Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Igreja lembra bispo discreto que marcou "várias gerações"

31 jan, 2019 - 14:09 • Ângela Roque

"A semente lançada à terra", de D. António dos Reis Rodrigues, homenageia o antigo bispo auxiliar de Lisboa por ocasião dos 10 anos da sua morte e no centenário do seu nascimento.

A+ / A-

O livro "A semente lançada à terra", editado pela Lucerna, contém várias ‘notas de espiritualidade’ que foram sendo escritas por D. António dos Reis Rodrigues, que as reuniu da forma como agora são apresentadas.

“É muito interessante porque é o resumo, de certo modo, da sua experiência de vida, e é a versão final feita por ele”, diz à Renascença o padre Duarte da Cunha, que apresentará a obra, e que conheceu de perto o antigo bispo auxiliar de Lisboa.

“Convivi muito com ele, tive essa sorte, porque o meu pai foi presidente da Juventude Universitária Católica (JUC) na altura em que o D. António era o assistente espiritual, e portanto esse conhecimento já vinha de família”. Um convívio que se prolongou no tempo. “Quando entrei no seminário ele já era bispo auxiliar, e por causa da relação que tinha com o meu pai, ficámos logo amigos. Ao longo dos meus anos de seminário, e mesmo depois como padre, convivemos muito. Ia muitas vezes conversar com ele, conversas de uma riqueza enorme”, conta.

“O D. António chegava ao fim do dia a casa e, se tinha ouvido, pensado, ou lido alguma coisa particularmente significativa para ele, escrevia numa ficha esse pensamento, que depois de vez em quando retomava. E chegou ao fim da vida e compilou as várias fichas que tinha, os vários pensamentos. E são, de facto, pérolas de espiritualidade, porque são frases de uma acutilância, de uma decisão e de uma beleza que, não sendo um romance, quem ler aquelas notas tem um manancial para rezar”, avança Duarte da Cunha.

E se o livro “revela a pessoa do D. António, percebe-se a sensibilidade dele, os seus gostos, a sua qualidade de escrita”, também mostra e resulta da capacidade de organização que tinha. “Era um homem metódico, formado em direito, e isso marcou-o. Mas, não era um homem frio de organização. Tinha muito afeto, muita alma, e isso vê-se também nas relações humanas que deixou. As pessoas que fazem referência a ele são de várias gerações, desde quem tem hoje 80 anos a quem tem 40 ou 50 anos, como eu”, conta.

D. António dos Reis Rodrigues foi 18 anos assistente nacional e diocesano da JUC, e 16 anos capelão da Academia Militar, onde lecionou Deontologia Militar e Ética. No mesmo período foi professor de Doutrina Social da Igreja, no Instituto de Serviço Social. Foi, por isso, “muito influente na sociedade civil, por causa de todas as pessoas que formou, homens que depois foram influentes no nosso destino. Mesmo alguns que depois acabaram por deixar a fé, ou deixar de praticar, sempre mantiveram uma estima pelo D. António, e o D. António por eles”, revela Duarte da Cunha, que faz também questão de sublinhar a marca que o antigo bispo deixou “quer na Diocese de Lisboa, nas coisas organizativas, o Fundo do Clero, quer nos documentos e no pensamento da Conferência Episcopal, onde foi várias vezes secretário e chegou a ser vice-presidente”.

“Há muita coisa que lhe devemos, mas tinha esta característica de ser um homem discreto, nunca era um homem da ribalta”, sublinha Duarte da Cunha. “Aliás, para este livro tivemos dificuldades em encontrar uma fotografia para a capa, porque ele nunca foi muito fotografado, nunca foi uma pessoa de primeira página. Era, no entanto, um homem de discreta mas influentíssima presença nos textos, no olhar, no juízo que se fazia sobre as questões, quem olha para trás vê que a presença dele foi muito marcante em muitos campos da vida da Igreja dos anos 70, 80, 90”, diz ainda.

Iniciativa da editora Lucerna, e de um grupo de amigos do antigo bispo, o lançamento deste livro “coincide com o centenário do seu nascimento, ele teria agora 100 anos, e também com o aniversário da sua morte, porque faz dia 3 de Fevereiro 10 anos que morreu”, e quer dar a conhecer melhor quem foi este homem da Igreja. “De facto, é um desejo de vários dos seus amigos, de várias gerações, voltar a falar dele para ver se é mais conhecido. Ele tem outros livros publicados sobre a Doutrina Social da Igreja, muito importantes, talvez mesmo o melhor que há em português nesta área ainda é o que ele escreveu. Esperemos que se possa retomar os livros dele, o seu pensamento”.

“Era um homem de cultura e sabedoria, mas a sua característica máxima era a sua fé e o amor a Cristo”, sublinha o padre Duarte da Cunha, que lembra outro livro importante de D. António. “Já no fim da vida quis escrever sobre Jesus Cristo. Dizia 'ele deu-me tanto ao longo da minha vida, que gostava de dar este último tributo e escrever um livro sobre ele'. Era o amor que ele tinha à Igreja, aos bispos e ao Papa reinante, e também às pessoas concretas. Embora fosse uma pessoa muito tímida, era uma pessoa de enorme amor à Igreja e a Jesus Cristo, e eu gostava de vincar isso como uma das suas características mais visíveis”.

E pode ser exemplo para os sacerdotes de hoje? “Sem dúvida. Um dia, tinha eu sido ordenado há um ano e qualquer coisa, perguntei-lhe ‘o que diria a um padre novo?', e ele respondeu 'nunca te esqueças que foste investido de uma paternidade espiritual’. Essa frase dita por ele, naquele tom tão calmo que tinha, ainda hoje me vem à memória, diante de várias circunstâncias, para me posicionar naquilo que é a minha vocação”.

"A semente lançada à terra – breves notas de espiritualidade" vai ser apresentado este domingo, dia 3 de fevereiro, às 18h00, na Igreja de S. Nicolau, em Lisboa, pelo padre Duarte da Cunha e por Pedro Roseta, com a presença do cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+