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Inglaterra

Em Londres há duas zonas onde é proibido rezar perto de clínicas de aborto

07 fev, 2019 - 13:18 • Filipe d'Avillez

Richmond tornou-se na quarta-feira a segunda freguesia de Londres a proibir qualquer atividade pró-vida, incluindo a oração, nas redondezas de clínicas de aborto.

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Em Londres há já duas zonas delimitadas perto de clínicas para interrupção voluntária da gravidez onde a oração é proibida.

Depois de Ealing, em abril de 2018, a freguesia de Richmond tornou-se na quarta-feira a segunda freguesia da capital inglesa a proibir explicitamente qualquer atividade pró-vida, incluindo manifestações mas também a entrega de panfletos, oferta de ajuda ou simples oração silenciosa.

As proibições assumem a forma de Ordens de Proteção dos Espaços Públicos, instrumentos que dão poderes às freguesias para limitar atividades em certos espaços e que têm sido conhecidos informalmente por “zonas tampão”. No caso de Ealing e de Richmond, as ordens foram aprovadas a pedido das clínicas de aborto, alegadamente para evitar situações de assédio e abuso dos funcionários e utentes daqueles espaços.

Clare McCullough, do movimento Good Counsel Network, que organiza vigílias e concentrações perto de clínicas, rejeita totalmente estas acusações e sublinha o facto de, apesar de a clínica de Ealing ter uma câmara de vigilância permanentemente apontada aos ativistas pró-vida, nunca ter sido apresentada qualquer prova de abusos, violência, ou assédio por parte dos voluntários.

“Infelizmente ninguém exigiu aos nossos opositores que apresentassem quaisquer provas das alegações que são feitas contra nós”, explica McCullough à Renascença.

“Normalmente”, adianta, “a nossa atividade em Ealing envolvia uma pessoa junto ao portão, que entregava panfletos a quem passava e, normalmente, duas pessoas na retaguarda, a rezar. Mas isso acontecia já bastante afastado da clínica, por isso as mulheres que a frequentam nem sequer os conseguiam ver.”

A “zona tampão” de Ealing está, nesta altura, a ser contestada em tribunal por Alina Dulgheriu, uma mulher que ia fazer um aborto, por sentir que não tinha outra solução para a sua gravidez inesperada, mas mudou de ideias quando soube da ajuda e das alternativas oferecidas pela Good Counsel Network. Em primeira instância o seu processo foi recusado, mas Alina apresentou recurso, que está agora a ser analisado.

Para a Alliance Defending Freedom International (ADF), uma organização que presta apoio jurídico em casos de liberdade religiosa, o facto de Richmond ter avançado com uma nova "zona tampão" antes de se conhecerem os resultados do processo contra Ealing é preocupante.

“Mais uma vez uma freguesia londrina cedeu a um grupo ativista e ignorou as provas poderosas de mulheres vulneráveis que aceitaram de boa vontade o apoio prático e emocional oferecido por organizações pró-vida à porta das clínicas de aborto. Esta medida alega dirigir-se a comportamento ‘anti-social’, mas na verdade vai muito mais longe e proíbe até as simples ofertas de ajuda”, escreve o grupo em comunicado.

“Tal como Ealing, Richmond retirou a única verdadeira escolha que as mulheres têm, em nome da ‘escolha’. Esta ordem ignora a experiência real de centenas de mulheres e é absolutamente desproporcional. É uma violação da liberdade de expressão, cuja importância tem sido reiterada várias vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sobretudo em relação a assuntos controversos como o aborto”, afirma Robert Clarke, um dos advogados que dirige a ADF.

Centenas de mulheres ajudadas

Clare McCullough diz que a presença de voluntários perto de clínicas de aborto já permitiu ajudar mais de mil mulheres nos últimos anos. “Só em Ealing há umas 550 mulheres que decidiram ficar com o seu bebé, e estamos a falar apenas das que nos pediram ajuda diretamente. Mas também há mulheres que abortaram e depois nos vieram pedir ajuda e aconselhamento”, diz.

Questionada sobre se alguma das mulheres que decidiu prosseguir com a gravidez veio a arrepender-se, McCullough é clara. “Nunca. Já conheci mulheres que me perguntaram ‘porque é que não estava lá ninguém quando eu fui abortar?’; conheci muitas mulheres que tiveram os seus bebés e passaram por altos e baixos, e dificuldades, que as ajudámos a ultrapassar. Mas nunca conheci uma mulher que dissesse que preferia que o seu bebé não tivesse nascido, não”.

Não são apenas os movimentos pró-vida que se opõem a estas medidas de restrição da liberdade de expressão e até de religião. Brendan O’Neill, editor da revista “Spiked”, diz que não concorda de todo com a estratégia de manifestantes ou ativistas pró-vida se colocarem junto a clínicas de aborto, mas considera absurdo que sejam proibidos por lei de lá estar.

“O que eu tenho dito é que sou absolutamente a favor do direito das pessoas a protestar. Sou completamente contra a aplicação de 'zonas tampão' pelas autoridades em torno de clínicas de aborto, mas gostaria que as pessoas colocassem uma pergunta moral fundamental, que é sobre se estas vigílias junto às clínicas são a melhor estratégia para todos os envolvidos.”

O jornalista, que falou com a Renascença à margem de um evento organizado pela ADF para discutir a situação de Ealing, em que partilhou a mesa com Clare McCullough, lamenta que não haja mais intercâmbios de ideias entre as pessoas com posições diferentes.

“A política, a moralidade e outras áreas da vida têm-se tornado incrivelmente tribais. As diferentes tribos, ou grupos, estão muito polarizados, nunca falam uns com os outros, nunca se encontram, e quando o fazem normalmente não se compreendem”, diz, admitindo que apesar de ser a favor da liberalização do aborto, procura escutar os seus amigos pró-vida para poder entender os seus pontos de vista.

“Thomas Paine, um dos grandes heróis liberais radicais de Inglaterra, disse que o problema com as pessoas que apenas têm um ponto de vista e querem censurar os outros é que se negam a si mesmos a liberdade de poderem mudar de opinião. O verdadeiro problema com a censura é que não estamos apenas a silenciar os outros, mas estamos a negar-nos ao direito de repensar, ao direito de mudar. Ou, mesmo que queira manter as suas opiniões, como muitos querem, perdemos o direito de as melhorar ou expressar melhor.”

Já Clare McCullough teme que estas zonas tampão, caso possam continuar a existir, sejam apenas o princípio e recorda que em França a lei até proíbe a existência de páginas de internet que aconselhem as mulheres a não abortar ou apresentem alternativas ao aborto. “Nós já enfrentamos dificuldades com o acesso à publicidade na internet, o que podemos dizer é muito limitado e não temos direito às mesmas condições que os nossos opositores. Cada panfleto que desenhamos é contestado, disputa-se o rigor de tudo o que dizemos. Qualquer imagem de desenvolvimento fetal é disputado… São coisas que podemos provar, mas ainda assim são desafiados, desafiados, desafiados”, lamenta.

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