17 jan, 2019 - 06:39 • Redação com Lusa
A legalização da canábis para uso recreativo é debatida esta quinta-feira no parlamento, com BE e PAN a apresentarem projetos de lei idênticos, discordando apenas quanto aos locais de venda.
O Bloco de Esquerda (BE) defende que a venda deve ser feita em estabelecimentos licenciados para o efeito, que "devem ter, apenas e só, como atividade principal o comércio de plantas, substâncias ou preparações de canábis", enquanto o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) considera que a venda "deve ocorrer exclusivamente em farmácias, porque são pontos de venda neutros", onde há profissionais habilitados para prestar esclarecimentos.
Na semana em que foi publicada a regulamentação da lei da canábis para fins terapêuticos, aprovada em julho passado, os deputados voltam a discutir a questão, agora para legalizar a droga para uso pessoal e não medicinal, permitindo mesmo o autocultivo.
Os projetos não são consensuais, e se por um lado o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, diz que a instituição tem de tomar uma posição, pelo impacto da medida na saúde, a Associação de Estudos Sobre Canábis - Cannativa considera que a legalização seria "um grande passo" para combater o crime organizado e "um passo na direção da saúde pública".
Já a Ordem dos Farmacêuticos (OF) deu parecer negativo sobre os projetos, considerando que assentam em pressupostos incorretos e generalistas e transmitem um sinal errado à sociedade. O relatório diz que a sociedade atual já está sobrecarregada com os efeitos nefastos decorrentes da utilização de duas substâncias psicotrópicas: o tabaco e o álcool e "não precisa de mais um fardo".
Também a Associação dos Médicos Católicos Portugueses está contra, alegando que “está amplamente comprovado cientificamente que a canábis causa lesões estruturais e funcionais no sistema nervoso central, nomeadamente, psicoses gravíssimas”.
Como tal, os médicos católicos admitem que “não podem aceitar que se legalize uma droga com efeitos tão nefastos para a saúde”.
Meio milhão de portugueses consomem regulamente
Os dados do último inquérito nacional indicam que um em cada 10 portugueses já consumiu canábis pelo menos uma vez na vida e que há uma tendência para aumento, sobretudo entre os portugueses que têm hoje entre 25 e 44 anos.
De acordo com os resultados do estudo, não só há mais pessoas a consumir como há mais consumo diário ou quase diário. Nos últimos 12 meses de 2017, mais de três quintos dos consumidores tiveram consumos diários, ou quase.
O Norte, o Centro, Lisboa e os Açores são as regiões com mais registo de consumo, enquanto o Alentejo se apresenta na ponta oposta.
Embora continue a ser mais consumida por homens, a canábis tem-se generalizado e tem registado um aumento de consumidoras femininas, além de um aumento do consumo em geral.
Quais os projetos?
O projeto de lei do BE, o primeiro partido a apresentar a iniciativa legislativa, propõe a legalização da canábis para consumo pessoal não medicinal, passando a lei a regular os aspetos da produção e do cultivo, da comercialização, da aquisição, detenção e consumo da planta ou derivados.
No seu projeto de lei, o PAN afirma que o objetivo da regulação do uso recreativo da canábis é a "proteção da saúde e segurança pública", providenciando um acesso seguro e informado.
Os dois partidos defendem que a venda deste produto só pode ser feita a maiores de 18 anos e que não padeçam de doença psíquica.
Propõem igualmente a proibição de publicidade a produtos à base de canábis e aos estabelecimentos que os vão vender e que as embalagens sejam neutras e informativas, alertando para os eventuais danos para a saúde do consumidor.
Relativamente ao cultivo para o uso pessoal, o projeto de lei do BE permite o autocultivo até um limite máximo de cinco plantas por habitação própria e permanente e o PAN de seis plantas.
Apenas dois países têm canábis legalizada
Caso os projetos sejam aprovados Portugal será o terceiro país do mundo com a legislação mais permissiva, depois do Uruguai e do Canadá.
Nos Estados Unidos também já vários estados legalizaram a canábis para fins recreativos, como os estados do Colorado, Washington, Oregon, Alasca, Califórnia, Maine, Massachusetts e Nevada.
O consumo, que em Portugal é descriminalizado desde 2001, é também tolerado em vários outros países, quer por legislações dúbias quer por não cumprimento dessas legislações.
Segundo informação em vários órgãos de comunicação social, exemplo disso é o que se passa em países como a Argentina Equador, ou México, Croácia, República Checa, Austrália ou Camboja.
O autocultivo, que está previsto no Uruguai e no Canadá (até seis plantas ou até quatro plantas, respetivamente) e nos projetos de lei portugueses até cinco plantas (BE) ou seis (PAN), também é permitido em países, e em circunstâncias específicas, como a Espanha ou a Jamaica, a Colômbia ou o Chile.
Já a canábis para uso medicinal é permitida em cerca de três dezenas de países, desde logo em Portugal, com a aprovação da lei a 15 de junho passado (promulgada pelo Presidente a 10 de julho), também por iniciativa do Bloco de Esquerda e do Pessoas-Animais-Natureza.