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O que é preciso para concretizar os sonhos? Talvez um livro infantil

18 jun, 2018 - 12:45 • Marta Grosso

“José, o menino do suspiro” é o nome do primeiro livro de Natacha Summer Ferreira, uma obra que já faz parte do Plano Nacional de Leitura e que é apadrinhada pelo chef Kiko e o humorista Nuno Markl. É destinado às crianças, mas os adultos também gostam. À Renascença, a autora explica porquê.

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Contra a “cultura das linhas retas” e do “by the book”, em “José, o Menino do Suspiro” (Plátano Ed.) aprende-se com graça a arregaçar mangas e a lutar pelos sonhos e objetivos. “As pessoas têm de parar de pensar que ter sonhos é criancice”, defende a autora do livro, Natacha Summer Ferreira.

“OK, temos sonhos, mas o que é que é preciso para os concretizar? O que é preciso fazer para tirarmos os nossos sonhos da fantasia e colocá-los em prática?”, questiona em entrevista à Renascença.

A resposta é só uma: pôr mãos à obra e não desistir. No livro, José sonha em fazer dos habitantes da sua cidade, chamada Alegria, pessoas mais bem dispostas.

“Na cidade da Alegria não existem jovens ou crianças, apenas pessoas mais velhas que só pensam no trabalho e andam o dia todo meio macambúzias”, lamenta o menino.

Para mudar isso, José decide fazer algo que permita que os habitantes da cidade possam dormir mais e começar a trabalhar mais tarde, mais precisamente às 10h41. Com esse objetivo em mente, o protagonista reúne literalmente as tropas e põe mãos-à-obra. Seguem-se as peripécias, contadas numa linguagem muito acessível e cheia de diálogos bem humorados.

O plano é feito por etapas “e os pais gostam muito dessa componente”, reconhece a autora.

O livro já faz parte do Plano Nacional de Leitura. “Foi uma surpresa enorme para mim, porque é o meu primeiro livro”, admite Natacha Summer Ferreira. “O Plano Nacional de Leitura tem uma comissão de peritos que analisam obras literárias infantis e, de facto, reconheceram que o José é muito importante na componente pedagógica, criativa e para criar hábitos saudáveis de leitura nos mais pequenos.”

“Esta é uma história sobre insetos como nós”

Quem o diz é Nuno Markl, que faz a nota introdutória do livro. Segundo o humorista, “é nos universos pequenos que se conseguem dizer coisas acertadas sobre os universos grandes”. E este livro é um exemplo disso.

“Se tudo correr bem”, vamos todos identificar-nos com o protagonista, José. “Tenhamos nós 7 anos ou 77. Ou 777”.

Nuno Markl ficou a cargo da introdução, mas Natacha Summer Ferreira convidou mais “pessoas que influenciaram” a sua vida para dar “um contributo positivo ao livro”.

Entre eles está o empresário norte-americano Dan Price, que em 2015 decidiu que o salário mínimo na sua empresa seria de cerca de quatro mil euros.

“Gostei do facto de ele perceber que a vida é para ser vivida, que não é só trabalhar”, justifica, para logo acrescentar: “Não vale a pena uma pessoa trabalhar 24h e não ter dinheiro para pagar uma renda de casa ou para constituir família ou sair da casa dos pais e não conseguir”.

“Isto tocou-me imenso, porque os jovens em Portugal vivem uma situação difícil, com salários tão precários, e enviei uma mensagem para o Dan Price a dizer que gostava que participasse imenso no meu livro, porque o meu livro também tem estes valores. O Dan respondeu-me a dizer que, curiosamente, vinha a Portugal e que podíamos estar reunidos para falar um pouco sobre isso. E fez um vídeo sobre o livro”, conta.

Dan Price - vídeo sobre livro infantil
Dan Price - vídeo sobre livro infantil

Outro convidado especial do livro é o chef Kiko, que deixa uma receita no final da história.

Do papel para o ecrã?

Desde que foi lançado, há cerca de três anos, o livro tem tido um percurso de crescimento. Nas escolas, há muitas crianças a encenarem a história e, cá fora, é muito possível que o livro chegue a outros palcos.

“Alguns amigos meus são ligados ao teatro e têm visto no livro uma oportunidade para o pôr em teatro, dramatizar. E agora está essa opção na mesa. Estou a trabalhar um pouco com uma companhia de teatro para tentar encenar o livro e levá-lo para o teatro”, avança Natacha Summer Ferreira.

Mas há mais planos para o “José”. Os bonecos que ilustram a história “estão preparados para animação. Por isso é que parecem saltar do livro”.

“Se, de hoje para amanhã, se conseguir algum projeto relacionado com a animação – por exemplo, no Youtube ou séries de animação ou filme – eles estão preparados para isso”, afirma a autora.

Os responsáveis por tal feito são o Tiago Colaço e o Pedro Marques. “O Pedro Marques ajudou o Tiago Colaço, embora não apareça” mencionado na capa do livro. “Ajudou na parte da pintura e das cores, que estão muito muito boas”, explica Natacha.

Mas, afinal, este livro é para crianças?

“É um livro feito para crianças que, desde os bonecos à história, é cativante. É muito genuíno e foi feito com muita dedicação, com muito amor”, afirma Natacha Summer Ferreira.

Mas a verdade é que a história também tem conquistado muitos adultos, pois a história é muito contemporânea.

“Eu acho que a vida é para tomar os caminhos e as linhas que garantem o nosso crescimento interior e que nós sejamos reconhecidos devidamente pelo nosso trabalho e não estarmos numa empresa 10 anos só porque temos um trabalho fixo, quando não nos dão o devido mérito e valor, salário e reconhecimento”, defende a autora.

Um dos efeitos secundários do livro poderá, pois, ser “um despertar para os nossos sonhos interiores”. “Eu quero que as pessoas olhem para os seus sonhos com persistência e entusiasmo”, admite Natacha, que com o livro espera deixar nas crianças “uma sementinha” para as ajudar a não desistir dos objetivos.

Um dia, foi abordada na rua. “Uma menina veio ter comigo e a mãe também e contaram que, como a mãe não conseguia ter um cavalo no jardim, inscreveu a menina numa escola de equitação, porque a filha tinha o sonho de ter um cavalo branco. Encontraram uma solução para concretizar o sonho da menina”, conta.

Um recado ao país

Na entrevista à Renascença, Natacha Summer Ferreira deixou um apelo: apoiem os autores/artistas portugueses.

“Estou preocupada, porque há imensos escritores de livros infantis, há imensos ilustradores como o Tiago [Colaço], há tantas pessoas boas do nosso país nas artes que merecem todo o nosso reconhecimento e apoio e ajuda” e não têm.

No que toca à escrita, as coisas também não são fáceis, diz. “A área da cultura é tão difícil. Na escrita infantil no nosso país, para concorrer é tão tão difícil que só o facto de as pessoas irem às livrarias e procurarem um nome português, o facto de poderem, na biblioteca que têm lá em casa, ter essa atenção, já estão a realizar o sonho de alguém que, como eu, realizou este livro e que é tão difícil com a concorrência”.

Por isso, Natacha Summer Ferreira faz questão de “agradecer a todos os profissionais que apoiam a cultura e os novos escritores em Portugal”.

“Porque é muito muito importante. Precisamos de muita muita ajuda na divulgação daquilo que nós fazemos para continuarmos a dar aquilo que de melhor temos ao país e aquilo que é a nossa paixão e gostamos de fazer”, resume.

Um dia, Natacha gostaria que as pessoas se lembrassem dela como “a que contribuiu para a cultura no nosso país e contribuiu para que eu também realizasse o meu sonho”.

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