Tempo
|
A+ / A-

Gaza. Podem dois barcos furar o bloqueio da Marinha israelita?

22 jun, 2018 - 07:00 • João Carlos Malta , Inês Rocha

Um grupo de pouco mais de 20 ativistas esteve atracado na marina de Cascais, a meio de uma viagem até à Faixa de Gaza. Não é a primeira vez que tentam contornar o embargo israelita ao enclave palestiniano e não será a última. O fim não é o objetivo principal. Dizem que é a viagem e o espalhar da mensagem que contam.

A+ / A-
Gaza. Podem dois barcos furar o bloqueio da marinha israelita?
Gaza. Podem dois barcos furar o bloqueio da marinha israelita?

No final de maio de 2010, o nome “Flotilha Freedom” ("Frota da Liberdade") fez notícia em todo o mundo. Três dos seis navios de ajuda humanitária a cidadãos de Gaza foram tomados pelo exército israelita; dez ativistas foram mortos.. Oito anos depois, os defensores da causa palestiniana continuam ativos e a querer fazer passar a mensagem dos direitos humanos daquele povo através da palavra, sem armas, e sempre a bordo dos seus barcos.

Duas embarcações da frota, com pouco mais de 20 pessoas a bordo, atracaram na marina de Cascais na quarta-feira e vão zarpar esta sexta rumo à Faixa de Gaza. A viagem começou na Noruega em abril e promete terminar quatro meses depois no território. A bordo seguem medicamentos e outra ajuda humanitária, a par da mensagem política que espalham a cada paragem.

Hans Martland, em tempos pescador sueco, hoje comandante do “Freedom”, um dos barcos, lembra que o ataque de 2010 foi um dos motivos que o levou a embarcar naquela que já é a sua quarta viagem até o Médio Oriente.

Depois dessa tragédia nada mais foi como dantes para esta iniciativa, que é apadrinhada pelo Movimento de Libertação de Gaza e pela Fundação dos Direitos Humanos da Turquia. Assim conta à Renascença o sueco de 63 anos.

“Percebemos que tínhamos de ser muito cuidadosos para não espoletar uma reação tão violenta dos soldados [israelitas] e não lhes dar desculpas para que disparassem. Não lhes vamos dar essa desculpa.”

Treinar a paz

A resposta pacífica passou a ser um pré-requisito para entrar no barco, e requereu uma preparação específica. “Treinamos muito para não reagir quando alguém nos aponta uma arma à cara, mesmo quando estão a fazer algo de violento a amigos. Essa é a parte mais difícil”, sublinha Martland.

E como treinam para isso? “Há discussões sobre os nossos sentimentos em ocasiões de stress, e depois simulamos estas situações como se fossem reias. Não batemos nas pessoas, mas tratamo-las muito mal. Muitas chegam a conclusão de que isto não é para elas.”

O sueco resume numa frase o que o motivou a abraçar esta missão. “Um homem tem de fazer alguma coisa. Temos de deixar a nossa vida rotineira em prol dos direitos de outros que estão a ser violados por todo o mundo”, afiança.

Hans diz que, para ele, não é possível olhar para o que está a acontecer em Gaza e não fazer nada. “Os palestinianos estão a ser presos em celas ao ar livre, são-lhes negados os mais básicos direitos humanos. É realmente revoltante e está a fica cada vez pior. Os israelitas não ouvem nada do que a comunidade internacional diz e nós estamos a tentar abrir um buraco neste bloqueio.”

Apesar das inúmeras tentativas da “Frota da Liberdade” para furar o bloqueio permanente a Gaza, nenhuma foi bem-sucedida no seu propósito final. E não há perspetivas de que desta vez venha a ser diferente.

“Nós estamos a tentar entregar medicamentos e material de cariz humanitário e comida, mas os nossos barcos são parados diversas vezes. A carga é mais simbólica, porque dificilmente vamos passar. Queremos fazer isto de forma pacífica”, reforça Martland.

O capitão tem a certeza de que os israelitas vão tentar parar as embarcações como fizeram das outras vezes, “mas eles é que têm as armas, não nós”, pelo que, “se quiserem fazê-lo, vão fazê-lo”, afirma.

Hans diz que o exército pode inspecionar as embarcações “para ver que não temos nem contrabando, nem sequer armas de brincar, nada que seja proibido”.

Essa é, aliás, a principal arma dos ativistas. A palavra, aliada à capacidade de manter o assunto na ordem do dia por cada país onde passam. “A nossa mensagem é a viagem.”

Numa conferência de imprensa improvisada para os jornalistas, na Casa do Farol, em Cascais, um outro ativista, Daniel Ross, relatou a angústia que o invade quando pensa no que se passa em Gaza.

As origens familiares explicam parte da revolta. “Sou filho de um soldado que lutou na Segunda Guerra Mundial pelo exército britânico. Um judeu que lutou na Europa e que libertou campos de concentração, que libertou muitos dos sobreviventes que fundaram Israel como estado sionista.”

É aqui que se vira contra os elementos do exército israelita que se advogam como soldados. “Acho que é muito importante dizer que as pessoas que usam uniformes nas ruas da Palestina com uma bandeira de Israel não são soldados. Não há soldado no mundo a fazer o que esses 'soldados' fizeram”, acusa.

Para Daniel, um soldado não dispara “sobre civis inocentes desarmados, a protestar pacificamente, à distância, sem risco pessoal”, como aconteceu recentemente, nas manifestações batizadas Marcha do Retorno.

No mesmo grupo, Oldoz Javadi, candidata ao Parlamento sueco pelo partido Iniciativa Feminista, quase não contém a emoção. A voz treme quando afirma que o que se passa em Gaza agora não é uma questão de opinião.

“É muito importante não esquecer que quando dizemos que há quase dois milhões de pessoas presas por Israel, essa não é a nossa opinião. É um facto. É a realidade. E é também um facto que metade destas pessoas são jovens. Há crianças, bebés... É também um facto que 95% da água não é potável. Acho que é muito importante lembrar isto”, enfatiza.

Para Oldoz, a pergunta não deve ser "porque é que estão a fazer isto?", mas sim "como é que o resto do mundo não está a fazê-lo?" O seu apelo: “Todos devem agir da maneira que possam. O mundo tem fechado os olhos e olhado para o lado durante 70 anos.”

Em seu nome e de todos os ativistas da "Frota da Liberdade", a jovem sueca destaca a mensagem mais importante do grupo: “Estamos armados com paz e amor. É isso que levamos. E esperança, claro.”

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Provocador
    23 jun, 2018 lisboa 09:08
    É uma provocação deliberada contra Israel qdo existe o apoio total de TRUMP sendo tb uma provocação aos EUA.Isto vai acabar mal.Os provocadores querem uma reação internacional mas ninguém vai querer enfrentar a maior força nuclear do mundo.Prevejo q pelo menos um a embarcação será afundada senão as duas.Israel e TRUMP estão fartos de provocaçpes e vao reagir violentamente ,tanto mais q EUA j´se retirou do grupo dos DIREITOS HUMANOS.
  • JOAQUIM S.F. SANTOS
    22 jun, 2018 TOJAL 13:07
    De que serve o treino para não reagir à ofensa, se o que existe no seu coração é ódio, e não amor. O mundo está cheio de hipocrisia. O mal maior é que aqueles que deviam de apelar ao amor entram na hipocrisia.
  • manuel
    22 jun, 2018 lisboa 12:23
    coitados tenho pena deleser. Se soubessem o que são os palestinianos de certeza que não embarcavamos nesta aventura. Estes gajos que se escondem atrás de crianças merecem ...

Destaques V+