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Opinião

PS à maneira de Costa

27 mai, 2018 - 15:45 • Graça Franco

Amanhã, o PCP e o BE vão de novo sentar-se à mesa orçamental, com tudo o que isso implicará de negociação a “três”, mas até isso só será amanhã. E até isso Costa resolverá à “sua maneira”, pelo menos, no que Centeno deixar.

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Num congresso que parecia dominado pelo som das velhas canções de Abril, património comum de toda a “geringonça”, António Costa conseguiu entrar e sair de um partido em festa com todos a reconhecer-lhe capacidade de governar, como lembrava a música de fundo reservada ao líder, "À minha maneira”, dos Xutos e Pontapés. Quem sabe, sozinho. Quem sabe, capaz de não precisar de mais ninguém.

Costa passou três dias de teste com distinção, interna e externamente, provando que há socialistas “democráticos e europeus que governam com boas contas”. Sonhando com uma “maioria absoluta” que o dispensou de dirigir uma palavra que fosse aos actuais parceiros de coligação informal.

Para um líder que perdeu nas urnas a primeira batalha e subiu ao poder da forma inesperada, convenhamos que este Congresso não se saldou por pouco. Reivindicando-se da herança política de 45 anos de Soarismo e mostrando-se ironicamente como o sucessor de Seguro, conseguiu reduzir Sócrates à mera condição de pequeno episódio entre os grandes na História.Centeno fez o resto. Por mais “irritante” que continue a parecer a alguns Costa teve mais uma vez tudo para sair ainda “mais optimista” da e para a Batalha. As reacções do PCP e do BE à saída foram sintomáticas do desagrado dos parceiros que Assis tinha considerado “anestesiados a bem do país".

Uma mão cheia de boas notícias e metas ambiciosas ajudou (tanto ou mais do que os bons números de Centeno) o tranquilo discurso de encerramento do 22 Congresso socialista: no Orçamento do próximo ano, estará contemplado um pacote destinado a estimular o regresso da geração “mais preparada de sempre”, oferecendo aos jovens que queiram regressar “condições únicas e extraordinárias”. Quais? Logo saberemos, que o congresso não serve para abrir o jogo orçamental.

Aos parceiros sociais, ficou lançado o repto: é forçoso que percebam a necessidade de oferecer aos trabalhadores a capacidade de modelar o seu volume de trabalho ao longo da vida, trabalhando mais em alguns momentos e menos noutros, com o reverso de, com isso, conciliarem melhor a sua vida, como a possibilidade de terem “todos os filhos que quiserem”. E porque não estender-se aos avós a possibilidade de participarem também em alguns dos direitos já concedidos aos pais? Quais? Mais tarde se verá.

O salário mínimo, como prometido, passará a 600 euros já no próximo ano, mas a fasquia é colocada mais alto: “É preciso fazer convergir o salário médio dos portugueses para a média europeia”, convencendo os empresários de que as “empresas do futuro só o terão com trabalhadores mais qualificados e melhor pagos”. Para isso fica a promessa:

“Temos de alinhar o esforço empresaria com políticas públicas”. De que tipo? Não sabemos, mas regista-se a certeza de que “com melhores salários para os trabalhadores haverá também melhores empresas”.

Com a nova lei de bases da habitação e uma nova regulamentação para o sector (em que o esforço com o alojamento familiar não supere os 35 por cento do rendimento) reforçar-se-á, naturalmente, a capacidade de maior autonomia para os mais jovens a par de uma maior dinamização do mercado de arrendamento mas não “deixado à solta”, será também mais fácil o sonho de mais autonomia para os mais jovens.

Entre as novas metas do Governo, destaque ainda para a ambição de aumentar de 40 para 60 por cento a fasquia dos ingressos no ensino superior e de reduzir de 14 para 10 por cento a taxa de abandono escolar precoce (em 2020), a par de um reforço substancial das verbas para doutoramento para “mais de mil”. Tudo implicará reforços de verbas orçamentais, mas essa especificação só virá depois.

Para já, ficou o partido pacificado, como é típico dos partidos de poder em plena fase ascendente do ciclo económico. Não por acaso “parabéns, Centeno” foi uma frase recorrente no grande ecrã. A ala mais à esquerda ganhou o palmómetro (em que o primeiro lugar foi entregue a Pedro Nuno Santos, o homem que defendeu a repetição da geringonça).

Mas o próprio Costa foi o primeiro a recomendar calma aos sucessores, frisando que ainda não tinha entregue "os papeis para a reforma”, embora reconhecesse que “há toda uma nova geração” de jovens líderes que emerge no partido. Pedro Nuno Santos, Ana Catarina Mendes, Fernando Medina e Francisco Assis são apenas alguns dos perfilados.

Apesar do debate ideológico aceso que marcou as semanas e dias pré-congresso (e em que a esquerda “mais à esquerda “ capitalizou sobretudo aumentando o número de vozes pró-eutanásia - desde Costa a Assis), acabou por quase se esfumar no decorrer do congresso. Ficará para memória futura.

No final, o líder socialista tinha conseguido tudo o que se propusera: deixar tudo em aberto: Depois se verá, se é mais útil olhar de novo à esquerda ou voltar à direita. Escolhas de nomes ficam para Outubro e de medidas concretas adiadas para Junho do próximo anos (quando as convenções do partido não permitirem mais adiamentos). Sócrates e o que ele representou ou ainda representará, mais uma vez, passou (apesar das indirectas de Ana Gomes) pelos pingos da chuva de um partido que soube elegantemente rescrever o passado e focar-se num futuro como se não houvesse presente. Esse reduziu-se aos números como se não houvesse mais vida para além do défice. Amanhã, o PCP e o BE vão de novo sentar-se à mesa orçamental, com tudo o que isso implicará de negociação a “três”, mas até isso só será amanhã. E até isso Costa resolverá à “sua maneira”, pelo menos, no que Centeno deixar.

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  • MASQUEGRACINHA
    28 mai, 2018 TERRADOMEIO 16:34
    Sonhando com uma maioria absoluta, sim, mas não falando alto durante o sono. Anestesiados, sim, mas de anestesia local, e auto-inoculada. O Assis é útil à sobrevivência do PS, serve de exemplo pela negativa.

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