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Eleições intercalares. "A grande incógnita é quão forte será o apoio aos democratas nas urnas"

06 nov, 2018 - 16:36 • Joana Azevedo Viana

As eleições desta terça-feira vão ajudar a desbravar caminho na encruzilhada em que os americanos se encontram. Estes são os quatro pontos a ter em atenção quando os resultados começarem a chegar.

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James Fallows, jornalista americano que dirige a histórica revista “The Atlantic”, foi quem o expressou melhor num encontro com a Renascença em setembro, em Washington DC: “Seria de esperar que os democratas reconquistem a Câmara dos Representantes nas eleições intercalares de novembro, mas o que a eleição de Donald Trump mostrou é que nunca se sabe.”

Na primeira ida às urnas a nível nacional desde que Trump se tornou Presidente, há grandes esperanças depositadas nestas eleições e grandes incógnitas sobre os futuros vencedores e derrotados. Muitos vêem-nas como um referendo aos primeiros dois anos da administração Trump, mas para vários analistas há uma leitura ainda mais importante a fazer – de que forma é que o país está ou não a mudar face a esta presidência?

Os resultados, previstos para a madrugada de quarta-feira em Lisboa, poderão ajudar a encontrar respostas a poucas semanas do arranque das campanhas presidenciais para 2020. Estes são os quatro grandes tópicos a ter atenção no rescaldo das eleições, que vão ajudar a delinear o mapa político da América para os próximos dois anos.


Jovens + liberais = abstenção?

Vários artigos de opinião publicados ao longo dos últimos meses nos EUA ressaltavam o desinteresse das gerações mais jovens na política, o que faz deste o primeiro ponto a ter em atenção no rescaldo das intercalares americanas.

“Entre as gerações mais jovens parece haver uma viragem à esquerda, no seguimento do que aconteceu com Barack Obama em 2008”, explica à Renascença Dane Smith, investigador político da Growth and Justice, uma organização sem fins lucrativos sediada no Minnesota. “Os millenials em particular [nascidos entre 1983 e 1996] estão muito envolvidos em movimentos cívicos e estão só à espera de um empurrão político para alargarem esse envolvimento à política e à participação eleitoral.”

Para Smith, isso pode vir a ajudar o Partido Democrata se este souber jogar bem as suas cartas e aceitar que, com o desaparecimento das gerações mais velhas – em particular os Baby Boomers (nascidos entre 1945 e 1960), que são tendencialmente mais conservadores e favoráveis ao Partido Republicano – este desejo de políticas mais progressistas e de maior diversidade entre os que representam os eleitores é um importante fator de atração política entre as camadas mais jovens.

Nas primárias que abriram caminho às intercalares desta terça-feira, esse desejo foi manifestado em diversos sítios. No Minnesota, Ilhan Omar, uma refugiada somali de 36 anos que venceu as primárias democratas em agosto, deverá roubar o assento ao republicano Keith Ellison na Câmara dos Representantes. Em Vermont, Christine Hallquist, uma mulher transgénero de 62 anos, conquistou os corações do eleitorado democrata nas primárias de há três meses e tem boas chances de ser eleita governadora do estado esta terça-feira.

Quem vai sair de casa para votar?

Há consenso entre especialistas da direita à esquerda sobre o grande problema que os Estados Unidos enfrentam atualmente: a hiperpolarização política. “Esta enorme e crescente polarização, esta toxicidade na política, é o maior problema que enfrentamos e é o que está a afastar os jovens das urnas”, defende Ken Martin, dirigente do Partido Democrata no Minnesota. William Galston, do Instituto Brookings, partilha da opinião. “A polarização partidária está no pior nível de sempre”, defende o especialista eleitoral.

Para Martin e Galston, como para outros analistas ouvidos pela Renascença em viagens recentes pelos EUA, a consequência desta polarização é a crescente desilusão do eleitorado e a forma como ela pode manifestar-se nas urnas, a começar já esta terça-feira.

Analisar e comparar dados sobre participação eleitoral nestas intercalares será uma das melhores ferramentas para perceber o rumo que o país está a tomar e tentar antever o que vai acontecer em 2020 (isto apesar de o Partido Democrata ainda não estar encaminhado na escolha do seu candidato presidencial).

Neste contexto vale a pena prestar atenção a grupos específicos do eleitorado, como as mulheres e os latino-americanos. As primeiras, como provado em 2016, são fulcrais em qualquer ano de eleições. Didi Kuo, investigadora da Universidade de Stanford dedicada a estudar partidos e polarização política, cita o fenómeno ‘falsificação de preferências’ para ilustrar isso mesmo. “Quando muitas mulheres disseram em sondagens que não iam votar em Trump em 2016, fizeram-no para ‘agradar’ a pessoa do outro lado, que lhes estava a fazer o inquérito de opinião, ou porque tinham vergonha de o assumir mas acabaram por votar em Trump.”

Da mesma forma, é preciso ter em atenção que as diferentes comunidades e minorias que compõem o eleitorado norte-americano não são estanques. “Os vários grupos que tendencialmente apoiam os democratas não permanecem inalterados ao longo do tempo”, explica Seth Masket, que dirige o Center on American Politics na Universidade do Colorado. “O melhor exemplo disso é a comunidade muçulmana: antes do 11 de setembro, grande parte da comunidade apoiava o Partido Republicano por seguir uma linha política mais conservadora mas com os atentados mudou-se largamente para o outro lado.”

Isto traduz-se numa maior heterogeneidade entre as chamadas minorias dos EUA, como já está a acontecer no estado da Florida. Em Miami, onde o espanhol predomina, as diferentes comunidades de origem hispânica vão já nas suas terceiras gerações, descendentes de cubanos, mexicanos, salvadorenhos cujos pais já nasceram nos EUA. Os mais velhos estão mais próximos do Partido Republicano, os mais jovens dos democratas.

“A comunidade hispânica é objeto tanto da fantasia dos democratas como da fantasia dos republicanos e a verdade está algures no meio”, defende Joshua Blank, analista estatístico do Texas Politics Project. “Não é uma comunidade universalmente liberal nem universalmente conservadora, sobretudo no que toca a tópicos fraturantes como as políticas de imigração.”

Imigração, motor das campanhas - e do país - em 2018

A grande conquista deste Presidente em dois anos foi uma reforma tributária que agrada às grandes empresas e aos mais ricos e que muitos eleitores republicanos apoiam. Contudo, explica Galston, do Instituto Brookings, “o partido depressa deixou de lado esse tópico nestas eleições, porque percebeu que o que funciona para eles é falar de imigração”. Trump também o sabe e é por isso que passou as últimas semanas a discursar sobre o tópico, por isso também que fechou a campanha para estas intercalares com um comício no Missouri onde voltou a focar-se nas “ameaças” que os de fora representam.

É por causa das feridas abertas no país e da falta de soluções para os imigrantes que já chegaram e para os que vão chegar que o senador republicano Ted Cruz deverá vencer no Texas apesar da enorme onda de apoio ao seu rival democrata, Beto O’Rourke.

“As políticas de imigração e de segurança fronteiriça são sempre discutidas e decididas ao nível federal, mas no Texas estas são questões estatais muito importantes em ano de intercalares, e os republicanos capitalizam bastante desses argumentos anti-imigração”, defende Joshua Blank. “Os democratas do Texas ainda vivem num ambiente bastante conservador, o que mudou com Trump é que ele parece tê-los empurrado para políticas mais liberais. A raiva é um motivador mais forte do que o desdém.”

Essa raiva surgiu sobretudo com a polémica política de separação de famílias de imigrantes que têm chegado à fronteira sul dos EUA, uma que o Presidente continua a defender mas que é criticada até por republicanos como Matt Mackowiack, consultor do partido baseado em Austin, no Texas.

Mãe da Guatemala reúne-se com filho. “Temos de vencer esta batalha”
Mãe da Guatemala reúne-se com filho. “Temos de vencer esta batalha”

“Trump age muito na base da chamada teoria do homem louco: quando assumes uma posição extrema publicamente logo ao início e depois negoceias nos bastidores propostas menos extremadas que agradem aos dois lados. Penso que é assim que ele tem agido no que toca à imigração. Gosto de algumas das coisas que ele fez, mas não gosto da retórica dele nem da famosa política de separação de famílias.”

Para Mackowiack, Trump escolhe agir desta forma porque é a única maneira de manter a sua grande base de apoio inalterada. “Cerca de 35% dos seus apoiantes-base, maioritariamente homens brancos que viram os seus empregos e fábricas desaparecer nos últimos 20 anos, comportam-se como seguidores de um ditador. Sentem que a imigração é o problema e farão o que quer que Trump lhes diga para fazerem; os inimigos de Trump são os inimigos deles.”

Face a isto, o republicano remete para a questão da participação eleitoral. “A grande incógnita é quão forte será o apoio aos democratas nas urnas.”

O elefante no Congresso: destituição

Esta será talvez a maior incógnita no pós-intercalares: se os democratas reconquistarem a Câmara dos Representantes como é esperado, vão tentar destituir o Presidente?

O único consenso neste ponto é mais abstrato que concreto. A maioria dos analistas e especialistas ouvidos pela Renascença nos EUA, quer democratas quer republicanos, concorda que abrir um processo de ‘impeachment’ pode ser um erro.

Como explica Didi Kuo, a história mostra que uma vitória da oposição nas intercalares ajuda o Presidente no poder e isso é ainda mais verdade este ano, face aos escândalos e polémicas de um líder que, apesar de tudo, foi eleito democraticamente.

“Uma vitória dos democratas vai colocar o país numa situação complicada, porque vai reduzir as hipóteses de um candidato presidencial democrata vencer em 2020. E depois há a questão da destituição de Trump; existe uma opinião generalizada, até entre a esquerda, de que os democratas não devem apressar um processo desta natureza.”

No limite, e se de facto conquistarem uma maioria de assentos na Câmara dos Representantes, os democratas poderão optar por não se concentrarem nas suspeitas de conluio entre o Presidente e a Rússia durante a campanha presidencial de 2016 e, em vez disso, focarem-se nas finanças de Trump.

Muitos americanos continuam a questionar o que é que o Presidente tem a esconder, em parte por ter sido o único líder da História moderna dos EUA a não divulgar as suas declarações de rendimentos. Se forem detetadas inconsistências, a maioria democrata na câmara baixa do Congresso pode decidir abrir uma investigação que culmine na destituição do Presidente.

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