Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Prática religiosa é alimentada por desejo de proximidade

23 abr, 2019 - 17:02 • Ana Lisboa

Num novo ensaio, o professor Alfredo Teixeira traça as mudanças a que a prática religiosa tem sido sujeita em Portugal. Fátima é uma exceção à regra.

A+ / A-

A religião continua a ser “uma prática de proximidade”.

A ideia é defendida pelo investigador Alfredo Teixeira no seu mais recente ensaio “Religião na Sociedade Portuguesa” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, um livro que reflete sobre o “retrato de uma mudança – da religiosidade do ‘Deus da nossa terra’ às formas religiosas de um mundo globalizado”.

O autor convida a compreender “as atuais formas de crer e pertencer”, o que “persistiu e o que mudou com as alterações das formas tradicionais de vivência crente e a emergência de novas paisagens religiosas”.

Apesar de 80% da população portuguesa se definir como católica, “a sociedade portuguesa caminha, num ritmo próprio, para uma maior diversidade religiosa”.

Além disso, tem havido um processo de “urbanização” da religião. O professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Lisboa, explica que “a tendência é para que nos espaços urbanos mais integrados, a religião seja praticada com alguma mobilidade”. Este comportamento, considerado “minoritário”, está ligado, admite este responsável, a “um certo estilo de vida, que incorpora no seu quotidiano esta prática da mobilidade, uma menor relação com o território, sob o ponto de vista do enraizamento, mas muito mais a partir da prática da circulação”.

Esta tendência acontece sobretudo nos grandes centros urbanos, como é o caso de Lisboa, por exemplo, porque “nos centros urbanos as mobilidades estão facilitadas”.

Contudo, isto é visto como “fenómenos que se sobrepõem e não como a emergência de um novo paradigma que substitui”, ou seja, Alfredo Teixeira admite que “a religião continua a ser uma prática de proximidade, ou seja, as pessoas querem estar próximas”.

Embora haja este “movimento urbano”, o autor considera que existem ainda algumas ritualidades ancestrais que continuam em territórios em que se verifica uma “desertificação humana”. Neste seu estudo, reconhece que “grande parte desses espaços” sofrem “fortes consequências na capacidade, por exemplo, da Igreja Católica continuar a estar presente e a continuar a construir comunidades locais desse ponto de vista”.

Em algumas destas localidades mais interiores, cujos naturais migraram para outras zonas do país ou para o estrangeiro, “em muitos casos, a sua religião permaneceu a religião da sua terra. E, portanto, a sua ligação à memória religiosa pode estar muito vinculada à visita a estes lugares”.

O investigador afirma que “a identidade sob o ponto de vista religioso é algo complexo. E nós temos identidades que são mais marcadas por vivências, pessoas que frequentam as comunidades, têm práticas. E temos outro tipo de identidades em que o religioso subsiste mais como referência.” E dá um exemplo: “é como se eu navegasse com uma certa distância em relação à religião, mas mantenho-a à vista. E vou solicitar esse capital simbólico religioso, vou de alguma forma aproximar-me dele na medida daquilo que são as minhas necessidades”.

Esta é a tese de “uma transformação que inclui erosão, ou seja, erosão de comportamentos tradicionais”.

Fátima: paradoxo ou motor de mudança

Paradoxalmente, Fátima não tem registado esta “erosão”. Ela “está à margem, no sentido que os indicadores não são os mesmos”. Alfredo Teixeira sublinha que “Fátima lida com o reportório devocional tradicional católico, lida com o reportório religioso do que nós chamávamos a religião popular, uma religião muito marcada pela relação com o divino através da graça, da bênção, da promessa. E de alguma maneira o que Fátima faz é transportar esse mundo tradicional que já não pode ancorar-se na estrutura social que lhe deu origem, transportar essas vivências, essas representações, esses símbolos para um quadro social novo”.

Para Alfredo Teixeira, “Fátima tem uma capacidade de plasticidade”, porque, sublinha, “há aquela Fátima institucional que nós vemos construída a partir da lógica do próprio Santuário. Mas há depois uma outra Fátima que é a Fátima biográfica”.

Em seu entender, “é muito curioso observar que quando se dá a palavra às pessoas e o assunto é Fátima, o que as pessoas imediatamente fazem é contar uma história pessoal que tem a ver com as suas próprias vidas. Fátima tem esse capital enorme que é de dizer respeito a uma religião do vivido, do vivido na sua dimensão mais individual, familiar e, ao mesmo tempo, integrando isso num grande acontecimento coletivo (…) E por isso, esses grandes símbolos de Fátima como a Procissão das Velas, a Procissão do Adeus são, a meu ver, o corolário disso: essa capacidade dos portugueses chorarem em conjunto, mas ao mesmo tempo essas lágrimas são pessoais, são de cada um, são intransmissíveis. Sob esse ponto de vista, a relação com Fátima de muitos portugueses é uma relação que eu diria intransmissível”.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+