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Uma plataforma de “órfãos políticos” para promover valores cristãos na Europa

04 mai, 2018 - 13:39 • Filipe d'Avillez

O antigo ministro espanhol Jaime Mayor Oreja encabeça um projeto para criar uma plataforma cultural conservadora. O objetivo, nas suas palavras, é combater o avanço de uma sociedade “baseada no nada”.

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Jaime Mayor Ortega acredita que a Europa está, cada vez mais, a abraçar valores que chocam com as raízes cristãs do continente. Por esse motivo, o antigo ministro do Interior de Espanha, do Partido Popular (PP), que é também presidente da federação One of Us, decidiu lançar uma plataforma cultural para promover o que diz serem os valores tradicionais europeus.

Sente-se "órfão" dos partidos políticos atuais e garante que não é o único que não se revê nas alternativas políticas que hoje existem. O que preocupa Oreja não é só o rumo que a Europa está a tomar, mas também as respostas populistas que têm surgido no seguimento disso.

Em Portugal para apresentar a plataforma – que será lançada oficialmente a 26 de maio em Valença (Espanha), com a participação do filósofo francês Remi Brague – Jaime Mayor Oreja falou com a Renascença sobre o que o move.

Tem-se falado muito de crise na Europa nos últimos anos e têm sido apresentadas muitas soluções, sobretudo de dimensão económica. É essa a grande crise que o continente atravessa?

A crise está na raiz da nossa civilização, está na pessoa, está na sociedade. A crise está, sem dúvida, na política, na economia e nas finanças, mas não só nestes lugares. A crise está em nós mesmos. É uma crise de estilos de vida, de atitude diante da vida, uma crise da pessoa.

Este projeto começa com a iniciativa One of Us e com uma petição a pedir à Comissão Europeia que reconhecesse a "personalidade do embrião". Com quase um milhão e oitocentas mil assinaturas, é a maior petição alguma vez apresentada à Comissão, mas esse triunfo ao nível de mobilização não se traduziu em sucesso junto das instituições europeias, que rejeitaram a proposta.

Não foi uma surpresa, era o que se esperava. O importante era não depender de uma resposta negativa da Comissão Europeia, por isso demos três passos. O primeiro foi recolher assinaturas. O segundo foi crar uma federação de todas as organizações que participaram nessa recolha de assinaturas e que defendem a vida, nos quase 30 países europeus. O terceiro passo foi a criação de uma plataforma cultural, também chamada "One of Us", formada por pensadores de todos os países europeus, não só para defender a vida mas também para compreender a raiz do momento crítico que vivemos no debate cultural.

Não se trata de um novo partido político, trata-se de sermos capazes de entender que vivemos uma etapa final no panorama político pós-Segunda Guerra Mundial, e que é preciso ir às raízes dos fundamentos, dos valores e dos princípios.

O manifesto desta iniciativa fala muito de vitórias e derrotas. Estamos perante uma "guerra de valores"?

Estamos a precisar de uma reconciliação de valores. A Europa tem raízes cristãs, mas há a obsessão de as destruir. E eu aceito – era mais o que faltava não aceitar – que nem todos os europeus sejam católicos ou cristãos. Agora não se pode é negar a evidência. Não se pode tentar criar uma sociedade baseada exatamente na negação dos valores cristãos da Europa.

Obsessivamente, freneticamente, considera-se que se os nossos valores cristãos nos levam a ter uma posição sobre a vida, faz-se ao contrário. Se levam a ter uma posição sobre a morte, faz-se ao contrário. Se dizemos que as pessoas são homens ou mulheres, que o sexo determina a nossa identidade, inclusivamente o nosso cérebro, faz-se ao contrário. A questão do género é uma mentira, uma falsidade total.

Há uma vontade de construir uma nova sociedade baseada em valores que destroem os nossos e em falsos e novos direitos. Estamos a construir uma sociedade baseada no nada, que está condenada ao fracasso. Não sabemos ainda os danos que tudo isto vai causar, mas a verdade é que estamos diante de uma tentativa obsessiva de destruir os nossos valores cristãos. Por isso temos de existir, não para alcançar o poder político, não - como se pensou nos anos 1940 - para que os cristãos possam alcançar o poder, mas para existir. Temos a obrigação de não ficarmos quietos em casa, temos de estar na vida pública.

O que sustém esta tentativa de mudar a sociedade? É uma coisa organizada?

O relativismo moral, a perda de crenças e de referências permanentes, a socialização do nada, é evanescente. Não se sabe onde começa e onde acaba. Penetra-nos. Não está na esquerda nem na direita, está em todos. É um adversário invisível, um modo de vida. Há uma geração que tem como única referência o dinheiro, por isso é que é difícil de combater, é uma moda dominante, existe, não precisa de uma comissão executiva.

Acha que há o risco de as pessoas que reagem por instinto contra este relativismo ficarem reféns de partidos de extrema direita, por exemplo?

As pessoas estão a extremar as suas posições. Há muitos reativos. A Frente Nacional francesa é uma reação à crise da sociedade que existe em França. O Brexit [saída do Reino Unido da UE] é uma reação. Geralmente, no ponto mais frágil de cada nação instala-se uma frente reativa, extremista. É isso que está a acontecer agora.

Nós não estamos nem com uns nem com os outros. Estamos fora do debate político, mas isso não significa que estamos fora do debate público, das ideias. Não somos nem populistas nem relativistas. Mas estamos amorfos. Os que estão na política não me representam. Eu não estava com a Le Pen nem com o Macron, onde estava? No limbo. Órfão. Passa-se o mesmo noutros países. Eu não estou neste debate político, nem quero fazer política, quero defender os valores mais importantes que há na vida.

Defende que as pessoas com valores sobrevivem pouco tempo na política, mas você sobreviveu muitos anos, como ministro encarregue de confrontar a ETA, na política regional no País Basco e depois como eurodeputado…

Eu comecei na política com 24 anos. Chega-se a um ponto em que apenas se quer sobreviver na política, permanecer por permanecer. Chega-se a uma altura em que, como se está órfão, a pessoa ou se acostuma ou abandona.

É verdade que, nos meus anos de Governo, não estava nos debates da sociedade, estava a combater um projeto de rutura de Espanha, uma organização terrorista. Eu disse muitas vezes que deveria ter estado mais no debate das ideias, mas também é verdade que eu tinha um papel, uma responsabilidade que centrava todo o meu interesse. E nunca tive dúvidas, não tinha problemas de consciência em estar naquela batalha, porque era uma batalha que valia a pena, por mais dura que fosse.

Quando fui para o Parlamento Europeu, onde estive dez anos, ao final tratei de fazer o que podia no meu grupo e no meu partido. Mas a verdade é que cada dia é mais difícil, porque cada dia o avanço da moda dominante é mais forte, é mais poderoso. Por isso quando vejo os jovens de 25, 26 anos, que têm valores e princípios, é necessário abrir-lhes o cenário político, há que garantir que há algo fora da batalha entre a Nova Ordem Mundial e a reação, no âmbito das ideias, dos valores, dos princípios e das raízes.

Quando Felipe VI foi entronizado decidiu que não haveria missa e que não teria um crucifixo no juramento. Como é que encarou estes factos?

O pior problema que hoje existe em Espanha é a nação e o comportamento que o Rei teve com a nação, na minha opinião, foi exemplar. Prefiro continuar com um Rei e com uma monarquia que está à altura das circunstâncias do principal desafio que existe em Espanha, que é a unidade, que é um bem moral. É evidente que aí a atitude do Rei é impecável. De resto, teremos de avaliar no futuro a evolução desse fenómeno que aponta, mas eu prefiro concentrar-me no bom da situação e ele esteve à altura das circunstâncias do projeto mais difícil que existe em Espanha, que é a nação.

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  • Maria Vieira
    05 mai, 2018 Rua Dr. Álvaro Gomes F. Alves VilA Nova de Gaia 09:24
    Sou cristã, por isso apreciei de verdade este texto. Identifiquei-me com os valores k dizem defender. Gostaria de receber mais comunicação vossa. Obrigada.

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