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Hora da Verdade

​Greve climática: “O que é esta falta comparada com o nosso futuro?”

23 mai, 2019 - 00:29 • Eunice Lourenço (Renascença) e Ana Maria Henriques (Público)

Pedem justiça climática e a atenção dos governantes. Alice Gato e Gil Ubaldo, dois dos organizadores da Greve Climática Estudantil em Portugal, esperam ver os jovens nas ruas de 51 localidades já esta sexta-feira.

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Depois da greve estudantil, há greve geral pelo clima a 27 de setembro
Depois da greve estudantil, há greve geral pelo clima a 27 de setembro

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Alice Gato e Gil Ubaldo conheceram-se a propósito da Greve Climática Estudantil, que mobilizou protestos de perto de 20 mil jovens portugueses a 15 de março.

A estudante do 12.º ano no Liceu Camões e o aluno de Ciência Política e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa são dois dos organizadores das manifestações estudantis em Portugal. Esta sexta-feira, 24 de Maio, há novo desafio lançado aos jovens: sair à rua para mostrar que a luta pela justiça climática continua. São os convidados da "Hora da Verdade", um programa de parceria entre o “Público” e a Renascença.

A 15 de Março, data da primeira greve climática estudantil, estima-se que entre 1,4 a 1,6 milhões de pessoas se tenham manifestado, em todo o mundo, para mostrar que é preciso tomar uma posição quanto às alterações climáticas. Foi apenas o início de uma luta ou a mobilização está mais difícil?


Alice Gato (A.G.): O 15 de Março foi o início de uma luta e o 24 de Maio é para demonstrar que não nos vamos embora até essa luta ter alguma resposta. A mobilização depende muito também da conjunção política que está a acontecer à nossa volta.

Para esta sexta-feira está marcada nova greve. Esperam uma adesão semelhante
Gil Ubaldo (G.U.): Nunca podemos saber bem o que esperar. Na última manifestação esperávamos menos de mil pessoas e tivemos quase 10 mil só em Lisboa. Esperamos bater os números de 15 de março.


A.G.: E até temos mais localidades a manifestarem-se.

Quantas?
A.G.: Penso que são 51.

E como é que vocês se organizam a nível nacional?
A.G.: Há um grupo nacional com o qual as pessoas de todas de regiões têm contacto nas reuniões semanais: falamos com as pessoas das escolas, ficamos com o contacto delas e tentamos que o máximo número de pessoas que queira ajudar o consigam fazer.

Os mais jovens são muitas vezes acusados de algum desinteresse face à vida pública e ao futuro. Mas este movimento internacional, o #SchoolStrike4Climate, tem provado que vocês afinal estão preocupados com o futuro do planeta.
G.U.: Há uma grande dualidade entre pessoas que não querem saber e pessoas que realmente estão empenhadas em ter uma ação direta contra este caminho. Mas o que temos vindo a verificar é que, ao ocupar o espaço público, as pessoas têm ganho interesse. O espaço público passou a incluir os estudantes e os jovens que, mesmo não podendo votar, têm muito a dizer.

Já alguma vez sentiram que não estavam a ser levados a sério por serem demasiado jovens?
A.G.: Depende do público com quem estamos a falar. Muita gente diz que já estamos perdidos, há céticos das alterações climáticas, como sabemos, mas, no fundo, as pessoas até têm um certo respeito. Quando procuram conhecer o nosso trabalho, acabam por admirar que nós tenhamos esta garra.


G.U.: Também há quem diga: “Uau, incrível, estes jovens têm garra”. Mas olham para isso de uma maneira quase paternalista e vêem-nos como os putos que estão na idade de serem rebeldes e agir contra o sistema.


A.G.: Ou então como os mandriões que não querem fazer nada...


G.U.: Para sermos rebeldes e agirmos contra o sistema, temos que começar na juventude. Temos reivindicações sérias e vamos sair à rua para mostrar isso, até ao fim.

“Ninguém é demasiado pequeno para fazer a diferença”: acreditam nas palavras de Greta Thunberg, que dão título ao livro que a sueca editou recentemente?


A.G.: Nós até temos crianças da primária a irem às nossas manifestações. E há um grande envolvimento dos professores e dos pais, com o Teachers for Future e o Parents for Future.

A greve também é vista só como uma desculpa para faltar às aulas. Sentem esse discurso?
G.U.: É um dos argumentos que nos atiram à cara diariamente.

E quem é que o faz? Os professores, os pais, os outros colegas?
A.G.: Mais pessoas que não têm nada para fazer e querem ter visibilidade só por criticar.
G.U.: Sim, é verdade, nós faltamos às aulas. A greve estimula muita gente a ter uma ação diária. Faltar às aulas é o menor do nosso problema. Não vale a pena estarmos a ir a uma aula quando o nosso sistema de ensino não nos incentiva a agir por aquilo que nós acreditamos. É um confronto direto que tem de se fazer.

As faltas vão ser injustificadas.
G.U.: É greve.


A.G.: Há quem diga que não tem faltas para dar, mas só houve mais uma greve e essas pessoas andaram a faltar durante o ano inteiro. Faltem por uma causa maior. Usamos o termo greve de forma simbólica, é greve por extensão: o que é esta falta comparada com o nosso futuro? Relativamente a testes, os alunos devem pedir aos professores que não os marquem nesses dias e alertá-los para o facto de isto não ser só um problema nosso. Isto também os afeta.

Vocês tiveram o apoio dos professores, na greve anterior e nesta?
A.G.: Depende de professor para professor. Falei disso em todas as minhas disciplinas, os meus colegas já não me podem ouvir falar mais sobre isto.

O ministro do Ambiente já disse que a declaração de emergência climática seria apenas um “gesto simbólico”, sem efeitos práticos. O que é que vocês têm para lhe responder?
A.G.: A verdade é que a emergência climática só foi declarada, recentemente, pelo Reino Unido e pela Irlanda. Em Portugal isso nunca aconteceu e não faz muito sentido dizer: “Eles já declararam emergência climática, mas não aconteceu nada”. Mas isto não é de um dia para o outro. Estamos a reconhecer que, de facto, vivemos perante uma emergência, que são precisas ações e soluções eficientes e drásticas para este problema.

E que ações drásticas devem ser essas?
G.U.: Termos 100% de energias renováveis até 2030 — e não até 2050 —, a proibição da exploração de energias fósseis em Portugal e o cancelamento de todas as concessões existentes, o encerramento das centrais termoelétricas de Sines e do Pego, que ainda são movidas a carvão.

A.G.: E uma requalificação das pessoas que lá trabalham para empregos pró-clima, sustentáveis.

G.U.: A nossa luta é transversal e, enquanto lutamos pelo clima, não podemos deixar para trás a luta laboral. Além disso reivindicamos o melhoramento eficaz da rede de transportes públicos, de modo a reduzir o uso do transporte particular.

Recentemente tiveram a declaração de apoio de 32 organizações da sociedade civil. Continuam a ser um movimento apartidário?
A.G.: Continuamos a ser apartidários. É óbvio que há partidos que se identificam mais com os nossos objetivos do que outros, mas não somos nós que os vamos excluir à partida. Quem não se identifica com o nosso movimento exclui-se a si próprio. Queremos que toda a gente perceba que isto é um problema que vai além de questões partidárias. É como a Greta diz: “Nós não conseguimos mudar o clima sem mudar o sistema”.

E já receberam ofertas de apoios financeiros de alguma organização ou entidade?
A.G.: Que eu saiba, não. Onde é que elas estão?

Então como é que vocês se financiam?
G.U.: Por nós próprios.

A.G.: Compramos algumas coisas, pedimos aos nossos avós. Há organizações que já têm os seus materiais e nos emprestam. Pedimos uma carrinha aos Precários Inflexíveis e megafones ao Climáximo, por exemplo.

G.U.: O resto é muito orgânico.

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