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(Re)convertidos à tecnologia. Abraçar uma carreira nova para fugir ao desemprego

11 mar, 2019 - 06:30 • Daniela Espírito Santo , ​​Marília Freitas​

As empresas precisam de trabalhadores qualificados para trabalhar em tecnologias de informação (IT). O resultado? Há cada vez mais “reconvertidos” a abraçar uma nova profissão que pouco tem a ver com o seu percurso profissional ou académico.

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Reportagem Tecnologia no Porto por Daniela Espírito Santo e Marília Freitas
Ouça aqui a reportagem completa

Pedro Belchior é, aos 43 anos, um dos inúmeros programadores da Natixis – um banco de investimento francês que apostou no Porto. Antes disso, no entanto, a sua carreira era bem diferente.

O professor de matemática fartou-se da “instabilidade laboral” e da “quase inexistência de oportunidades para subir na carreira” e procurou na tecnologia da informação (IT) um novo rumo, que acabou por levá-lo de Mirandela para o Porto.

Passar de professor a programador foi, mais do que um desafio, um “alívio”.

“Hoje em dia, ser professor é ser quase um gestor de conflitos. Aqui trabalha-se em equipa, mas é um trabalho mais individual. Os dias normais são muito pouco stressantes. É uma qualidade de vida muito superior”, explica à Renascença.

A qualidade de vida é, em muitos casos, o aspeto mais salientado por quem faz a “reconversão”. Para fugir à precariedade, aos trabalhos mal pagos, a horários inflexíveis e ganhar uma carreira, tantas vezes negada noutros setores. É, também, uma forma de contrariar a emigração e, até, uma maneira de regressar a casa.

Foi o que aconteceu a João Martins, de 38 anos. Natural do Porto, viveu vários anos no estrangeiro a cultivar um “percurso profissional muito improvável e largo”.

“Estudei História e Antropologia. Estava a estudar museologia, a fazer conservação e restauro e, a dada altura, decidi ir apanhar ar”, conta. Passou por Inglaterra e Holanda antes de voltar a Portugal, já com “um pezinho na tecnologia”.

Agora, faz análise de qualidade de software, também na Natixis, e não podia estar mais satisfeito com o regresso à cidade-natal. “Há muita coisa a acontecer, muita dinâmica, muitos projetos a começar.”

Trotinetes, vídeojogos e pufes no escritório? "Não é por isso que deixamos de trabalhar"
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Igual opinião tem João Saraiva que, aos 33 anos, e depois de viver em Londres desde 2016, regressou ao país para assumir funções na Blip, uma empresa que cria soluções para sites de apostas desportivas online.

“Na altura, queria um desafio diferente e decidi emigrar. Apareceu a Betfair e só depois de estar a trabalhar é que soube que havia um escritório aqui.” Natural de Aveiro, encontrou no Porto a porta de reentrada em Portugal. Voltar foi tirar partido “do melhor dos dois mundos”.

Escolha certeira, futuro assegurado

Estes regressos acontecem porque há cada vez mais procura de mão-de-obra qualificada e pouca gente para suprir tantas necessidades. Por isso mesmo, há cada vez mais alunos a escolher as tecnologias de informação como garantia de carreira.

“Coloco-me no lugar de um miúdo de 18 anos", defende João Saraiva. "Se tivesse de fazer uma escolha, fazia sentido.”

Foi essa escolha que fez Catarina Amaral, que estudou Engenharia Informática e Computação e que, aos 23 anos, não só saiu da faculdade com a certeza de ter trabalho na área, como ainda pôde escolher onde iria trabalhar.

Acabou por aceitar o convite da recém-criada Critical Techworks, parceira da BMW que está a desenhar, via Portugal, o software dos automóveis do futuro.

O cenário é igual entre os colegas de curso: estão todos empregados. “Nesta área, aqui em Portugal, existe bastante oferta”, garante à Renascença.

Como reconverter?

Porém, aqueles que saem da faculdade não chegam para suprir as necessidades das empresas e, para muitos, voltar à universidade para fazer uma nova licenciatura não é uma opção. Nesse sentido, aparecem cada vez mais cursos de curta duração que prometem ajudar quem queira mudar de carreira e apostar nas tecnologias da informação.

“A nossa sociedade está a digitalizar, por isso há a vantagem de o nosso trabalho não se tornar obsoleto”, relembra Pedro Belchior, que fez esse percurso e acredita que valeu a pena.

Não é o único e a empresa onde trabalha, a Natixis, é uma das mais recentes “aquisições” de um esforço inter-empresas para angariar novos talentos. O programa “SWitCH” promete “requalificar” quem queira “adquirir competências e capacidades” para se integrar “rápida e totalmente” no “mercado de trabalho enquanto profissional de IT”.

Criado no contexto do Porto Tech Hub, um esforço conjunto da Blip, Critical Software e Farfetch – três empresas já com provas dadas neste “mundo” – , o “SWitCH” é uma entre várias opções que começam a surgir no mercado para ajudar a dar o “salto”.

Guerra pelo talento

Para atrair talento e retê-lo, as empresas lutam, informalmente, umas contra as outras, tentando oferecer mais e melhor qualidade de vida aos seus colaboradores.

A Blip é um sério caso de sucesso nesse “departamento”, tendo ficado famosa por dar condições de trabalho acima da média aos seus trabalhadores e pelo colorido das suas instalações. Há aulas de pilates, trotinetas elétricas para passear pelo edifício, uma zona pejada de videojogos e até uma sala para dormir – tudo para manter a felicidade no trabalho.

“É admirável como aqui, de forma geral, se lida com a pressão. Não é por uma pessoa andar de trotineta ou ter pufes que não vai trabalhar”, assegura à Renascença João Saraiva, para quem as “poucas formalidades” do trabalho em “open space”, onde “toda a gente se trata por tu”, acaba por potenciar a troca de ideias.

Não é, no entanto, única. Com mais ou menos “floreados”, as empresas de IT vão tentando cativar e manter talento com diversas regalias. Por exemplo, na Critical Techworks há bicicletas elétricas da BMW à disposição dos trabalhadores, uma “masterchef” que auxilia nas refeições, pão fresco, doces e “miminhos” ao longo do dia mas, sobretudo, muita flexibilidade de horários.

“Podes trabalhar a partir de casa”, salienta à Renascença Madalena Marinho, “diretora de felicidade” da empresa, que acredita que a forma como se trabalha em equipa, mas com total “autonomia e liberdade”, acaba por atrair quem quer ser desafiado todos os dias em contexto laboral.

“É fácil trabalharmos à nossa maneira. Cada um tem o seu ritmo. Há dias em que fico em casa ou que à tarde me apetece estar concentrado em casa e, à hora de almoço, saio. Só tenho de dizer à minha equipa que o vou fazer. Não existe burocracia”, acrescenta Gonçalo Marques, “rockstar developer” na mesma empresa.

A mesma filosofia é seguida na Natixis, garante a diretora-geral da empresa em Portugal, Nathalie Risacher. Só assim conseguiram contratar mais de 500 pessoas desde que instalaram um centro de competências em plena Rua de Santos Pousada, há dois anos.

“É um desafio, definitivamente. O maior desafio não é encontrá-los, é mantê-los”, admite. “Temos alguns benefícios, como o acesso remoto, para que possam trabalhar de casa. Queremos que haja essa flexibilidade, que as pessoas possam ajustar o seu tempo baseando-se nos seus constrangimentos pessoais."

Outro "elemento-chave", adianta, é o "sentido de pertença". Na Natixis, conclui, "toda a gente tem a possibilidade de criar impacto”.

Comentários
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  • João Marchantinho
    29 jul, 2019 Porto 23:06
    Mas se ficarmos a trabalhar remotamente descontam no salário retirando o subsídio de almoço. Devem ter esquecido de mencionar, acontece

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