24 set, 2018 - 13:09 • Olímpia Mairos
De dia e de noite, à porta da fábrica de confeções da Touriya El-Bakkali, em Vale de Anta, concelho de Chaves, numa espécie de acampamento, cerca de trinta trabalhadoras lutam pelos seus direitos, o trabalho ou acesso ao subsídio de desemprego. Quando regressaram de férias, encontraram as portas da unidade fabril fechadas, sem qualquer comunicação por parte da administração.
“Éramos para vir dia 3, que eram as férias que tínhamos marcadas no calendário. Depois, passou para dia 10 e, depois, para dia 17. E nós convencidas que no dia 17 chegávamos aqui e tínhamos os papéis ou o trabalho. E nem uma coisa nem outra”, conta à Renascença Estefânia Santos.
A trabalhar na fábrica há sete anos, esta funcionária, de 37 anos, não percebe porque se chegou a esta situação. Diz que “não há salários em atraso” e à Touriya El-Bakkali “não faltava trabalho” e até tinham que “fazer horas para responder aos pedidos”.
Mavilde Cabeleira, de 51 anos, trabalha nesta fábrica, que há um ano mudou de proprietários, há cerca de 18 anos. Foi das primeiras funcionárias e atesta que “trabalho não faltava e a prova é que até ao fim-de-semana havia que trabalhar, muitas vezes”.
Mas, a verdade é que a fábrica encerrou durante o período em que as trabalhadoras estavam de férias. Às funcionárias não foi comunicado nem o encerramento da empresa nem o despedimento. “Ela [a proprietária] só disse que, quando viesse, no dia 17, trazia trabalho ou os papéis para o desemprego”, diz Estefânia.
Mas nem uma coisa nem outra. E como, entretanto, foram avisadas de que estariam a retirar equipamentos das instalações da empresa, resolveram fazer turnos e manterem-se “24 sobre 24 horas” em vigilância, conta Fernanda Mesquita, de 50 anos. E já lá vão 17 dias.
Junto à fábrica montaram uma tenda onde dormem. Há por aqui cobertores, cadeiras e alimentos e uma mesa onde vão fazendo as refeições. Prometem não arredar pé, para evitar que as máquinas sejam retiradas do interior da fábrica que, entretanto, entrou em processo de insolvência e as trabalhadoras querem garantir os seus direitos.
“Não tem sido nada fácil. Estamos com a cabeça meia banda, nem dormimos nem damos atenção à família. E é nesta situação que nos encontramos”, lamenta Fernanda Mesquita.
“Já entregamos a situação ao advogado. Nós continuamos aqui, até ter a resposta dele”, adianta Mavilde.
As trabalhadoras já avançaram com um processo crime e só querem que a situação se resolva, porque, diz Tânia Santos, de 23 anos, “é desesperante permanecer aqui, sem saber o dia de amanhã”.
“Uma pessoa quer arranjar a sua vida, buscar outro trabalho, porque temos contas para pagar, e há quem já tenha ofertas de trabalho, e não podemos, porque ainda estamos vinculadas com a fábrica. Como ainda não temos os papéis do desemprego, temos que cumprir com o nosso horário de trabalho, ou seja, não podemos ir trabalhar para outro sítio, temos que estar aqui dia e noite”, explica Tânia.
Para esta trabalhadora, “não é fácil”, porque, diz, “não se dorme em casa e, além das privações, não podemos acompanhar a família”.
“Temos que estar aqui todo o dia. E, depois, há muitas mulheres que têm filhos pequenos e os maridos trabalham e não podem estar assim. Alguns até vêm aqui com os filhos, durante a tarde, porque não têm onde os deixar. Saem da escola, saem do infantário e têm que vir para aqui, porque os pais estão a trabalhar e elas não vão deixar os filhos sozinhos em casa”, conclui a trabalhadora que foi recrutada apenas há três meses.
O advogado que representa as funcionárias, Eusébio Alves, explica que, com a queixa-crime, pretendem “dar conhecimento da situação ao Ministério Público (MP), a quem cabe averiguar se esta é uma situação de lock-out, ou seja, se se trata de uma decisão unilateral do empregador de paralisação da empresa ou interdição ao local de trabalho”.
Segundo Eusébio Alves, “as funcionárias deverão permanecer na fábrica até à assembleia de credores, decorrente da ação de insolvência e, possivelmente, só depois é que deverão ter acesso ao fundo de desemprego e às compensações a que têm direito”.
Das cerca de 40 trabalhadoras da unidade fabril, 30 estão juntas no protesto que decorre à porta da fábrica, na localidade de Vale de Anta, no concelho de Chaves.
A Renascença tentou contactar a administração da fábrica, o que não foi possível até ao momento.