Tempo
|
A+ / A-

Em Nome da Lei

Juízes que integrem Governos sobem mais rápido na carreira

10 mai, 2019 - 15:40 • Marina Pimentel

Advogado Garcia Pereira critica o facto de juízes estarem a ser avaliados "sobretudo em função da velocidade com que despacham processos", algo que "só pode ser perverso".

A+ / A-

Ter passado pelo Governo é uma vantagem para os juízes poderem subir na carreira. O critério consta mesmo do regulamento do último concurso para juiz desembargador, como denunciado à Renascença pelo advogado Garcia Pereira.

Na edição desta semana do programa "Em Nome da Lei", o advogado diz que, para concorrer aos tribunais de segunda instância, "é mais valorizado ter sido chefe de gabinete ou adjunto de um ministro da área da Justiça do que ter sido professor universitário ou ter frequentado ações de formação".

Este não é o único critério adotado na avaliação dos juízes que pode comprometer a sua independência e a boa administração da Justiça. Garcia Pereira diz que, "atualmente, os juízes de primeira instância são avaliados sobretudo em função da velocidade com que despacham processos", um critério que se impôs em virtude das sucessivas condenações que o Estado português tem sofrido no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Isto, ressalta o advogado, "tem prejudicado gravemente juízes que, por razões familiares ou de saúde, são obrigados a reduzir o seu ritmo de trabalho”. Quando a lógica da velocidade se impõe na Justiça, o resultado ”só pode ser perverso”, diz Garcia Pereira.

No ano passado e desde 2004, data a partir da qual os relatórios do Conselho Superior da Magistratura passaram a ser disponibilizados na internet, nunca houve uma percentagem tão alta de magistrados judicias com nota máxima. De acordo com o mais recente relatório do CSM, 83% dos juízes obtiveram as classificações mais altas (55% "muito bom" e 28% "bom com distinção"), sendo que os inspetores apenas avaliaram dois magistrados com a nota "medíocre".

Para Pedro Pais de Almeida, trata-se de “um relatório com o qual o CSM quer inventar um país”. O presidente cessante da União Internacional dos Advogados lembra a classificação que a Justiça portuguesa obtém em relatórios internacionais, como os do Fórum Económico Mundial, quer em matéria de independência quer de eficiência, e ressalta que, neste último aspeto,” Portugal aparece, entre 140 países, no lugar 116, atrás do Senegal, da Índia, da China ou do Gana”.

O desembargador Eurico Reis reconhece que o relatório do CSM “é corporativo”. Chama-lhe até “uma fotografia editada com detalhes de photoshop”.

Os juízes dos tribunais superiores não são avaliados, só ao nível da primeira instância que são alvo de inspeções ordinárias. Há, no entanto, nos tribunais da Relação, um tipo de discriminação de que raramente se fala mas que tem consequências sobre a Justiça que se pratica.

Como se sabe, os acórdãos dos tribunais superiores são uma fonte de interpretação para a primeira instância. Ora acontece que “apenas alguns são publicados, por critérios que não são transparentes", sublinha Eurico Reis. "E isso pode levar a que uma posição minoritária entre os desembargadores acabe por fazer jurisprudência no sistema judicial português.”

O relatório do CSM foi entregue esta semana na Assembleia da República, órgão perante o qual presta contas. O deputado Pedro Bacelar de Vasconcelos, que preside à Comissão de Assuntos Constitucionais, reconhece que o facto de 83% dos magistrados judiciais obterem notas positivas altas “diminui utilidade à avaliação para se diagnosticarem problemas ou para reconhecer o mérito dos melhores juízes”.

Os especialistas falavam no programa de informação "Em Nome da Lei" da Renascença, transmitido aos sábados às 12h e repetido à meia-noite do mesmo dia.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+