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O que esconde a pobreza

10 mai, 2019 - 08:20 • Sandra Afonso

Estudo “The Hidden Dimensions of Poverty”, da OCDE, sublinha que a pobreza é igualmente determinada por comportamentos e relações, pela marginalização.

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A pobreza não é apenas privação, é também o resultado das ligações sociais e das experiências pessoais.

São algumas das conclusões do estudo publicado esta sexta feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, “The Hidden Dimensions of Poverty”.

Na origem da pobreza, está o sofrimento, mas, num segundo nível, é igualmente determinada por comportamentos e relações, pela marginalização e, numa terceira dimensão, pela privação.

"A pobreza é como uma teia emaranhada de onde nunca vais conseguir escapar"
(pobre, Reino Unido)

Os pobres são muitas vezes acusados de fazerem más escolhas, mas, na verdade, “muitas vezes enfrentam decisões impensáveis, entre amargas opções”. Muitas vezes não têm uma palavra a dizer ou são forçados a aceitar a autoridade de outros, com “perda de dignidade e desumanização”. Os autores defendem que a falta de controlo e as opções limitadas aumentam o risco de pobreza, limitam as possibilidades de sair desta situação e favorecem sentimentos de insegurança e medo.

“Viver em pobreza é sentir sofrimento intenso, físico, mental e emocional; acompanhado por uma sensação de impotência para reagir.”

Viver em pobreza reduz a esperança média de vida. A habitação não tem qualidade e, muitas vezes, está situada em zonas poluídas. A alimentação é pobre, a malnutrição pode coexistir com a obesidade. Faltam cuidados médicos, o que aumenta os problemas de saúde.

As pessoas em pobreza vivem em medo permanente, “de perderem o pouco que têm, do que os outros podem dizer quando descobrirem que são pobres, vergonha das condições de vida e da necessidade de pedir ajuda, culpa por não terem recursos nem poderem ajudar outros, dor insuportável por estarem separados de crianças, desespero quando não vêm uma saída para a pobreza”.

"O stress é mais comum, porque não sabes como dar de comer às crianças. Há mais depressão, mais desespero"
(Académico, Bolívia)

Este sofrimento muitas vezes leva a frustração, raiva, depressão e isolamento, que podem conduzir a negligência, auto-medicação, abuso de álcool e drogas e mesmo suicídio.

Este trabalho destaca um segundo nível na pobreza, tão importante como a experiência pessoal, mas menos estudado, a influência dos comportamentos e relações. Os autores defendem a ligação directa entre pobreza e desempoderamento, a falta de controlo e a dependência nos outros. “As opções e escolhas estão limitadas e constrangidas pelas circunstâncias da vida e ações de instituições”.

As instituições públicas e privadas, através dos discursos, políticas e serviços que prestam, muitas vezes passam uma imagem de injustiça e ineficiência com as pessoas em pobreza. São exemplos, a falha das políticas ou da execução das mesmas, a distribuição desigual de recursos ou a corrupção.

Muitas vezes as pessoas carenciadas sentem-se julgadas, dominadas, controladas e acabam por ver os direitos negados pelas organizações desenhadas para as ajudar.

“Ser pobre é ser tratado como gado, não tens dignidade nem identidade”
(pobre, Reino Unido)

O julgamento também é feito pela sociedade, a pobreza é recebida de forma negativa pelos outros e por grupos informais. As pessoas carenciadas são frequentemente ignoradas e excluídas, por vezes de forma inconsciente e intencional, mas nem sempre. Este comportamento com pessoas com deficiência, minorias religiosas e étnicas, mulheres e perante certas tradições culturais.

"A pobreza é como ser apanhado pela grande rede de pesca da sociedade e ser descartado por não ter dimensão"
(especialista, Reino Unido)

Outra dimensão com impacto determinante é o não reconhecimento das capacidades das pessoas em pobreza. Muitas vezes, e de forma errada, presume-se que são incompetentes e não são reconhecidos os seus conhecimentos ou valor. Pelo contrário, defendem os autores, muitas vezes sobrevivem de forma inesperada, são criativos e assumem diferentes responsabilidades, sustentam outros e contribuem para a sociedade.

"O mais difícil é não ter pão todos os dias. Sem comida não há força para trabalhar nem ideias"
(pobre, Bolívia)

A terceira e última dimensão é a mais visível, a privação. Diz respeito à falta de recursos, sejam eles monetários, materiais, culturais ou sociais. Muitas vezes começa pela negação de acesso a um trabalho com salário justo, seguro, regulado e dignificante. Mesmo com trabalho, nem sempre este garante acesso aos bens e serviços básicos, a uma vida decente e á participação na sociedade.

Esta pesquisa envolveu académicos, especialistas e centenas de pessoas em privação, no Bangladesh, Bolívia, França, Tanzânia, Reino Unido e Estados Unidos.

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