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Tancos. Vasco Brazão diz que Azeredo foi informado da encenação da recuperação do material por Whatsapp

04 abr, 2019 - 23:07

Segundo o ex-investigador da Polícia Judiciária Militar, arguido no processo judicial, o ex-diretor da instituição, Luís Vieira, através de uma chamada, comunicou ao então ministro da Defesa que a recuperação do material “não ocorreu da forma publicitada, mas através de um informador”.

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O ex-investigador da Polícia Judiciária Militar (PJM) Vasco Brazão afirmou esta quinta-feira que o ex-ministro Azeredo Lopes foi informado da "encenação" da recuperação do material furtado em Tancos, revelando que entregou um documento com uma "versão resumida" dos factos.

Ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao furto de Tancos, Vasco Brazão disse que o documento, sem timbre e sem assinatura, foi entregue “em novembro ou dezembro” por si e pelo ex-diretor da PJM, Luís Vieira, ao então chefe de gabinete do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, general Martins Pereira.

Segundo o relato do major Vasco Brazão, arguido no processo judicial e que se encontra em prisão domiciliária, o ex-diretor da PJM, através de uma chamada telefónica pela aplicação Whatsapp, comunicou ao então ministro da Defesa, na presença do chefe de gabinete, que a recuperação do material “não ocorreu da forma que tinha sido publicitada, mas sim através de um informador”.

No dia 18 de outubro de 2018, a PJM divulgou um comunicado a revelar que tinha recuperado o material na sequência de uma investigação em colaboração com a GNR de Loulé.

Sobre este documento, Vasco Brazão assumiu mais à frente na audição que o redigiu “em coautoria” com Luís Vieira e que o seu conteúdo não correspondia integralmente à realidade do que aconteceu.

“Aquilo que nós escrevemos foi uma versão dos factos, muito semelhante à verdade dos factos. Não é a verdade dos factos”, afirmou.

Em resposta a uma pergunta da deputada do PSD Joana Barata Lopes, Vasco Brazão disse que a indicação que teve, por parte do coronel Luís Vieira, foi para redigir uma versão "envolvendo o menor número de pessoas e explicar que não tinha sido feito da forma correta, fazer uma coisa reduzida e dar poucos nomes".

No memorando, que foi entregue ao tribunal no âmbito da Operação Hubris, "está muito a menos e estão algumas coisas que não aconteceram bem assim para justificar a presença do diretor-geral naquele local e a não comunicação à Polícia Judiciária", acrescentou.

Perante o documento, o general Martins Pereira “não demonstrou que já soubesse”, nem fez qualquer comentário, disse Vasco Brazão, que fez questão de afirmar que nunca falou sobre o assunto com a estrutura superior do Exército.

Vasco Brazão referiu também, numa declaração inicial, que o então ministro da Defesa “não deu ao senhor diretor [Luís Vieira] qualquer instrução no sentido de alterar” a conduta, “nem para participar a ocorrência ao Ministério Público”.

Assumindo o “erro de não ter participado ao Ministério Público”, Vasco Brazão disse que agiu de “boa-fé” e com o propósito de “encontrar o material” e por estar em causa o interesse nacional.

Segundo o major, no decorrer da “investigação paralela” à recuperação do material militar, quatro meses depois do furto, na região da Chamusca, “nada foi prometido ao informador”, com o qual nunca se encontrou.

Vasco Brazão disse não ter dúvidas de que a decisão de não comunicar à Polícia Judiciária as diligências que levaram à recuperação do material militar foram determinantes para “assegurar a eficácia da operação” e com o “único objetivo de salvaguardar o prestígio da PJM”.

“Tornou-se necessário encenar um quadro que não revelasse a forma como tínhamos chegado ao material de guerra”, disse, garantindo que “muitos investigadores na PJM” sabiam da operação, incluindo o coronel Manuel Estalagem, à altura chefe do núcleo de investigação criminal, e o capitão Bengalinha, que ficou a chefiar a investigação antes de a Procuradoria-Geral da República ter decidido entregar a liderança do inquérito à Polícia Judiciária.

Questionado pelos deputados sobre se tinha consciência da ilegalidade de avançar com diligências para recuperar o material à margem da PJ, Vasco Brazão disse que não questionou as ordens do ex-diretor da PJM porque Luís Vieira lhe assegurou que estava a “tratar ao mais alto nível a questão das competências” e que não precisavam de se preocupar.

“Cumpri ordens. Porque o interesse do país o determinava”, disse.

Segundo o major, o então diretor da PJM “não se cansava de dizer que a questão da competência era uma questão de tempo” e “não foi, como se viu”.

Vasco Brazão relatou que o ex-diretor da PJM tinha um parecer jurídico do ex-ministro da Administração Interna Rui Pereira que sustentava que devia ser a PJM a titular da investigação por estarem em causa crimes estritamente militares.

Com esse parecer na mão, disse, o então diretor da PJM ganhou “força” para transmitir a Azeredo Lopes a sua insatisfação pela perda da titularidade do inquérito: “Não sei dizer quando informou o ministro. Sei que utilizou este parecer para uma exposição sobre a situação”, contou.

“A questão foi a recuperação do material que era fundamental para o diretor-geral. A PJM estava no limbo de perder a sua autonomia e ele sentiu que aquela era a oportunidade de vincar e tendo informação de um indivíduo que quer entregar o material, era juntar a recuperação do material e a afirmação da PJM”, declarou.

O furto de material de guerra foi divulgado pelo Exército a 29 de junho de 2017. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.

Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.

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