-candidaturas nos democratas e diz não acreditar num conflito militar dos Estados Unidos com o Irão, embora interesse a Trump "manter alto o nível de tensão durante algum tempo, para depois poder aparecer como alguém que promoveu o diálogo, a negociação e evitou o pior".

Trump anunciou a recandidatura e defende, num ensaio no DN, ter boas hipóteses de assegurar um segundo mandato. Qual é o maior trunfo de Trump na recandidatura? Coesão na base de apoio eleitoral ou dispersão de forças nos democratas?

Sim. Tendo também em conta o lado de dispersão dos democratas. Até hoje, Donald Trump nunca foi um Presidente maioritário. Nem na noite da eleição Trump foi maioritário porque teve menos três milhões de votos do que Hillary Clinton e foi eleito com apenas 46% dos votos expressos dos 53% de americanos que foram votar. Mas, se Trump nunca foi maioritário, a verdade é que manteve essa base eleitoral muito mobilizada, identificada e identitária.

Embora todas as sondagens mostrem haver mais americanos a não gostar de Trump do que a apoiar, isso não quer dizer que toda essa maioria sociológica - à volta de 53-54% de americanos que não se revêem no Presidente ou nesta administração - vá votar no candidato democrata. Os democratas têm esse problema: uma mensagem muito dispersa entre um sector muito esquerdista, de Elisabeth Warren ou de Bernie Sanders, e um lado mais centrista, mais moderado, de Joe Biden, Pete Buttigieg ou Beto O'Rourke.

Com este pano de fundo, Donald Trump tem o seu lado mobilizado - como mostrou na noite de anúncio da recandidatura - e tem mostrado essa mobilização em diferentes momentos ao ser contundente nas bandeiras políticas lançadas de anti-migração, de defesa da América, de anti-multilateralismo e de pretender a revisão de tratados internacionais para colocar a América a ganhar e os outros a perder.

A referência a que Trump não é maioritário remete para as especificidades do Colégio Eleitoral e para o contacto com os 100 mil eleitores que votaram Obama em 2012 e preferiram Trump a Hillary em 2016 em três estados do Midwest (Michigan, Pensilvânia e Wisconsin). Vamos ter a campanha de novo aí concentrada?

Acho que sim, embora alguns dos temas possam ser arriscados para Donald Trump. Alguns estudos mostram que mesmo nos swing states decisivos na vitória de 2016 Trump não está agora muito bem porque, por exemplo, a sua política de tarifas alfandegárias está neste momento a gerar um aumento de custos para os agricultores em estados como o Ohio ou o Wisconsin. Ou ainda o aumento de custos para fábricas do Michigan ou da Pensilvânia pelo mesmo aumento de taxas alfandegárias. Trump tem de resolver melhor essa equação, tendo de mostrar à sua base que essa política tarifária vai a médio prazo beneficiar os Estados Unidos. E possívelmente vai mesmo pela forma como irá impôr aos chineses alguma travagem na sua expansão com risco de no longo prazo poder prejudicar as empresas norte-americanas.

No entanto, uma coisa são as consequências da política de Trump outra é o tipo de percepção que o presidente consegue fazer passar. A verdade é que Trump tem mantido no seio do seu eleitorado um grande controlo dessa percepção. Há dias num focus group na CNN foi impressionante ver um conjunto de eleitores de Trump, face a um conjunto de mentiras óbvias e descaradas do presidente nos últimos anos, dizerem: "não nos interessa que minta porque ele protege a América e vamos votar nele". É difícil contrariar esta percepção.

Mas se parte do sucesso de Trump se explica nos compêndios de sociologia e psicologia de massas, também é justificável pelo sucesso na economia e pelos erros dos democratas na percepção da força eleitoral dos "deserdados da globalização"?

O trunfo do sucesso na economia - um dado objectivo - não valeu para os democratas. Os indicadores económicos já eram muito bons em 2016, mas a herança de Obama não foi suficiente para fazer eleger Hillary Clinton. Os últimos anos têm mostrado - não apenas nos Estados Unidos, mas também na França ou no Reino Unido - que na verdade há dois mundos. Um mundo mais sofisticado e urbano de acesso às oportunidades da nova economia digital e que está bem. Nos indicadores económicos gerais dos Estados Unidos esse quadro é vertido e mostra em números macro o baixo desemprego e crescimento económico, mas esse quadro não nos mostra tudo. Porque a verdade foi a nossa surpresa com a revolta violenta dos coletes amarelos em França ou a forma como no Reino Unido, no Brexit, ganhou uma maioria anti-europeia ou como o "país Trump" continua a apoiar o seu presidente.

Donald Trump apanhou essa base de descontentes com o sistema, base de quem não conseguiu ter novas oportunidades e foi vítima das transformações económicas na indústrias que foram dominantes nos anos 80 e 90 no Midwest - por isso Trump apanhou esse eleitorado do Michigan, do Ohio, da Pensilvânia que eram tendencialmente democratas, mas diria que Trump está a confiar demais nessa estratégia de "repetição de 2016" o que, insisto, é um risco porque na verdade ele foi minoritário.

No discurso de recandidatura Trump só falou para este eleitorado e nem sequer tem um discurso - que os indicadores económicos lhe poderiam conferir - de um certo alargamento da sua base eleitoral. As sondagens estão a mostrar que os eleitores democratas e independentes não aprovam a presidência Trump e por isso a taxa de aprovação se situa em pouco mais de 40%. Insisto: trata-se de uma boa base para Trump lançar a recandidatura em 2020, mas é um risco a menos que se acredite que todas as sondagens estão erradas. Eu não acredito e acho que neste momento o front-runner democrata parte em vantagem.

Nos democratas, o drama migratório dominou os debates dos candidatos nas duas últimas madrugadas, com a imagem do salvadorenho Oscar Martinez e da sua filha Valéria, afogados no rio Bravo, a sacudir a discussão.

Se o exercício ainda não é o de assinalar vencedores dos debates democratas, fica clara a tensão face a prioridades de campanha, mas a crise migratória será um dos temas obrigatórios?

Certo. Nas eleições intercalares em estados mais fronteiriços ou mais do Midwest, a aposta dos democratas foi em candidatos com uma agenda relativamente moderada - diria até mais próxima da administração Trump do que se poderia antecipar - em matérias como a imigração. No entanto, foram os candidatos mais à esquerda, os que mais rejeitaram essa agenda, a ser eleitos ou a ter melhores votações.

Por outro lado, todos os estudos apontam para que uma maioria dos americanos não valide uma política tão hostil à imigração como pretende Trump. Por exemplo: a maioria está contra o muro com o México. Dito isto: é óbvio que há um problema de segurança na fronteira sul dos Estados Unidos e também olhando para essas imagens tenho dúvidas de que a forma correcta de endereçar o problema seja a forma como o senador Chuck Schumer confrontou o ausente Presidente Trump com essa imagem. Não parece ser a atitude mais correcta porque é simplista culpar o presidente.

O drama migratório não nasceu, de facto, com Donald Trump. De resto, o fenómeno das crianças desacompanhadas na fronteira sul deixou marcas na presidência de Obama Os democratas coincidem em atacar Trump sobre uma certa crueldade na fronteira sul, mas diferem nas soluções para o problema o que acontece também nas desigualdades económicas ou na saúde. Estas divergências podem passar factura eleitoral aos democratas?

Acredito que sim. É um pouco a tal diferença entre percepção e realidade. Confrontados com a eventual eficácia da política migratória de Trump a maioria dos americanos não se revê nas medidas - dado positivo - mas a verdade é que o presidente joga muito bem com a percepção. Ou seja, não me parece que os democratas consigam um aval da maioria dos americanos se avançarem em 2020 com uma proposta de grande moderação em política migratória.

Veja-se o que está a passar na Europa mesmo em países nórdicos em que os social-democratas para travar a extrema-direita estão a rever a sua política de migração e a ser mais duros. É evidente que nos Estados Unidos o discurso é um pouco diferente, mas, embora não reflectido nos números, Trump continua a ganhar a guerra da percepção em relação a esse tema que mexe com medos primários.

E quanto ao perfil de um candidato que possa unir os democratas quem leva vantagem face a factores como posicionamento ou idade, Warren, Sanders à esquerda ou Biden ao centro?

O ar do tempo não avisa muito para um candidato muito centrista e moderado. Os últimos dados eleitorais mostram benefícios para quem tem propostas mais próximas da sua base de apoio e mais radicais. Veja-se o que está a acontecer em Inglaterra com Boris Johnson ou nos Estados Unidos com Donald Trump. Mesmo o fenómeno Sanders que quase comprometeu a candidatura de Hillary Clinton em 2016.

Nos democratas a situação é bizarra porque quando se tem 24 candidatos é sinal de que não se tem um candidato forte porque com um candidato forte só se teria um ou dois a desafiá-lo. Como não existe um candidato forte qualquer pessoa se sentiu habilitada a tentar no campo democrata por sabia haver ali uma oportunidade. Não é bom, porque o objectivo é escolher a pessoa indicada para combater Trump e vai haver muitas feridas a sarar pelo caminho.

Se fosse pelo cv Joe Biden já teria ganho, mas geralmente a história das eleições americanas é virada para o futuro e parece-me difícil que o próximo presidente dos Estados Unidos seja alguém que esteja na política há já 50 anos, com os defeitos de Biden e que tenha 79 anos na cerimónia de tomada de posse. Este é um caso complexo de defender, mas, no entanto, olhando para as sondagens Biden tem um bom avanço e até boas hipóteses de bater Trump nos estados decisivos no Midwest.

No entanto há quem ache que Biden se arrisca a ser uam espécie de "Hilllary 2" por ser demasiado colado ao "sistema" e será fácil a Trump manter o discurso do "nós contra eles", do "povo vs políticos" colocando Biden como alvo. Seria mais fácil lançar uma candidatura de alguém mais novo e diferente. Acho que Pete Buttigieg é um candidato interessantíssimo. Alguém tão novo de apenas 37 anos, veterano de guerra no Afeganistão em 2014 que assume um discurso com um lado patriótico e moral não habitual num democrata e é casado com um homem. Há aqui uma conjugação incrível.

E um candidato surpresa do tipo Beto O'Rourke ou Julián Castro?

Já vi Beto O'Rourke como tendo grandes hipóteses, mas a últimas semanas não apontaram nesse sentido. O antigo congressista pelo Texas perdeu muito fôlego e "a hipótese Beto O'Rourke" vejo-a transferida para alguém como Pete Buttigieg, uma figura totalmente nova, mas originária de uma área mais ligada aos republicanos - O'Rourke no Texas e Buttigieg no Indiana - mas com um discurso mais crítico face a Trump. Beto O'Rourke tinha uma proposta que de alguma maneira podia ser comparada à de Obama de alguém positivo, construtivo, mas não de ataque directo.

Os tempos estão diferentes e é verdade Beto O'Rourke não tem uma história pessoal inspiradora comparável a Obama.

Voltando a Trump e ao perigo de guerra no Médio Oriente é urgente que Teerão e Washington façam baixar a tensão ou do ponto de vista da campanha este é um factor a ter em conta?

Não acredito num conflito militar com o Irão. Olhando de novo para os números concluiu-se que a opinião pública norte-americana mudou nos últimos tempos. Os republicanos eram mais tentados a defender a guerra, mas, neste momento, o eleitorado republicano não quer um conflito militar. Não acredito que Donald Trump vá cair nesse erro.

Mas interessa a Trump manter alto o nível de tensão durante algum tempo. Seguindo a narrativa Trump aplicada à Coreia do Norte (ainda sem sucesso) de elevar a tensão ao máximo, ameaçando destruição e "fogo e fúria" para depois poder aparecer como alguém que promoveu o diálogo, a negociação e evitou o pior.

Neste momento não vai ser possível a negociação com o Irão. Não vai haver um encontro Trump/Rouhani ou Trump/Ayatollah Khamenei como Trump/Kim, mas acho que a saída será relativamente parecida na lógica de reduzir a tensão depois do pico. Teerão sabe no fundo que os Estados Unidos não vão entrar num conflito directo e ao Irão interessa também provocar ao limite, coisa que está a fazer. Neste processo não ilibo de forma alguma o Irão apesar de achar que a base do problema foi a política errada de Trump ao sair do acordo nuclear com o Irão.

O regime de Teerão estava a ser integrado na solução para o problema e Trump ao rasgar o acordo para o benefício objectivo e descarado da Arábia Saudita e de Israel deixou de ser um 'honest broker' na região e passou a ser um actor interessado.

É nesse contexto que se pode olhar para a participação de Trump na cimeira de hoje do G20 em Osaka? O presidente chegou à cimeira com duros ataques aos seus aliados. Colocou em dúvida o tratado de defesa com o Japão, rotula a Alemanha de 'aliado pouco fiável' e ameaça a China com novas taxas alfandegárias... É a lógica teatral de maximizar a tensão para depois relativizar resultados?

É a mesma estratégia que Trump usou antes das cimeiras da Nato. Fez exactamente isto. Desde logo Trump tem uma capacidade impressionante de controlar o círculo mediático. Ao lançar os temas antes de chegar, antecipando agenda, consegue fazer reflectir em si o foco da atenção, fazer subir a tensão e, depois, geralmente chega e contra as expectativas negativas, ele próprio contrapôe um 'afinal não correu tão mal'. Tem sido esta a táctica Trump.

Por outro lado tem outra táctica: qual é a melhor forma de minimizar um problema iminente? É lançar outros três ou quatro. Quando Trump passa a falar da Alemanha, da China e do Japão, dias depois até se esquece o Irão, apesar do problema lá continuar. É a táctica Trump. Diria, no entanto, que no G20 de Osaka embora o Irão, a Coreia do Norte, a relação desconfortável dos Estados Unidos com a Europa sejam temas importantes, na minha opinião a grande questão nos próximos dias, nos próximos meses é a da relação dos Estados Unidos com a China. É saber se vai haver um acordo comercial ou se a tensão vai aumentar.

Porque na relação Washington-Pequim não se está a falar só de palavras, mas de uma escalada numa guerra comercial que já está a ter efeitos complicados para gigantes tecnológicos como a Huawey e isso tem efeitos no quotidiano dos consumidores globais, no dia a dia de todos nós. Estamos a falar das duas maiores economias do mundo e de se essa relação vai ser crescentemente de tensão ou se há uma perspectiva de acordo. É a grande questão.

Trump terá uma grande vantagem se chegar a Novembro e apresentar aos seus eleitores um grande acordo comercial com a China. O acordo será benéfico para todos, norte-americanos, chineses e para a economia mundial no seu todo. Na parte final do mandato de Trump talvez seja essa a grande notícia, a grande surpresa: um grande acordo comercial com a China.

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