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“Namorar três anos por carta? É coisa do passado”

20 set, 2018 - 11:49 • Liliana Carona

Luís Filipe estava de partida para a guerra quando fixou a cara da Margarida, nove anos mais velha, mas solteira. Trocaram cartas durante três anos, são casados há mais de 50.

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Numa altura em que se fala do fecho dos CTT em diversas localidades, recordamos o tempo em que muitos casais se conheceram e namoraram por correspondência. Durante três longos anos, sem se verem, Margarida e Luís Filipe, namoraram por carta. Foi na década de 60 do século passado, quando os homens começaram a ser chamados à Guerra Colonial.

Margarida e Luís Filipe, da freguesia de Melo, concelho de Gouveia, estão casados há mais de 50 anos e guardam num cofre dezenas de cartas que enviaram um ao outro e que nem para a rádio foi aberto. Contudo, a história foi partilhada.

“Tens que tratar com jeitinho o gato, se não o gato não vai a ti”, explica com voz doce, Margaridinha. Assim é tratada pelo marido, que tenta pegar num gato da rua, de que ambos cuidam.

Luís Filipe de 77 anos, encontrou por carta Maria Margarida, hoje com 85 anos. “Isto é um romance muito grande. Ele era mais novo que eu, e eu solteira. Ele estava em Melo a despedir-se da mãe e do autocarro disse-me: “adeus Margaridinha”, nome que ainda hoje me chama. Mas eu não o conhecia. Foi para a tropa em Luanda, e começou a escrever-me”, recorda, acrescentando que gastava muito dinheiro em cartas. “Era a minha mãe que pagava. De 15 em 15 dias recebia cartas, durante três anos. Hoje, tenho-as todas guardadas numa caixinha”, revela.

A beleza dele, com quem se tinha cruzado de fugida em Melo, logo a prendeu. “Achei- o bonito. Ele tinha 24 anos, eu tinha 33, eu avisei-o dessa diferença, mas ele disse que não se importava, bastava que nos compreendemos e amássemos um ao outro, e assim tem sido”, admite Margarida.

Luís Filipe, tem hoje 77 anos. Garante que não namorou outra rapariga durante os três anos em que escreveu cartas a Margarida. “Há sempre uma cara que fica debaixo de olho e a dela não esqueci”.

O que escreviam um ao outro? “Eram frases de amor como esta… O amor não é senão uma pequena lembrança. A esperança de uma saudade. A saudade de uma esperança”, diz Luís, interrompido pela esposa, que assegura que ainda hoje o trata por “minha coisinha fofa”.

Foram três anos de namoro por carta, mas hoje olham o amor com reticências. “Esta juventude com os smartphones, é um afastamento da sociedade”, refere Luís, corroborado por Margarida. “Não entendo esta juventude, até querem fechar os Correios, é pena”, lamenta, referindo-se ao plano de encerrar postos dos correios em vários pontos do interior, o que tem sido contestado pelos habitantes.

Mais de 50 anos de casamento, a juntar aos três anos de namoro por carta. A longevidade tem segredo, que é revelado. “Eu limito-me a ficar silenciosamente sossegado, elas dizem que têm sempre razão”, sorri Luís Filipe. Já Margarida considera que “é preciso ter muita paciência, sem paciência, nada feito”.

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