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Abusos. “Sem ouvir as vítimas não se percebe a importância de não falhar”

23 fev, 2019 - 14:43 • Filipe d'Avillez , Aura Miguel

Não falta só transparência entre a Igreja e a sociedade, também entre diferentes instituições eclesiais há falta de comunicação, explica o arcebispo Charles Scicluna.

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O esforço de ouvir as vítimas de abusos sexuais, que foi pedido de forma especial aos bispos antes e durante a cimeira que decorre na Santa Sé durante estes dias, tem de ser um trabalho continuado, considera o arcebispo Charles Scicluna, um dos maiores especialistas da Igreja neste campo.

Falando durante o briefing diário na sala de imprensa da Santa Sé, neste que é o terceiro dia da cimeira sobre abusos sexuais, o arcebispo maltês diz que só quem escuta as vítimas pode perceber a importância de não falhar na resposta a esta crise.

“Temos de continuar a escutar. Não é uma coisa de três dias. Os participantes agora vão para casa, mas devemos continuar a escutar. Porque é essencial escutar a narrativa das vítimas. Sem ouvir as vítimas não percebemos a importância de não falhar na resposta. Esta tem sido a minha experiência.”

Junto com Scicluna na conferência de imprensa estava o Arturo Sousa, o superior-geral dos jesuítas, a maior ordem religiosa do mundo, que aproveitou para pedir perdão pelos erros da Igreja em matéria de abusos sexuais.

“Expressamos com claridade a nossa vergonha e confusão perante os abusos praticados por membros da Igreja, principalmente clérigos, sobre os vulneráveis, como são os meninos e as meninas. Expressamos também a nossa esperança de que este encontro produza um impulso para escutar as vítimas que sobreviveram, neste processo de cura. Fazer justiça, reparar os danos e criar estruturas de responsabilização no corpo universal da Igreja e romper com o silêncio. Reconhecemos agora também que nem sempre reagimos adequadamente, e pedimos perdão.”

A questão das ordens religiosas tem sido colocada com insistência nesta cimeira. Em vários países as piores situações de abusos foram protagonizados por membros de ordens religiosas, mas estas não estão sob a alçada das dioceses, o que significa que mesmo em países em que existem diretrizes acordadas pela conferência episcopal, estas podem não ser seguidas pelas congregações.

O arcebispo Scicluna aproveitou para partilhar a sua experiência, em Malta, um país onde existem muitas ordens, mas onde a resposta ao escândalo dos abusos foi centralizada, com as dioceses e as ordens a criar uma estrutura uniforme para receber queixas e agir sobre elas.

E é precisamente esse tipo de estrutura que faz falta noutros países, concluiu Scicluna, pois uma coisa é dizer que as vítimas devem denunciar os seus casos, mas se não existir um sistema que o facilite, isso de nada adianta. "Seria bom que cada país, cada conferência episcopal, passasse a oferecer um serviço onde uma pessoa possa fazer uma denúncia, partilhar uma história pesada e onde possa ser acompanhada. Mas o que dizem as vítimas, infelizmente, é que a vítima tem o direito de denunciar mas não há um mecanismo para informar a vítima sobre o que se fez. Por vezes, constituem-se processos, mas a vítima não sabe. Falta esta comunicação", disse.

Scicluna concluiu que embora se fale muito da falta de transparência entre a Igreja e a sociedade, também existe falta de transparência interna. “Precisamos também de transparência, comunhão e partilha entre as organizações da própria igreja. E é preciso ainda haver mais comunicação com as vítimas. Elas não são informadas sobre as conclusões dos processos. São ouvidas como testemunhas, e só isso, mas têm um papel a desempenhar.”

A cimeira sobre abusos sexuais começou na quinta-feira e termina no domingo, com um discurso de conclusão proferido pelo Papa Francisco. Estão presentes 190 participantes, na esmagadora maioria bispos.

[Notícia atualizada às 15h15]

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