21 nov, 2018 - 09:29 • Olímpia Mairos
Adérito Medeiros Freitas, de 84 anos, descobriu, em 1986, o primeiro lagar escavado na rocha no concelho de Valpaços.
“Um presidente de junta pediu-me para ir ver uma pedra que tinha uma cavidade. Fui e fez-se-me luz. Era um lagar com um calcatório [local onde se pisam as uvas] bastante grande. Passado uma semana, tínhamos descoberto mais seis”, conta o geólogo.
A partir daí, Adérito Freitas, natural da aldeia de Campo de Égua, no concelho de Valpaços, nunca mais parou. E as descobertas foram-se sucedendo, assim com a publicação de livros onde é dado a conhecer este património utilizado pelos romanos para fazer vinho.
"Nas edições, estão 101, mas já conhecemos mais cinco ou seis”, diz, explicando que “há lagares que têm apenas a parte onde eram pisadas as uvas, só têm o calcatório, são lagares de bica aberta, e, depois, há lagares mais evoluídos que já têm a lagareta, o pio”.
“Na sua maioria, são lagares retangulares, mas há também quadrados e até circulares, que são os mais raros. Alguns com grande capacidade”, acrescenta.
Os lagares rupestres escondem-se por entre a paisagem transmontana, em propriedades privadas, e têm mais de dois mil anos de história. “Na generalidade, são romanos. Estou convencido que os mais antigos poderão reportar há dois mil anos ou mesmo a mil antes de Cristo”, observa.
Adérito Freitas não sabe explicar a razão para a existência de tantos lagares esculpidos na rocha, mas refere que “estão nas proximidades onde houve ocupação romana”.
“Eles [os romanos] escolheram os locais mais próprios à produção de boa qualidade de vinhos. E este vinho já tinha qualidade e admito que tivesse sido exportado para Roma. Eles vinham aqui buscar o ouro, a prata e, depois, mais tarde, o cobre. Porque é que não haviam de levar o vinho?”, questiona Adérito Freitas, sublinhando “uma particularidade curiosa : ainda hoje, na zona dos muitos lagares, se produz vinho de alta qualidade”.
Vinhos em lagares rupestres
O interesse pela descoberta de lagares foi crescendo e, há dois anos, um grupo de engenheiros e enólogos decidiu fazer vinho num desses lagares, como no séc. I.
Em Santa Valha, “fez-se uma vindima numa vinha velha, promiscua. Eu acredito que as cepas, a maior parte, tenham sido trazidas já pelos romanos ou pelos fenícios. As uvas foram pisadas no lagar, um lagar fantástico que tem cerca de quatro metros de cumprimento, e o vinho foi apadrinhado por Augusto Lage que lhe deu o nome de calcatório”, conta Adérito Freitas.
O padrinho do vinho, Augusto Lage, revela que há produtores interessados em comercializar o néctar produzido como na pré-história. “Há produtores que já estão a pensar fazer vinho calcatório, mas, sobretudo, é uma forma de vender outros vinhos”, adianta, frisando que “desses viticultores modernos que há pelo mundo fora, nenhum deles, seguramente, faz vinho em lagar rupestre”.
A Comissão vitivinícola Regional de Trás-os-Montes já está a preparar uma certificação para esses vinhos. “Neste momento, estamos a trabalhar no processo de certificação do vinho dos lagares rupestres e quando tivermos o processo fechado, os produtores da região poderão perfeitamente, desde que cumpram com os requisitos, passar a produzir vinho segundo essas condições”, esclarece o presidente o organismo, Francisco Pavão.
Património da Humanidade
Os lagares escavados na rocha estão entre os vestígios mais antigos associados ao cultivo da vinha em Trás-os-Montes e há investigadores que acreditam que, neste território, a produção de vinho pode remontar à época pré-histórica. Foram, no entanto, os romanos que incrementaram o gosto pelo consumo do vinho.
Para “valorizar e promover” este património, nasceu em Valpaços a Associação Portuguesa dos Lagares Rupestres (LARUP) que junta várias entidades portuguesas e espanholas. O presidente da autarquia, Amílcar Almeida, afirma que o objetivo da LARUP é “impulsionar” a candidatura dos lagares rupestres a Património Mundial da UNESCO.
“Vamos ver até que ponto possa merecer o papel de destaque que nós queremos. Queremos ter uma associação forte, capaz de promover todo esse trabalho e aí sim, apresentarmos a candidatura. Estes lagares são de uma beleza incalculável”, sublinha o autarca.
Já o presidente da Comissão vitivinícola Regional de Trás-os-Montes, Francisco Pavão, considera que a candidatura a apresentar à UNESCO “é quase uma obrigação, porque é um legado histórico, um património único que é preciso preservar e potenciar”.
Também Adérito Freitas defende que a candidatura deverá ser uma realidade a curto prazo, mostrando-se “muito confiante e com muito entusiasmo”.
O geólogo e investigador que identificou no concelho de Valpaços mais de uma centena de lagares escavados em maciços graníticos, gostaria ainda “que fossem postas fotografias na net de todos os lagares e que, ao clicar, tivesse toda a informação acerca deste ou daquele” e ainda que fosse “criado um parque geológico para mostrar a riqueza do concelho nesta área”.
Para já, “está a ser criado um roteiro pelos lagares escavados na rocha, alguns dos quais se encontram em propriedade privada, pelo que o trabalho está a ser desenvolvido em conjunto com os proprietários”, adianta o presidente da Câmara de Valpaços.