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O general que privilegiava a honra às honrarias

17 nov, 2018 - 09:56

Loureiro dos Santos morreu este sábado aos 82 anos. É considerado o "grande mestre da moderna escola de Estratégia em Portugal".

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José Loureiro dos Santos, que morreu este sábado aos 82 anos, nasceu em Trás-os-Montes de famílias humildes e tornou-se o mais jovem general português de quatro estrelas, elogiado pela sua capacidade de análise e decisão.

O ex-Presidente da República António Ramalho Eanes elogiou a prioridade que dava à "honra, mais do que as honrarias" e o conselheiro da Revolução Rodrigo Sousa e Castro a sua "excecional inteligência", que ditou "o brilhantismo do seu percurso".

Eanes e Sousa e Castro, no prefácio e posfácio que assinaram respetivamente na biografia de Loureiro dos Santos, da autoria da diretora de Informação da agência Lusa, Luísa Meireles, não poupam nos elogios a este ex-vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em 1977.

Elogios que vão da vertente pessoal à estritamente militar, passando pela académica.

O melhor aluno do curso no liceu e na Escola do Exército é considerado por Eanes como o "grande mestre da moderna escola de Estratégia em Portugal" e por Sousa e Castro "um dos mais notáveis militares da geração da década de 50".

O ex-Presidente salientou-lhe nos traços pessoais "a ética, a liderança pelo exemplo, capacidade e eficácia, o respeito pelo outro, um grande rigor no estudo, pensamento e ação, o amor pelas ideias e pela cultura em geral, aliados a uma notável capacidade de decisão".

Sobre a sua faceta de reformador da estrutura militar, quer enquanto chefe militar, quer enquanto ministro, recordou, entre outros, o seu contributo para a consagração legal da subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático (Lei 17/75, de 26 de dezembro) ou para a redefinição das funções e arquitetura destas, num quadro pós-colonial.

O seu objetivo, detalhou, era "salvaguardar a indispensável ideologia formal das Forças Armadas – hierarquia, disciplina, unidade – através da competência, do mérito, da confiança e da modernização dos meios (...), de maneira a torná-las aptas a bem responder a todas as exigências legais internas ou externas, do poder político democrático".

O reconhecimento que lhe foi dado levou-o a receber dezenas de condecorações, a aconselhar futuros chefes militares e a ser solicitado para lecionar em várias instituições de ensino superior.

Dois episódios ilustram a firmeza e o humor de Loureiro dos Santos.

O primeiro, revelado no livro de Luísa Meireles, respeita a uma conversa telefónica com o então primeiro-ministro Durão Barroso, sobre a existência de armas químicas no Iraque de Saddam Hussein: "Pois se viu as provas, não acredito nelas", disse o general "em tom afirmativo e numa pouco habitual voz alta".

O segundo, revelado pelo jornalista Manuel Carlos Freire, num perfil publicado pelo "Diário de Notícias" em 2008, respeita ao nome do gato de estimação: Che Guevara.

Em Sabrosa, terra de onde é natural, deixa instalado o Centro de Estudos e Investigação de Segurança e Defesa de Trás-os-Montes e Alto Douro, que recolhe parte do seu espólio.

Reações

O site da Presidência da República publicou ao final da manhã uma nota de três parágrafos sobre o general. "Ministro da Defesa Nacional entre 1978 e 1980, Vice-Chefe do Estado-Maior-General, em 1977, e Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Loureiro dos Santos teve uma destacada e reconhecida participação na vida pública portuguesa, com uma contribuição muito relevante para a consolidação da Democracia."

"Com uma excecional inteligência e vasta experiência académica, o General Loureiro dos Santos era detentor de um pensamento inovador nos conceitos de estratégia e Defesa Nacional, sendo considerado um dos mais notáveis militares da sua geração e o grande mestre da moderna escola de Estratégia em Portugal."

"O General José Alberto Loureiro dos Santos, várias vezes condecorado pelo Estado Português, foi este ano agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que lamenta a sua morte e envia as mais sentidas condolências à família, aos amigos e às Forças Armadas", conclui a nota.

Este sábado de manhã o ministro da Defesa, Gomes Cravinho, publicou uma mensagem no Twitter em que lamenta a morte do general. "Recebi com pesar a notícia do falecimento do General Loureiro dos Santos. Figura de referência ímpar no pensamento militar em Portugal, ele foi fundamental para a transição das Forças Armadas no regime democrático. Foi um grande chefe militar e um exemplo ético para todos", diz.

O primeiro-ministro, António Costa, expressou o seu "profundo pesar", considerando que o general deixou uma "marca indelével na construção e consolidação" da democracia portuguesa.
"O general Loureiro dos Santos deixou uma marca indelével na construção e consolidação da nossa democracia", vincou o também secretário-geral do PS, que falava aos jornalistas antes de um almoço com militantes socialistas, em Coimbra.

Contactado pela Renascença, o coronel Lemos Pires, que era muito próximo do General, recorda-o como um inovador e sublinha a sua "lealdade extrema".

"Estamos a falar de alguém de dimensão nacional, como cidadão, como militar e como pessoa. Como pessoa estamos a falar de um jovem que era um dos melhores alunos que Portugal teve, alguém que veio de condições económicas muito difíceis, fez a vida a pulso e foi um dos melhores alunos da Academia. Foi de uma extrema lealdade para com a sua família e para com a sua pátria durante toda a vida. De uma lealdade extrema aos seus camaradas e aos seus subordinados."

"Como militar distinguiu-se por ser um inovador e nunca teve medo de enfrentar a situação para dizer o que pensava", conclui.

Também o presidente da Assembleia da República reagiu à notícia da morte de Loureiro dos Santos, numa nota enviada à Renascença em que diz que o general "foi sempre uma voz muito presente no espaço público, que contribuiu bastante para a difusão de uma cultura de segurança e defesa em Portugal. Espero que o seu legado continue sempre bem vivo no Exército e na sua terra natal de Sabrosa, onde existe um arquivo aberto ao público com o seu nome".

João Soares sublinha a generosidade do falecido general. "Recebo como grande tristeza a morte do general. Quando tive responsabilidades na área da defesa, sob a direção de António José Seguro, várias vezes falei com ele, também quando fiz parte do Conselho Superior de Defesa Nacional. Várias vezes me aconselhei com o general, que nunca deixou de, generosa e inteligentemente, me dar o seu conselho".

O chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) recordou o general Loureiro dos Santos como "uma referência" na sua vida, considerando ser um "dia triste para todos os militares e académicos".
"Foi não só um militar brilhantíssimo, mas um intelectual de elevada craveira, a sua morte representa para todos nós, militares, uma grande perda, mas também para a academia em Portugal", disse à Lusa, o almirante António Silva Ribeiro.



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