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Hora da Verdade

​Misericórdias não querem concorrer com o Estado na Saúde

07 fev, 2019 - 00:29 • Eunice Lourenço (Renascença) e Ana Sá Lopes (Público)

Manuel Lemos, presidente da União da Misericórdias, defende o reforço do sistema público e discorda de uma visão concorrencial como a atual tem e como tem defendido o líder do PSD.

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Manuel Lemos. "Tem de haver correção dos valores pagos às Misericórdias”
Manuel Lemos. "Tem de haver correção dos valores pagos às Misericórdias”

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Um dos setores em que as misericórdias são parceiras do Estado é na Saúde e a revisão da lei de bases é um dos temas em debate no congresso que começa esta quinta-feira, no Algarve.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do “Público”, Manuel Lemos pede uma lei que pense mais nas pessoas do que nas marcas ideológicas.

Como é que está a ver a revisão da lei de bases da Saúde?

É natural rever uma lei com 30 anos. As coisas mudam à nossa volta. Mas a própria saúde enquanto sistema também mudou. Hoje é muito mais ténue a barreira entre a segurança social e a saúde. Onde é que acaba a segurança social e começa a saúde? Não podemos fazer uma lei de bases que olhe só para os hospitais, embora seja muito importante reforçar o serviço público dentro do SNS.

A Constituição da República fala em Serviço Nacional de Saúde, não fala em serviço público de saúde. Eu sou um defensor do serviço nacional de saúde entendendo o serviço público como a trave-mestra e o garante, mas acho que nesta lógica de modernidade é importante ver aquilo que o sector social faz. E o sector social, por exemplo na rede de cuidados continuados, tem um perfil de proximidade que a gestão pública não chega lá da mesma maneira, nem com a mesma eficácia ou eficiência. Ou para fazer isso gasta muito mais dinheiro. Gasta muito mais dinheiro a quem? A nós, portugueses.

O que pensa da lei que foi apresentada pelo Governo?

Acho que é uma base que tem que ser trabalhada, por isso sou muito sensível ao apelo do senhor Presidente da República de tentarmos encontrar uma fórmula de entendimento que não pode ser nem puramente política nem puramente ideológica. Acho que tem que ser uma lei que olhe para a realidade da saúde dos portugueses. E tente encontrar para eles respostas ágeis e simples.

Concorda com a ideia do Presidente de vetar uma lei que seja só aprovada pelos partidos de esquerda?

Em sede de especialidade devia-se encontrar o tal equilíbrio. Se for uma lei muito marcada ideologicamente na base do "é só sector público" ou "não deve haver sector público, só privado"... não concordo nem com uma coisa nem outra. A estrutura base do Serviço Nacional de Saúde tem de ser de facto o sector público, não há volta a dar. Mas não pode ser a 100%. Já não é possível fazer isso!

Como se trata a saúde de uma pessoa idosa que está num lar? Vão-se fazer lares públicos para pôr todos os idosos com doenças? Então vamos também fazer um sistema público de segurança social. E o sector social? É por esse que eu me bato, as misericórdias fazem parte do setor social. Falamos muito em lei de bases, mas é interessante que a lei de bases da Economia Social diz que o Estado deve aproveitar a capacidade instalada das instituições de economia social. Sabe que essa lei foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República?

Portanto, defende que a lei de bases da Saúde devia aproveitar a lei de bases da Economia Social?

É isso que faz sentido! Acho que o Governo, nomeadamente o primeiro-ministro que é uma pessoa com sentido de modernidade, é capaz de ser sensível a argumentos deste tipo. Se pusermos isto no plano político direita/esquerda vamos tender a extremar posições. Não sei se isso é o melhor para os portugueses, francamente. Devia ser uma coisa mais ponderada. O que está em causa não é a questão ideológica, são os portugueses. É o que faz sentido para os que estão no terreno e eu sou a voz das misericórdias.

Disse que a lei de bases da economia social diz que o Estado deve aproveitar a capacidade instalada. Terá sido nessa lógica da "capacidade instalada" que a União das Misericórdias ofereceu a capacidade dos hospitais das misericórdias para recuperar cirurgias no âmbito da greve dos enfermeiros?

Exatamente. Há uma das coisas que está na actual lei que deve ser corrigida. Nós nunca pretendemos ser concorrenciais do Estado. Queremos ser complementares, no quadro da cooperação. Isto é, também não somos descartáveis, do género "empresta lá um bocadinho e depois não precisamos". Para tratarmos os doentes com cuidado, tivemos que fazer investimentos que custaram muito dinheiro.

Quem tem defendido essa visão concorrencial tem sido o dr. Rui Rio...

Mas eu não subscrevo essas palavras do dr. Rui Rio. Por isso é que eu digo que isto não se pode pôr no plano político. Eu não concordo com isso. As misericórdias não estão nesse plano, estão no quadro da complementaridade. É por isso que hoje estamos a operar pessoas ao abrigo das listas de espera. Claro que era bom que não houvesse listas de espera!

Como é que está a ver a greve dos enfermeiros?

Preocupa-me muito, mas não conheço em pormenor o que são as reivindicações dos enfermeiros e o que é que os leva à greve. Conheço muitos enfermeiros, são pessoas extremamente responsáveis. Acho que vale a pena tentar perceber o que é que de repente os moveu - foi de repente, porque foi no último ano é que assistimos a este movimento de greves sucessivas - para percebermos como devemos conversar com os enfermeiros, porque eles são, conjuntamente com os outros profissionais de saúde, estruturantes para que o sistema funcione.

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