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Nuclear

Que tratado é este que Trump quer destruir e porque pode a Europa ficar em perigo?

21 out, 2018 - 15:53 • Marta Grosso

O Presidente dos EUA acusa a Rússia de violar “há muitos anos” o tratado sobre mísseis assinado em 1987. Mas este não é um assunto só entre Washington e Moscovo.

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“É a maior crise no controlo de armas nucleares desde os anos 80”, afirma o vice-diretor geral do Instituto Royal United Services, ouvido pelo jornal “The Guardian”. Malcolm Chalmers é apenas um dos peritos na matéria que teme pelo fim do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, mais conhecido por INF.

“Se o INF colapsa, e tendo em conta que o tratado New Start sobre armas estratégicas expira em 2021, os países que detêm armas nucleares deixarão de ter limites ao seu arsenal”, o que acontece “pela primeira vez desde 1972”, refere o mesmo responsável.

Mas, afinal, que tratado é este donde os EUA ameaçam sair?

Assinado em 1987 entre o Presidente norte-americano Ronald Reagan e o seu homólogo russo, Mikhail Gorbachev, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário representou um marco na relação entre as duas potências mundiais durante a Guerra Fria.

O tratado estabelece um limite ao alcance dos mísseis balísticos e de cruzeiro dos dois países (entre os 500 e os cinco mil quilómetros), mas não cobre os mísseis lançados do mar.

O acordo pôs fim à crise desencadeada na década de 1980 com a implantação dos SS-20 soviéticos, que tinham capitais ocidentais como alvo. Oferece também, por isso, uma espécie de cápsula de proteção aos países europeus aliados dos Estados Unidos.

Passados três anos da entrada em vigor do INF, tinham sido destruídos 2.692 mísseis. Seguiram-se 10 anos de inspeções aos arsenais dos dois países.

O que é que a Europa tem a ver com isto?

Os SS-20 são mísseis balísticos de alcance intermédio com três ogivas nucleares de 150 toneladas. Podem alcançar entre 4.700 e 5.000 quilómetros – o suficiente para atingir a Europa Ocidental – e foram considerados um sistema potencialmente ofensivo (ao contrário das suas versões anteriores).

Em 1977, a União Soviética conseguiu implantá-los em países europeus seus aliados, ficando assim mais perto do território dos Estados Unidos.

Mas foi um líder europeu o primeiro a reagir à ameaça. Helmut Schmidt, então chanceler da Alemanha Ocidental (RFA) lançou um apelo à NATO e aos EUA no sentido de analisar uma resposta à implantação dos SS-20, que Schmidt considerava deixarem o Ocidente em desvantagem.

Em 1979, sai então uma declaração dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa dos países membros da NATO, que denunciava um grande “desenvolvimento da capacidade em sistemas nucleares” por parte do Pacto de Varsóvia “que ameaçam diretamente a Europa Ocidental”.



Pacto de Varsóvia era a aliança militar formada por países socialistas do Leste europeu e a Rússia, em contraposição à NATO, organização que unia as democracias da Europa Ocidental e os Estados Unidos na defesa de eventuais ataques vindos do Leste.

A queda do Muro de Berlim e a crise na União Soviética ditaram o fim do Pacto de Varsóvia, em março de 1991, acabando em simultâneo com o período da Guerra Fria.



Os ministros decidiram, então, avançar em duas vias: por um lado, retirando mil ogivas, de um total de 7.400, da Europa e, por outro, incentivando negociações bilaterais entre os Estados Unidos e a União Soviética, com vista a limitar a capacidade nuclear.

No caso de estas negociações falharem, a NATO procederia à modernização do seu armamento nuclear de médio alcance e implantaria 464 mísseis lançadores em solo europeu, mais concretamente na Bélgica, Itália, Países Baixos e Reino Unido.

Que as negociações comecem

As negociações preliminares entre Washington e Moscovo começaram em outubro de 1980 e, a partir de novembro de 1981, a conversa passou a ser feita entre Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos, e Leonid Brezhnev, Presidente da União Soviética.

A negociação teve por base os princípios determinados pelo anterior Presidente norte-americano Jimmy Carter, segundo os quais quaisquer limites impostos por um acordo teriam de comprometer ambas as partes de igual modo.

Os Estados Unidos insistiram ainda que fossem estabelecidas inspeções periódicas aos arsenais de dois países.

Entre 1981 e 1983, pouco se avançou. Os negociadores norte-americanos e soviéticos reuniam-se de dois em dois meses, mas as conversações entraram num impasse.

Entra Gorbachev

Mikhail Gorbachev assume a liderança da União Soviética em 1985 e, no início de 1986, propõe a proibição de todas as armas nucleares até ao ano 2000, incluindo os mísseis de alcance intermédio (INF) na Europa. Os EUA contrapropuseram com a redução gradual a zero dos lançadores de mísseis na Europa e na Ásia até 1989.

Seguiram-se mais reuniões e, em outubro de 1986, Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev encontram-se em Reiquiavique e concordaram em remover os sistemas INF da Europa e em igualar os limites globais de 100 ogivas de mísseis INF.

Gorbachev propôs ainda mudanças mais profundas na relação estratégica e o chanceler alemão (RFA) Helmut Kohl anunciou a retirada unilateral dos sistemas conjuntos Pershing 1 dos EUA, aumentando a vulnerabilidade do seu país a um ataque do Pacto de Varsóvia.

O Tratado INF foi finalmente assinado em 8 de dezembro de 1987, pelo Presidente Reagan e pelo Secretário Geral da União Soviética Mikhail Gorbachev, numa cimeira realizada em Washington.

O que se passou agora?

A partir do final da década de 2000, começaram a ser divulgadas notícias sobre alegadas violações do Tratado INF por parte da Rússia. Mas só recentemente é que a NATO, através do seu secretário-geral, confirmou a existência de uma violação das regras por parte de Moscovo.

No início deste mês (outubro de 2018), Jens Stoltenberg afirmou que a aliança atlântica estava “preocupada com a falta de respeito da Rússia pelos compromissos internacionais assumidos, incluindo o Tratado INF”.

“Este tratado”, prosseguiu, “é um elemento crucial da nossa segurança” e agora está em perigo por causa das ações da Rússia” – que, “depois de anos de desmentidos, reconheceu recentemente a existência de um novo sistema balístico, chamado 9M729”.

Moscovo não respondeu às acusações, mas os países membros da NATO acreditam que este novo sistema representa uma violação do tratado, pelo que “é urgente que a Rússia responda a estas preocupações de uma maneira transparente e substancial”, apelou Stoltenberg.

Putin prevarica, Trump fica com as culpas. “Um erro colossal”

No sábado, Donald Trump veio anunciar que, “a menos que a Rússia e a China venham ter connosco e digam ‘vamos todos ser espertos e não desenvolver este tipo de armas [nucleares]”, os Estados Unidos deixarão o acordo.

O Presidente norte-americano incluiu a China nas razões para o abandono do tratado, ainda que Pequim não esteja comprometido com o mesmo. Contudo, o arsenal chinês tem sido um foco de preocupação no seio da administração Trump, para a qual o facto de a China não estar abrangida por aquele acordo coloca os Estados Unidos em desvantagem, o que, no entender do Presidente norte-americano, “é inaceitável”.

Na opinião de Jeffrey Lewis, especialista do Instituto de Middlebury de Estudos Internacionais, em Montere, e diretor do programa da Ásia de Leste para a não proliferação de armas, a saída do acordo “é um erro colossal”.

“A Rússia viola o tratado e é Trump que fica com as culpas”, sustenta, em declarações ao jornal “The Guardian”.

Mas Donald Trump tem sido instigado a acabar com o tratado, nomeadamente pelo seu terceiro conselheiro para a segurança nacional, John Bolton, um opositor de longa data aos tratados de controlo de armamento.

Bolton e Tim Morrison, conselheiro de controlo de armamento no Conselho de Segurança Nacional dos EUA, são também contra a extensão do tratado New Start, assinado em 2010 entre Barack Obama e Dmitri Medvedev (então Presidente da Rússia) e que limita o número de ogivas nucleares a 1.550 para ambas as partes. Este acordo expira em 2021.

“Suspeito que os nossos aliados europeus não estejam muito contentes com as intenções do Presidente Trump”, afirma o antigo porta-voz do Departamento de Estado norte-americano John Kirby, agora comentador de assuntos militares na CNN.

No seu entender, o grande objetivo do INF foi providenciar uma estabilidade estratégica ao continente europeu e não propriamente “resolver todos os problemas com a União Soviética”.

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  • Ventura Dias
    22 out, 2018 Porto 23:25
    Disse Trump "os jornalistas estão entre os seres mais desonestos..", pois eu também penso que sim. Acham que a desonestidade é só desviar dinheiro? Publicar imagens adulteradas com intenção de denegrir e difamar não é uma desonestidade??? A quem serve a carapuça que a enfie! E pela ronha que os jornalistas têm tudo indica a a carapuça serviu como uma luva!!

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