16 mai, 2019 - 23:30 • Ana Catarina André
Chegou primeiro à fé ou à militância de esquerda? “Envolvi-me no compromisso político em virtude da minha condição de crente”, explicou o deputado do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, à jornalista Maria João Avillez, no âmbito das conversas ‘E Deus Nisso Tudo”, que decorrem, semanalmente, na Igreja do Campo Grande, em Lisboa.
“Sou fruto das circunstâncias. Tinha 15 ou 16 anos quando se deu o 25 de Abril e a política foi um apelo muito forte.”
Na juventude, fez parte da Juventude Universitária Católica (JUC), onde pertenceu à equipa diocesana e nacional do movimento. “Todo o meu crescimento se dá nesse contexto”, afirmou.
“Resolvi a minha crise de fé de adolescência com uma abertura e um compromisso social e político que ajudou a dar sentido concreto à minha fé. Encaro o compromisso político como uma mediação daquilo que é a minha tarefa, enquanto crente, no mundo.” E a esquerda, explicou, foi o terreno onde encontrou maior proximidade com aquilo que foi defendendo.
José Manuel Pureza descobriu Deus na família. “Senti isso de maneira mais interpeladora, quando vi o entusiasmo dos meus pais com o Concílio Vaticano II. Eu, que era um miúdo comum que fiz as etapas de crescimento na fé, fui sensível àquele momento. Lembro-me das discussões que havia lá em casa - os meus pais conviviam com colegas e amigos. Houve uma altura, na preparação para a comunhão solene, creio, em que achei que era bom dizer o que ouvia lá em casa e não correu nada bem”, recorda.
“Na Igreja, o facto de sermos católicos não faz com que todos analisemos a sociedade da mesma maneira e tenhamos os mesmos códigos. Não funciono por gavetas”, justificou.
“Utilizo a grelha de análise [do marxismo], porque acho que acerta bem na identificação das relações de poder que, muitas vezes, não são transparentes, não aparecem à superfície e que propiciam um funcionamento da sociedade na qual um cristão é chamado a tomar decisão.”
Ser católico é ser ativista
“Estou convicto de que, diante da realidade social, do apelo do clamor dos pobres, como lhe chama o Papa Francisco, um católico no mundo presente não pode recusar o desafio do ativismo pela transformação da sociedade”, explicou Pureza.
“Jesus é um tipo que se dá com prostitutas, com cobradores de impostos que representam o colonialismo romano, que tem um gesto de amor para com um centurião, que faz isto e que nisto cria alicerces para uma mensagem não de lei, mas de amor”. Pureza acredita que a condição de crente o convoca a estar focado no rosto e na identidade concreta de cada pessoa, e não apenas nas massas. “Uma política sem caridade é pobre.”
Por ter defendido posições contrárias às defendidas pela Igreja, em matérias como a eutanásia, e por ser de esquerda, José Manuel Pureza é alvo frequente de críticas de ambas as partes. “São mais na Igreja do que na política”, confidencia.
“Muitas vezes, a brusquidão, a severidade e a falta de diálogo magoam-me.” E, apesar de ser a favor da despenalização da eutanásia, diz: “Uma pessoa que escolhe ter um fim de vida em que aceita de forma consciente, voluntária a dor, o sofrimento, a degradação física, a degradação relacional, psíquica só pode ser escrupulosamente respeitada. Isso é de uma dignidade intocável.”
Uma das questões que mais o inquietam tem precisamente a ver com o papel que um legislador católico deve ser numa sociedade plural. “Como responsável pela elaboração de leis, acho que tenho obrigação de olhar para o conjunto da sociedade. Nunca me senti bem com a ideia do partido dos católicos”, disse, acrescentando que deve haver crentes que “encontram mediações para a sua fé muito variadas”.
“Em épocas históricas, a realidade do partido dos católicos foi muito importante – as velhas democracias cristãs eram isto”. Hoje “essa formulação das coisas está profundamente desadequada à realidade do nosso tempo.”
Recentemente, Pureza integrou um grupo de diálogo entre o Vaticano e a esquerda europeia. “Em 2014, o então militante de um partido da oposição grega, Alexis Tsipras - ainda não era primeiro-ministro, na altura -, com gente de uma plataforma chamada Transform Europe, que reúne movimentos e partidos da esquerda radical europeia, manifestou interesse em conversar com o Papa”, recorda.
“A certa altura [na reunião], Francisco terá dito que diante da grandeza dos problemas que nenhuma das partes tem capacidade para resolver, valia a pena continuarem a conversar”, contou. Começou, então, a criar-se uma plataforma de diálogo. “Entrei neste processo mais tarde”, revela Pureza. “Abordam-se questões concretas para explorar as possíveis convergências entre o ensino social da Igreja e aquilo que, do lado da esquerda radical europeia, é a compreensão desses fenómenos.” E conta: “Tem sido muito interessante verificar que ambos os lados valorizam mais a complementaridade do que a fronteira.“