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"Palavras de Fogo". Um festival literário internacional "a pensar no povo do interior"

11 jun, 2018 - 06:30 • Ângela Roque

Zona centro vai acolher a primeira edição do FLII. Nada foi escolhido por acaso: nem a data nem o nome nem os locais onde o certame vai decorrer.

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Está a chegar a primeira edição do Festival Literário Internacional do Interior (FLII) e nem a data, nem o nome, nem os locais por onde vai passar foram escolhidos ao acaso. “É um festival que queremos que tenha uma força identitária muito grande, que não se confunda com qualquer outro”, começa por dizer à Renascença uma das organizadoras, a escritora Ana Filomena Amaral, que esta segunda-feira vai apresentar oficialmente o certame em conferência de imprensa na Lousã.

Autora de vários livros de ficção e investigação histórica conta que a ideia do festival surgiu em 2017, quando a cooperativa cultural da Lousã “Arte-Via”, da qual faz parte, completou 18 anos de existência. “Achámos que devíamos criar algo com abrangência e, como sou escritora, sugeri um festival literário.”

A direção concordou. A tragédia dos fogos florestais inspirou o resto.

“Pensámos logo em ser uma homenagem às vítimas”, conta Ana Filomena Amaral. Por isso o festival vai coincidir com a data do primeiro aniversário do grande incêndio de Pedrógão Grande, 17 de junho, porque “essa memória não pode ser apagada da mente de ninguém. E não me refiro apenas aos responsáveis políticos, às autoridades, é a todo e cada cidadão português. Não podemos esquecer o que aconteceu”, diz.

O título ‘Palavras de Fogo’ não foi imediato. “É um nome que pode até parecer desconcertante, mas é uma expressão que já tinha usado num dos meus livros, é original de um texto medieval, do século XIV”, mas que se “adequa totalmente” aos objetivos do festival.

Ana Filomena Amaral espera que a iniciativa mobilize muitas pessoas. “Tal como o país se virou para o interior, numa onda de solidariedade extraordinária, quando foi a tragédia dos fogos, o que queremos agora é que essa onda de solidariedade se mantenha e que nestes quatro dias o país se vire para o interior, que nos venham visitar e participem”. Até porque acredita que a literatura, e a cultura em geral, podem ser o “grande motor” de desenvolvimento. “A arte e a cultura como reanimadores de uma região e de um povo será o tema de todos os painéis dos autores e escritores que vamos ter nos vários concelhos. Porque nós achamos que é através da cultura que podemos chamar pessoas ao interior e revitalizar a região”.

O festival vai decorrer de 15 a 19 de junho nos 11 concelhos mais afetados pelos incêndios florestais do último ano: Arganil, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Lousã, Miranda do Corvo, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penela, Sertã e Tábua.

Tem várias atividades previstas, e nos sítios mais imprevisíveis. “Vamos estar em fábricas, em praias e rios, em casas de convívio. Vamos estar onde estão as pessoas, porque é ao encontro delas que vamos”, sublinha esta responsável, para quem este “é um festival pelo povo e para o povo, não é para elites. É uma iniciativa a pensar no povo interior. E queremos que o festival seja uma festa”.

A organização do festival envolve responsáveis e associações de vários municípios, como as associações das vítimas, quer de Pedrógão, quer de Oliveira do Hospital.

“Uma das marcas deste projeto é ser intermunicipal. Formámos um consórcio com cerca de 15 entidades diferentes, e todas ajudaram”, sublinha Ana Filomena Amaral, que agradece a disponibilidade manifestada por todas as câmaras e todas as ajudas que tem recebido. “A começar pela da minha colega de direção da cooperativa, a Fátima Cabral, a da Direção-geral do Livro, Arquivos e das Bibliotecas, a da Gulbenkian. Não posso esquecer a ajuda das bibliotecas municipais, que estão a ser absolutamente extraordinárias, apesar dos poucos recursos que têm. E a ajuda do José Luis Peixoto e do Pedro Mexia, que desde o início se associaram a nós”. E que também vão participar como autores.

Entre escritores, poetas, jornalistas, agentes culturais, diretores de festivais e editores são cerca de 30 os participantes confirmados, nacionais e estrangeiros (consulte aqui o programa). É o caso de Nuno Júdice, Clara Pinto Correia, Maria Antónia Palla, António Tavares, Hélder Beja, que tem estado ligado ao Festival literário de Macau, e José Pinho, administrador da Ler Devagar e gerente da Férin, entre outros. De fora virão, por exemplo, o chileno Luís Sepúlveda, o colombiano Jerónimo Pizarro, Mempo Giardinelli e Natalia Porta Lopes, da Argentina, Filinto Silva, de Cabo Verde, Yao Feng, diretor do Departamento de Português da Universidade de Macau, ou ainda Seid e Sibila Serdarevic, fundadores do ‘Fraktura’, o Festival Literário da Croácia.

“Um dos nossos objetivos é internacionalizar o festival, através da participação dos escritores estrangeiros e também dos diretores de alguns festivais internacionais, e com alguns já temos parcerias”, adianta à Renascença Ana Filomena Amaral, que espera que esta passe a ser uma “iniciativa anual, sempre com esta característica dos livros irem ao encontro das pessoas, e não estar à espera que sejam as pessoas a vir às bibliotecas, às livrarias ou aos museus. É um festival a pensar no povo e a pensar em formar públicos para, no próximo ano, as pessoas já encararem o festival como sendo deles”.

A iniciativa “tem o alto patrocínio da Presidência da República”. Marcelo Rebelo de Sousa participará no evento dia 16, em Castanheira de Pêra, onde o FLII quer criar uma residência literária permanente. “Não vamos ainda inaugurar a residência, mas vamos inaugurar o projeto. Vai ficar na casa de Bissaya Barreto, que precisa de obras, não está em condições para receber uma pessoa para ficar lá um, dois, três meses, que normalmente é o que costuma verificar-se em residências congéneres. Não serão obras de grande monta, vão decorrer durante o próximo ano, e na próxima Edição do FLII contamos ter já um escritor residente. É esse o nosso objetivo”, explica Ana Filomena Amaral.

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